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Os próprios entregadores é que devem decidir cada passo de sua luta. Há um amplo debate dentro do movimento de entregadores de aplicativo sobre quais os representantes destes trabalhadores. Seriam os sindicatos de motoboys? As associações de autônomos? Os entregadores antifascistas? Alguns entregadores que se tornaram figuras regionais? Parlamentares que estão fazendo projetos de leis? Rodrigo Maia? Mais que nunca é preciso um debate sobre a necessidade de assembleias e independência de classe.

Marcello Pablito Trabalhador da USP e membro da Secretaria de Negras, Negros e Combate ao Racismo do Sintusp.

Bianca Rozalia JuniusEquipe do podcast Peão 4.0 e militante do MRT

terça-feira 21 de julho de 2020 | Edição do dia

Imagem: Isanelle Nascimento

Como viemos discutindo aqui, a onda “antifascista” e “antiracista” que tomou nosso país semanas atrás tem ligação direta com os movimentos internacionais, a partir da revolta negra nos EUA, e isso teve sua expressão entre os entregadores também (que são maioria negros), com o aparecimento dos “entregadores antifascistas”. A repercussão, inclusive midiática, que o grupo ganhou é parte dessa onda pelas vidas negras importam e ajudou a fazer o movimento ganhar mais força, tendo amplo apoio da população, que não fez pedidos no dia, fez avaliações negativas nos apps e ainda colocou o #BrequeDosApps nos assuntos mais comentados do Twitter.

Há outros setores de entregadores que têm atuado neste movimento, e que vinham também organizando outras paralisações anteriormente: além de algumas lideranças regionais, há uma série de associações de autônomos em todo o Brasil, com diferentes posicionamentos e visões políticas. E há ainda sindicatos, como o Sindimoto de São Paulo, dirigido pela UGT, articulado com uma série de vereadores. Entraram em cena a partir do dia 1 também vários de parlamentares, com diversos projetos de lei, buscando responder à enorme força que milhares de entregadores de aplicativo mostraram nas ruas.

Entre estes projetos, há alguns apoiados pelo PSOL, que inclusive foi parte de organizar uma reunião com Rodrigo Maia (presidente da câmara dos deputados) e algumas figuras regionais de entregadores, na qual foram apresentadas as pautas do movimento. Por um lado, a reunião ocorrida dias atrás é expressão de que a força do movimento dos entregadores já está fazendo tremer agentes do regime político como Maia, que estão sendo obrigados a se debruçar sobre esse tema. Por outro lado, deve nos acender um importante alerta, uma vez que Maia foi exatamente o articulador dos últimos principais ataques aos trabalhadores, como a reforma trabalhista (que aumentou enormemente o número de subempregados no Brasil) e a reforma da previdência.

É claro que é preciso tentar ao máximo arrancar alguma coisa desse espaço, mas sem nenhuma ilusão: o único motivo pelo qual este senhor, que já afirmou tempos atrás que “justiça do trabalho não deveria nem existir”, se presta ao papel de dar alguma satisfação aos entregadores, é por pura e simples vontade de dar um basta neste movimento, antes que ele se torne perigoso demais para os governos e para as empresas. Nenhum passo atrás pode ser dado então na mobilização dos entregadores, é preciso manter de pé a próxima paralisação dia 25, e avançar ainda mais na organização do movimento, submetendo qualquer decisão tomada nessas reuniões à avaliação dos entregadores, através de assembleias de base, como vamos discutir neste texto.

Outro alerta diz sobre o próprio projeto de lei (PL 1665/2020) apoiado pelos deputados do PSOL (Ivan Valente, Luiza Erundina, Marcelo Freixo, Fernanda Melchionna, David Miranda, Sâmia Bomfim e outros). O projeto traz importantes medidas frente à pandemia, como fornecimento de álcool gel e licença remunerada. Entretanto o texto é vago quanto ao valor que deve ser pago nesta licença, além de dar abertura para que várias das medidas dispostas na lei só valham até o fim da crise sanitária. E o mais preocupante é que ele não abarca as pautas principais do movimento (contra bloqueios e aumento das taxas), algo que seria essencial ser contemplado.

Nesta última semana, Fernanda Melchiona, do PSOL, solicitou ser incorporada como coautora de um outro projeto (PL 3748/2020), de Tábata Amaral (PDT), que dispõe sobre um marco legal para o já precário trabalho por demanda, no sentido de se respaldar na via jurídica oficialmente para atacar frontalmente as condições de vida não só dos entregadores, mas também de batalhões de motoristas e outros setores que vêm surgindo e crescendo com as plataformas digitais e aplicativos.

Por um lado o projeto institui algumas concessões, como licença-maternidade; afastamento remunerado em caso de incapacidade por doença ou acidente de trabalho; remuneração referente a repouso semanal; remuneração referente a férias com adicional de 1/3 e 13º salário calculados de forma proporcional. Por outro, como afirma um procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT), há uma pegadinha no sistema de remuneração da proposta: "O salário é contabilizado apenas pelo tempo de trabalho efetivamente prestado. Ou seja, todo o tempo em que a pessoa está ligada no aplicativo, esperando uma corrida, não é considerado. O PL está na verdade mantendo o sistema, apesar de conceder alguns parcos direitos", avalia.

