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A POUCOS DIAS DO REFERENDUM NO REINO UNIDO | Reino Unido: a esquerda e o referendo pela saída Grã-Bretanha da União Europeia

Um clima de enorme tensão política a quatro dias do referendo. A esquerda e o Brexit. Posições cruzadas diante do referendo: sair ou ficar?

Alejandra RíosLondres | @ale_jericho

terça-feira 21 de junho de 2016 | Edição do dia

O destino do Reino Unido e de sua relação com a União Europeia será decidido no referendo marcado para o dia 23 de junho; no entanto, essa discussão foi artificialmente implantada pelo primeiro ministro britânico, David Cameron, depois das eleições de maio de 2015. Com medo de que mais deputados desertassem o partido da extrema direita UKIP (Partido Independente do Reino Unido), o primeiro ministro convocou o tal referendo para apaziguar a ala eurocética de seu próprio partido.

Nos últimos dias, as discussões econômicas foram deixadas de lado para dar lugar ao debate sobre a imigração. O tema foi aprofundado depois do assassinato de uma jovem deputada do partido trabalhista, Jo Cox, que gerou a suspensão momentânea das campanhas para o referendo, representando um verdadeiro caos político. E piorou ainda mais quando se soube que uma das principais pistas que levavam ao culpado revelava uma relação entre o assassino e grupos da ultra-direta, nacionalistas e anti-imigrantes. Por sua vez, o Partido de Independência do Reino Unido (UKIP - sigla em inglês) aumentou sua política anti-imigrantes ao divulgar um cartaz de campanha com evidentes semelhanças com um cartaz da propaganda nazista que desperta medo e expressa uma antecipação da narrativa que, certamente, será fortalecida, se o resultado do pleito for pela saída do Reino Unido do bloco europeu.

Com as sondagens de opinião das últimas semanas que apontavam uma vantagem para o Brexit (que significa saída do Reino Unida da UE) - embora as novas pesquisas prevêem uma leve vantagem pela permanência - e a queda dos índices da bolsa como plano de fundo, David Cameron e o establishment empresarial e político impulsionam sua campanha com declarações alarmantes sobre o futuro do país. E dizem: o Brexit significa o colapso da economia do país, a falta de receitas da UE, a ausência de instancias para negociar a participação de imigrantes e sua incorporação no mercado de trabalho com as competências necessárias.

O debate do referendo no Reino Unido fortaleceu os setores anti-imigrantes e nacionalistas que acusam os migrantes de todo o mal ocorrido e daquele que está por vir, desde o esgotamento do sistema nacional de saúde, passando pela falta de desenvolvimento industrial e chegando até a crise econômica. Essas manifestações de polarização e o grau de rivalidade política – nunca vista em nenhuma campanha eleitoral nas últimas décadas – colocam em cena a jogada de Cameron.

Por que escolher entre David Cameron ou Nigel Farage?

Lamentavelmente, quase todos os grupos e setores da esquerda britânica ficaram aprisionados a uma das duas opções da pergunta do referendo: o Reino Unido deve permanecer um membro da União Europeia ou deve deixá-la? As respostas possíveis são duas: Remain a member (permanecer) ou Leave (sair).

A luta pelos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, os migrantes e a população pobre não se encaixam em nenhuma das opções e a primeira resposta da esquerda deveria ser denunciar o referendo por ser uma manobra de Cameron para resolver sua própria eleição interna.

O Partido dos Trabalhadores Socialistas (SWP em sua sigla em inglês) faz parte da plataforma “#Lexit: a campanha de uma saída pela esquerda da UE” com outras agrupações políticas de esquerda. Em seu texto de apresentação afirmam, de maneira correta, que os eleitores merecem algo mais do que optar entre a posição europeísta de Cameron (ou o sonho impossível de uma “Europa Social”), por um lado, e a campanha reacionária eurocética da UKIP e a ala de direita do partido conservador, por outro lado. Para enfrentar essas falsas opções lançaram o #Lexit (acrônimo para “esquerda” e “saída”) com o objetivo de impulsionar uma campanha “principista, anti-racista e internacionalista comprometida com a democracia, a justiça social e a sustentabilidade do meio-ambiente”. O Lexit é apoiada pelo jornal digital Counterfire, pelo Partido Comunista da Grã-Bretanha e pela Antarsya (Grécia).

