×

CRISE ECONÔMICA MUNDIAL | Reflexões sobre a Grécia

A Grécia é um expoente máximo dos efeitos acumulados da crise econômica mundial. Como assinala o editorialista do Financial Times, Martin Wolf, o desemprego alcançou 26% e o PIB se encontra também em 26% abaixo do seu pico anterior à crise de 2008. O gasto da sociedade grega em bens e serviços diminuiu ao menos 40%, cumulativamente. Segundo Paul Krugman a “desvalorização interna” que teve lugar no país heleno como consequência da queda salarial e, por isso, dos custos trabalhistas unitários, alcança 16%.

Paula BachBuenos Aires

quinta-feira 5 de fevereiro de 2015 | 15:12

A Grécia é, em primeiro lugar, junto a Espanha, um dos países da Europa que sofreu mais violentamente a destruição de forças produtivas em seu território. Está entre as principais vítimas das políticas de “austeridade” impulsionadas e defendidas fundamentalmente pela Alemanha. Não é por acaso que o Syriza – em que grandes setores das massas descontentes depositaram suas expectativas – ganhou as eleições gregas nem é por acaso o crescimento das intenções de voto no Podemos no Estado espanhol, frente à queda do PSOE e do PP.

Destruição criativa

Na Europa, e especialmente na Eurozona, vêm chegando tendências deflacionárias que segundo uma análise recente do The Economist, poderiam estar abrindo caminho a uma década perdida ainda pior que a do Japão nos anos 90. O recente QE (plano de flexibilização quantitativa) votado pelo Banco Central Europeu, com a oposição alemã, representa uma tentativa de resistir a este cenário. A efetividade dos planos de estímulo monetário é conhecida. No melhor dos casos são capazes de conter um desbarranque econômico agudo e podem – sob certas condições – alentar recuperações fracas. São impotentes, entretanto, para induzir um crescimento poderoso e reverter as condições críticas estruturais que impedem ciclos mais ou menos vigorosos de acumulação ampliada do capital. A destruição de forças produtivas, pelo contrário, como historicamente afirma – em um lampejo de honestidade burguesa e pouca habilidade política – a ortodoxia neoclássica, é a essência de um sistema que para reviver precisa destruir o construído – destruição criativa, chamou Schumpeter. O problema, claro, é que esta “maravilha” da criação consiste fundamentalmente na formação de grandes exércitos industriais de reserva e massas miseráveis, termina produzindo – no melhor dos casos para o capital – “grécias” e talvez “espanhas”.

A cauda do diabo

Se a combinação do QE na Eurozona e a destruição –fundamentalmente nos países do sul da Europa – será capaz, junto às renovadas políticas de estímulo monetário no Japão e um eventual atraso do incremento das taxas de juros nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, de gerar algum tipo de recuperação conjuntural na Europa – incógnita colocada nas tendências da crise em debate –, está por ver-se. Aqui interessa uma reflexão mais profunda. É conhecida a simpatia de França, Itália e Espanha pelos Estados Unidos. Já o “Super Mário” – como chamam o presidente do BCE, Mario Draghi – havia prometido na conferência de Bancos Centrais em Jackson Hole – do outro lado do Atlântico e frente os olhares complacentes de seus colegas estadunidenses – um possível plano monetário à norteamericana, se isso fosse necessário.

O QE ao qual a Alemanha se opôs, ainda que, provavelmente por medo das consequências de não implementá-lo, deixou passar, parece um ponto que marcam os Estados Unidos na sua influência sobre a região. As dificuldades econômicas para o dólar que se depreendem da consequente desvalorização do euro, poderiam ser menores que o risco de uma deflação aberta na Europa. Mas a tentativa de ingerência norteamericana parece estar sendo jogada numa partida dupla. A campanha praticamente aberta da imprensa anglo-saxã, The Economist, Financial Times, The New York Times, The Washington Post, pressionando a Alemanha pela “esquerda” e Tsipras pela direita, parece uma carta importante.

