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ENTREGADORES | Quem são os entregadores de aplicativo em São Paulo?

Recentemente saíram pesquisas buscando mapear o perfil destes trabalhadores e o que os levou a opção por essa profissão, que é hoje tão precarizada no país.

quarta-feira 17 de junho de 2020 | Edição do dia

Tornou-se corriqueiro ver pelas ruas de São Paulo motoqueiros e ciclistas carregando suas bags de aplicativos de entrega como Rappi e iFood. Em 2019, os aplicativos já eram os maiores empregadores do Brasil, com 3,8 milhões de pessoas vivendo do trabalho nessas plataformas, mesmo não sendo reconhecidos como empregados. Somente na capital paulista, em abril do ano passado, já eram mais de 30 mil ciclistas entregadores de aplicativo, número que vem crescendo neste ano com a pandemia, a crise econômica e o desemprego.

É importante notar, primeiramente, que este é um setor que está em constante mudança. Segundo pesquisa conduzida por Ludmila Costhek Abílio, na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), em 2014 os motoboys eram majoritariamente funcionários de empresas terceirizadas contratadas por outras empresas, ou diretamente funcionários de pequenos estabelecimentos, de modo que, ainda que precarizados pela terceirização, possuíam ao menos uma relação trabalhista determinada. Mesmo assim, sua remuneração em geral consistia de um valor fixo, que costumava ser o piso salarial da categoria, mais uma remuneração por peça entregue. 32% deles tinham menos de 30 anos, 50% trabalhavam mais de dez horas por dia, e 70% ganhavam até 2 mil reais por mês.

Em 2019, viu-se uma transição grande para aplicativos de entrega, como a Loggi, que extinguiu as relações trabalhistas, precarizou mais a condições de trabalho e se viu um aumento dos entregadores jovens. Um exemplo desta precarização é a categoria de “Loggi Start”, onde se flexibilizam as regulamentações necessárias para os motoboys por até um ano, mas em troca a remuneração para eles é menor do que a dos motoboys “regularizados”.[1]

Em relação aos entregadores que usam bicicletas, os chamados bike boys, a Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike) fez uma pesquisa, através da entrevista de diversos deles pela cidade de São Paulo, para traçar um perfil destes trabalhadores. Ele traça um perfil médio deles.[2]

São jovens, negros, que moram na periferia, que vem do desemprego, trabalham entre 9 e 10 horas por dia, 7 dias por semana, para ganhar menos de um salário mínimo por mês. Esses dados por si já mostram o nível de exploração a que estão sujeitos, mas se olharmos os dados podemos ver como pode ser ainda pior em alguns casos.

Um exemplo é o direito básico de receber seus instrumentos de trabalho e de receber benefícios como vale-transporte. Os entregadores gastam, em média, R$ 67 reais por mês com manutenção ou aluguel de bicicleta, e 35% por cento deles usam outros meios que não só suas bicicletas para chegar a seus locais de trabalho, em geral ônibus ou metrô. Além disso, dois terços tiveram que comprar a mochila térmica, 59% tiveram que trocar seu plano de internet e 30% que comprar um celular novo para poder trabalhar.

As horas trabalhadas também excedem, em muito, as 8h diárias previstas na CLT, inclusive por que passam parte do dia esperando entregas, e não recebem por essas horas de espera. 57% deles trabalham 7 dias por semana, sem um dia sequer de descanso. Na média, trabalham pouco mais de 9h por dia. No entanto, 54% dos trabalhadores ficam pelo menos 10h a disposição dos aplicativos, e 27% ficam pelo menos 12h. Pedalam, em média, 40km por dia, mas 30% pedalam mais de 50km, o que faz com o que o cansaço seja uma das reclamações dos entregadores.

Os problemas e as reclamações dos entregadores são diversos. A principal reclamação é o tempo perdido entre as chamadas, e outros pontos citados são o baixo preço do frete e as longas esperas nos restaurantes. As reivindicações mais citadas foram locais de apoio com água, banheiro, tomada e oficina para suas bicicletas, seguro de invalidez para quando não puderem trabalhar, seguro para as bicicletas, maior frete e salário. A questão das baixas taxas de entrega, e da reivindicação do salário fixo, são muito importantes quando se vê que esses trabalhadores ganham, em média, R$ 936 por mês, menos de um salário mínimo.

Como já falamos aqui o avanço deste tipo de trabalho está profundamente ligado ao avanço da crise econômica e do desemprego. É durante um período de desemprego alto e ataque aos direitos que estes serviços crescem, e voltam a crescer agora. Os números das pesquisas são de 2019, mas neste ano, com quarentena e aumento do desemprego se vê novos picos de cadastros de entregadores no iFood e no Rappi.

Demonstrando isso, 59% dos bike boys assumiram esta profissão porque estavam desempregados, e para 26% era o primeiro emprego. 87% deles trabalhavam neste serviço há menos de 1 ano. 50% deles têm até 22 anos, e 71% são negros. Jovens e negros são os setores mais atingidos pelo desemprego.

Vemos também como esse fenômeno da precarização do trabalho está imbricado com o racismo. A grande maioria destes trabalhadores são negros, e em suas preocupações vemos o medo de ser roubado, o que os deixaria sem condições de trabalhar, mas junto a isso o medo de ser confundido com bandidos, explicitando o racismo que sofrem cotidianamente. Na manifestação que fizeram na Avenida Paulista, denunciaram que muitas vezes eram impedidos de usar os banheiros dos estabelecimentos nos quais iam buscar produtos para entregar apenas por serem negros.

Quando vemos todas estas condições brutais de trabalho, é ainda mais importante o movimento destes trabalhadores, que se levantam em defesa de seus próprios direitos mas também se unificam com as lutas da classe trabalhadora como um todo. A manifestação na Avenida Paulista foi um passo muito importante, assim como a presença de diversos entregadores na manifestação antifascista e anti-racista do dia 7/6 no Largo da Batata.

A paralisação nacional marcada para o dia 1/7 deve ser construída com toda a força, para enfrentar essas condições de trabalho precárias e estas empresas que escravizam os trabalhadores. Na Argentina, o coletivo La Red de Precarizados/as organizou manifestações de trabalhadores de aplicativos e de outros setores precários em diversas cidades pelo país, simultâneamente, no mês de maio. É um importante exemplo a ser estudado e replicado no Brasil.

Saiba mais: Entregadores de app convocam paralisação nacional para o dia 01 de Julho!


[1] Ludmila Costhek Abílio. Uberização: do empreendedorismo para o autogerenciamento subordinado. Disponível em: https://scielo.conicyt.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0718-69242019000300041

[2] Pesquisa de perfil dos entregadores ciclistas de aplicativos. Aliança Bike. Disponível em: http://aliancabike.org.br/wp-content/uploads/2020/04/Apresentac%CC%A7a%CC%83o-entregadores.pdf




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