Justificam o voto pela saída do Reino Unido do bloco europeu com os seguintes argumentos: a União Europeia planeja uma agenda patronal que inclui negociações secretas do Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (APT) e os programas de austeridade na Grécia, Chipre, Irlanda e Portugal. Em segundo lugar, a UE é ingovernável com instituições mega-burocráticas como a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu (BCE). Terceiro, o argumento de que a UE defende os direitos dos trabalhadores é um mito, pois todas as conquistas são fruto da luta. Em quarto lugar, a UE é uma fortaleza europeia envolvida em planos de deportação massiva; e que a livre circulação de trabalhadores se aplica exclusivamente aos membros comuns do bloco. Por último, no plano político não representará automaticamente um giro a direita. Se o Reino Unido “deixar” a Europa, isso poderia gerar uma grande crise para a classe dominante.

Em relação ao assassinato de Jo Cox, opinam que o ocorrido é produto da atmosfera de racismo e islamofobia no qual os imigrantes e refugiados se convertem em bode expiatório.

Ninguém na esquerda nega a agenda liberal da UE nem seus aspectos reacionários; no entanto, grupos solidários com o movimento migratório opinam que se o Brexit ganha, o nível de racismo aumentará.

A posição do SWP não deixa de ser perigosa, porque a campanha pela saída está associada a Farange e a extrema direita. Como pode um político como Farange encorajado com pela situação representar uma melhoria na condição de luta e abrir caminho para uma situação favorável para as massas?

O Socialist Party (pertencente ao Comitê por uma Internacional Operária) também defende a saída do país da UE. Em seus materiais argumentam que o fazem desde uma perspectiva de classe e de um ponto de vista internacionalista e, que se trata de uma oportunidade para que os trabalhadores possam expressar sua oposição ao governo conservador e à classe capitalista. Sobre o assassinato de Jo Cox, o partido sustenta que: por não haver uma campanha de independência de classe – no que diz respeito ao referendo – que possa unificar em uma só voz contra as austeridades e o racismo não se pode descartar a possibilidade de um resultado perigoso com um aumento dos ataques a imigrantes e outras minorias étnicas.

Por um lado, tanto o Socialist Resistance (organização irmã do NPA, França) como Left Unity – a formação que conta com o apoio do cineasta Ken Loach – estão localizados do outro extremo do arco político. Em seu folheto A União Europeia e o Referendo: por um voto crítico a favor de “se posicionar” contra a xenofobia” denunciam o caráter antidemocrático e neoliberal da UE, suas instituições e do referendo. Argumentam que a campanha pela saída da UE é um projeto da direita xenofóbica e que o triunfo da mesma alimentará o sentimento anti-migração e racista do Reino Unido e Europa. Ambos descartam absterem-se na votação por causa das terríveis conseqüências que traria o Brexit.

A formação Left Unity (Unidade de Esquerda) tenta estabelecer um diálogo com as pessoas que argumentam que, ficar no bloco é a decisão mais progressiva, mas seu ponto fraco seria o embelezamento de um projeto europeísta; batem de frente contra o governo conservador e suas políticas de recortes, mas ao discutir com a esquerda que está por acabar, deixam claro que a vitória do Brexit traria poder e credibilidade para a extrema direita e seu sentimento anti-imigrante.

As posições cruzadas, sobre ficar ou sair, dividiram a esquerda britânica. O referendo apresentava para a esquerda a oportunidade de denunciar conjuntamente e de maneira militante que a questão se trata de uma disputa burguesa e a oportunidade de se negar a tomar partido de um dos lados. Além de tudo, o debate esta dominado inteiramente por ramos burgueses: o de Cameron com o discurso pró-empresarial e neoliberal e o discurso de Farage com uma narrativa populista de direita.

Os jovens descontentes com o establishment que se mobilizaram pela candidatura de Jeremy Corbyn continuam ativos em outros fenômenos políticos; vão aos centros de detenção de imigrantes, trabalham como voluntários em Calais e se mobilizam na luta contra o racismo e pelos direitos dos imigrantes, se pronunciando pela permanência do Reino Unido na UE.

Diante da perspectiva do fortalecimento da ideologia reacionária – no âmbito da ausência de uma campanha que argumenta uma solução independente, a favor dos trabalhadores, do povo pobre, da luta das mulheres, dos direitos dos imigrantes e da comunidade LGBT e trans - a permanência na UE é vista como um mal menor.

Mas é preciso afirmar claramente que essa não é uma alternativa. A luta contra o nacionalismo xenófobo e racista está necessariamente ligada a luta contra a União Europeia do capital, por uma perspectiva internacionalista e de classe.

"Tradução Cassius Vinicius"




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