Anglo-saxões

Chama a atenção o discurso editorial particularmente unificado, incluindo colunistas como Martin Wolf. Como dizem bem Josefina Martínez e Diego Lotito aqui, a política de cancelamento da dívida combinada com reformas estruturais vem sendo promovida há tempos desde o lado norteamericano. No entanto, desta vez parecia tratar-se de uma aposta mais forte para dobrar politicamente a Alemanha. Em primeiro lugar, brandindo Tsipras como uma espécie de “homem-bomba”, e obrigando-o, por sua vez, a girar ainda mais à direita (questão que por agora parece bastante simples), colocando a Grécia como uma espada de Dâmocles pendurada sobre o futuro da Eurozona e da União Europeia, se é que a Alemanha não cede (o que, é claro, não deixa de ser parte da realidade). Esperam que se a pressão sobre a Alemanha tiver efeito, Tsipras, nas palavras do semanário inglês The Economist, “jogue no lixo seu socialismo maluco e se atenha às reformas estruturais em troca de um perdão da dívida”. Convém lembrar que o “socialismo maluco” de Tsipras consiste, também nas palavras do The Economist, em “seus planos de voltar a contratar 12.000 trabalhadores do setor público, abandonar a privatização e introduzir um grande incremento no salário mínimo”.

Esta “loucura delirante” frente a um desemprego, na Grécia, semelhante ao que nos anos 30 o Estado norteamericano respondeu com o New Deal, teria como consequência, sempre nas palavras do semanário, “desfazer conquistas adquiridas pela Grécia no terreno da competitividade”… E isso permite suspeitar de uma aposta maior dos Estados Unidos e do arco anglo-saxão na Grécia. Se terminando de disciplinar Tsipras e dobrando a Alemanha, se conseguisse uma comunhão do QE com a destruição de forças produtivas ali reinante, a Grécia poderia – em virtude do extraordinário aumento do benefício conseguido em termos relativos a outros países – iniciar um ciclo de recuperação econômica, que estaria baseada, é claro, na desvalorização interna de que fala Krugman.

É que a “decolagem da economia grega” que parece estar buscando o arco anglo-saxão (casa matriz do neoliberalismo), é na realidade uma decolagem dos lucros capitalistas. Esta decolagem se basearia logicamente em custos trabalhistas rebaixados em 16% e muito mais que isso porque seu preço de mercado está sujeito a um exército de desempregados equivalente a 26% da população grega. Além disso os capitais externos poderão aproveitar as privatizações em uma Grécia totalmente desvalorizada. Um negócio redondo. Aí sim, a chave é aproveitar os ganhos de “competitividade” obtidos que não se conseguem tão facilmente. Vale mencionar também que o The Economist considera que se tem que tratar a Grécia como um país africano em bancarrota.

Syriza

A partir de sua aliança com o partido nacionalista da direita xenófoba, Gregos Independentes, e a nomeação do principal dirigente deste partido no Ministério de Defesa, o Syriza enviou múltiplas mensagens. Entre as quais, para implementar um programa cada vez mais mergulhado em desvalorização progressiva, não tem intenção – reafirmando algo que já estava bastante claro – de apoiar-se na mobilização do movimento operário e de massas. A segunda é um limite à sua obediência à União Europeia. O primeiro aspecto fortalece as ilusões da frente anglo-saxã de fazer do Syriza um instrumento seu, buscando transformar a Grécia em um exemplo da possível recomposição da convivência entre a “democracia” e os “mercados”.

O segundo aspecto que abre a incógnita de um eventual giro da Grécia em direção à Rússia e até onde poderia chegar, por agora é só isso, uma incógnita. O que é certo é que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha a estão utilizando como outro instrumento de pressão sobre a Alemanha, cuja aliança com a Rússia ficou fortemente golpeada a partir da anexação da Crimeia e a continuidade do conflito sobre o futuro da Ucrânia. Nada está dito ainda. A utilização da Grécia como cenário para medir relações de força interimperialistas, poderia inclusive colocar mais lenha na fogueira de uma situação crítica. As forças dos trabalhadores e dos setores pobres e oprimidos da Grécia estão íntegras. No próximo período farão sua experiência com este novo governo como parte de um processo que recém começa.




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias