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Reflexões sobre o frágil regime democrático (para os ricos) brasileiro -Parte 1

domingo 5 de abril de 2015 | 01:50

As manifestações do dia 15 de maio podem marcar uma inflexão na conjuntura da luta de classes que até aqui é caracterizada por um equilíbrio instável e cada vez mais precário. Dilma Roussef enfrenta hoje a maior crise de um governo desde que Collor de Mello sofreu um impeachment já a mais de 20 anos. A crise no governo Dilma ainda não é uma crise no regime democrático brasileiro, forma que dão os patrões, a grande imprensa e a casta política para mascarar sua dominação de classe, pois todos os setores da classe dominante no dia seguinte ao ato (do dia 15 de março) cerraram fileiras contra ações que pudessem desestabilizar ainda mais o já bambeante governo petista e assim pusessem em risco a unidade burguesa necessária para passar os ataques sobre a classe operária e os setores médios da população, medidas essenciais para superar a crise capitalista dentro do ponto de vista da patronal.

Nesse sentido, é cedo para afirmar que a “república nova está morta” como fez o “filosofo” Vladimir Safatle em entrevista recente, com a ingenuidade própria dos intelectuais acadêmicos críticos, mas afastados das lutas reais entre as classes. Em nada esta dado que a classe dominante ira rifar uma forma tão funcional ao exercício de seu poder e agudizar os conflitos num momento onde o que ela mais necessita é a maior estabilidade possível para atacar os trabalhadores.

Essa constatação não exclui, no entanto, que com a maior politização na sociedade de conjunto que geram manifestações dessa magnitude os planos e perspectivas da patronal sejam superados pela realidade. Hoje vemos nos locais de trabalho e estudo, nas ruas, nos ônibus, bares, etc, que existe uma maior politização e que o assunto política é presente em praticamente todas as rodas de conversa.

Isso mostra que se ainda não é uma realidade é possível que num futuro próximo a crise do governo petista se torne uma crise de todo o regime. Basta pensarmos que além da crise política porque passamos, a situação econômica do país se deteriora a níveis cada vez maiores e com maior velocidade (e a crise política contribui muito para que isso aconteça) e existem mais e mais exemplos de que a classe operária e os demais setores oprimidos vão resistir com lutas agudas aos ataques que vem sofrendo. A mistura desses elementos é explosiva para o frágil regime democrático através do qual os ricos sustentam sua dominação.

Refletir sobre o regime democrático brasileiro é essencial dentro dessa conjuntura para que possamos pensar nossos próximos movimentos numa luta que tende a ser cada vez mais encarniçada e profunda. Desde as “diretas já” e a eleição indireta de Tancredo Neves já se passaram mais de 30 anos sendo esse período o de maior vigência de uma democracia burguesa no Brasil (pois seria muito difícil caracterizar a república do café com leite no começo do século XX como democrática, mesmo do ponto de vista capitalista); entender, portanto, as debilidades (maiores) e as fortalezas (menores) desse regime para que os ricos exerçam seu poder é elemento chave para pensarmos nossa estratégia e as táticas na luta entre as classes.

Um regime instável, pois baseado em profundas desigualdades...

O regime democrático sempre foi instável em nosso país desde a república velha, com seus “currais eleitorais” e seus acordos entre as elites paulista e mineira, passando pelos seus quase 20 anos de existência durante a metade do século passado, entre 1945 e 1964, e chegando ao regime que surgiu com a queda da ditadura civil-militar. As grandes desigualdades existentes entre as classes sociais, as desigualdades regionais, raciais, de gênero, e uma longa lista de etc, não são terreno fértil para a existência de um regime que pressupõe uma relativamente ampla unidade da classe dominante e capacidade dessa de exercer hegemonia e responder pelo menos parte das demandas das classes subalternas.

As tensões e conflitos permanentes que são fruto dessas grandes desigualdades existentes no Brasil dão pouca base para os consensos necessários para que a burguesia possa sustentar sua dominação sobre bases “democráticas”. Se uma democracia "estável" na época imperialista tende a ser um privilégio dos países ricos, como caracterizava Trotsky na década de 30, ela é ainda mais difícil num país que tem uma das maiores desigualdades sociais do mundo, como é o caso do Brasil.

O revolucionário russo caracterizava esse regime como um privilégio dos países ricos (imperialistas), pois fruto da exploração que eles exerciam (e exercem) sobre o restante do planeta era possível à classe dominante desses países fazerem concessões relativas a setores da classe operária e da burocracia sindical, o que garantia uma relativa estabilidade e consenso pela cooptação desses setores.

O que explica então a possibilidade desse regime ter se sustentado por 30 anos em nosso país? Dois fatores foram centrais para a maior estabilidade de que gozou o regime democrático burguês no Brasil nos últimos 30 anos: 1) a profunda derrota sofrida pela classe operária internacionalmente na década de 80, com a queda do muro de Berlim e o fim da URSS e de praticamente todos os antigos estados operários, o que retirou o horizonte revolucionário da cultura de nossa classe e de todos os setores oprimidos por um período; 2) a existência de um partido de massas com profunda inserção entre os trabalhadores, mas que desviava toda a explosividade de suas lutas para as vias institucionais, para dentro do regime.

O fim da etapa da restauração burguesa com a consequente volta ao imaginário de nossa classe e do conjunto dos oprimidos da ideia de revolução e a crise porque passa o PT como partido são elementos que certamente debilitam a já frágil democracia burguesa no Brasil.

A corrupção inerente ao capitalismo se agudiza no caso do estado brasileiro...

Todos sabemos que a corrupção não é algo recente, criada pelo governo petista, como tentam nos fazer crer hipocritamente os partidos da oposição burguesa e a mídia ligada a seus interesses. O capitalismo brasileiro não é fruto da ação independente da sociedade civil, como são seus congêneres europeus e estadunidenses, mas expressão da ação direta do estado. O próprio surgimento da propriedade privada, a apropriação da terra, o assassinato da comunidade indígena, a escravização dos negros (processo conhecido como acumulação primitiva) foi fruto direto da ação do estado.

Em todas as fases de seu desenvolvimento o incipiente capitalismo nacional, a germinal classe dominante brasileira, se ligou de forma umbilical ao estado garantindo seus ganhos através não das disputas e conflitos próprios ao mercado (que dentro do capitalismo com seus efeitos contraditórios tem um efeito dinamizador para a economia) mas de negociatas e acordos espúrios.

Isso faz com que até hoje os capitalistas brasileiros sejam extremamente dependentes das benesses do estado e a relação entre os patrões e os diferentes governos sejam mais que fisiológicas, sendo esse fisiologismo parte estrutural da sociedade brasileira.

Frente essa história, muito conhecida pela maioria dos brasileiros, tentar mostrar a corrupção como culpa exclusiva do PT, como tentam fazer a oposição burguesa e a mídia que a apoia, é menosprezar nossa inteligência.

O que devemos criticar agudamente no PT não é o fato de supostamente ele ter criado a corrupção, ou tê-la tornado maior, pois isso seria falso, mas ter mantido nos mesmos patamares anteriores e ter criado novas vias para as negociatas, quando o partido cresceu e foi eleito pela primeira vez para a presidência com Lula em 2002 levantando grandes esperanças nos trabalhadores e setores médios da sociedade com seu discurso de partido ético, que através da vontade política acabaria com a corrupção.

A experiência com esses 12 anos de governo petista é de extrema importância, portanto, para todos os setores oprimidos, pois tem a potencialidade de mostrar que não são com medidas administrativas, com maior ou menor “ética”, com maior ou menor “vontade política”, que se pode acabar com a corrupção, mas apenas transformando as bases materiais de sua existência: a sociedade capitalista e a forma particular que ela assumiu no Brasil.

Continuação: O regime erigido após a queda da ditadura civil-militar de 64




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