O projeto cria assim um “direito rebaixado” para os entregadores, os colocando em uma nova categoria que não é “nem CLT, nem autônomo”. Esse projeto é tão desfavorável aos trabalhadores e favorável às empresas que até o advogado da uber (Estevão Mallet) já afirmou que o vê com bons olhos. Ou seja, é uma proposta que ajuda as empresas a legalizar a ultra exploração, que se expressa na uberização, com algumas maquiagens de que estão se preocupando com os direitos dos trabalhadores, enquanto protegem seus lucros. A própria Tábata Amaral foi criada e é apoiada por ninguém menos que a Fundação Lehmann, este gigante monopólio privatista que não por acaso investiu milhões na Ifood há poucos anos atrás, o que já ajuda a ver quais os interesses por trás dessa proposta.

Quem tem medo de assembleia?

Pelo que temos visto, o Sindimoto de SP tem, e muito, medo de que os entregadores se organizem e percebam que a direção desta entidade não está nem aí para suas demandas. Esse sindicato tem se colocado contra esse tipo de articulação nacional e buscado a justiça do trabalho, no TRT de São Paulo, para que seja reconhecido como verdadeiro representante dos entregadores de app, e inclusive a reunião marcada no último dia 14 (que não ocorreu por problemas de internet) com as empresas de aplicativos contava com esta entidade enquanto representativa do movimento. Apesar de ter sido colocado no TRT como representante dos entregadores, a atuação deste sindicato tem sido absolutamente contrária ao movimento.

Em vez de cumprir o importante papel que todo sindicato deveria cumprir, organizando os entregadores pela base, a partir de realizar assembleias, nas quais todos possam se colocar e opinar sobre os rumos desta luta, as pautas, votar quem serão os representantes em negociações etc., o sindicato tem feito o completo oposto disso: boicotou a votação que foi feita via internet, que chamava uma nova paralisação dia 12; chamou uma paralisação dia 14 em separado do resto do movimento nacional (que foi um fracasso); e demorou dias para declarar apoio ao breque do dia 25 de julho, e até agora não o está construindo efetivamente. Ou seja, dividiram e traíram essa luta.

Além disso, quando algum setor do movimento se declara abertamente de esquerda e contra o Bolsonaro (como fazem os entregadores antifascistas), declaram-se contra e dizem que o movimento deve ser “apolítico”. Mas quando se trata de fortalecer e fazer campanha para vereadores de direita que são seus aliados, aí sim são favoráveis a “envolver política”. Dizem que não se deve fazer política, mas ele próprios em anos anteriores apoiaram o governador de São Paulo João Doria, e têm o seu ex-presidente, o Gil, candidato a vereador do PSD e que votou a favor da reforma trabalhista. Ou seja, os únicos que não podem fazer política para eles são os próprios entregadores.

Há outros setores no movimento, dentre aquelas lideranças regionais citadas ao início (alguns destes apoiados por páginas como Treta no Trampo), se colocando contrários ao sindicato. Entretanto igualmente não criam nenhuma alternativa contra essa burocracia, como por exemplo seriam estes espaços de discussão e autoorganização das assembleias. Por essa via acabam também corroborando com o impasse organizativo em que se encontra o movimento.

Os entregadores têm direito a que?}}

Nenhum dos projetos discutidos contemplam plenamente as pautas que estão sendo reivindicadas, que dirá todos os direitos que deveriam ser garantidos aos entregadores. Podem servir, assim, apenas para desmobilizar e canalizar essa luta pra uma via puramente institucional.

A força desse movimento poderia inclusive ir muito além até mesmo dessas 6 pautas, afinal os exorbitantes lucros dessas empresas com certeza pagariam por muito mais que isso. Mas as empresas têm o descaramento de dizer que seria impossível garantir todos os direitos aos entregadores. Por que não se determina então a abertura das planilhas de contabilidade da Ifood, Uber, Loggi etc. para que mostrem a suposta “incapacidade” de garantirem não só essas melhorias, mas sim todos os direitos que os trabalhadores precisam ter assegurados?

Os entregadores já têm que arcar com os mesmos deveres de qualquer trabalhador contratado CLT: têm que trabalhar muitas horas por dia, estão sujeitos a bloqueios e desligamentos (uma forma de demissão mascarada)... Podem não ter um “chefe”, mas têm um algoritmo e uma pontuação, uma série de “níveis”, que caso não cumpram com o que o app dispõe, ou caso não trabalhem nos horários que o aplicativo quer, são rebaixados, recebem piores corridas, isso quando as recebem! É, portanto, mentira o que dizem sobre os entregadores serem “empreendedores”, sobre serem “seu próprio patrão”.

É por isso que os entregadores não merecem um “direito rebaixado”, mas sim direitos iguais aos de qualquer trabalhador CLT, não só com férias e descanso remunerado, licença saúde e maternidade, mas com todos os direitos. E inclusive pensar o que, para além do já previsto na CLT, precisaria-se refletir de específico para esta categoria. Como por exemplo que a remuneração se dê por hora de trabalho, desde o momento em que o entregador liga o aplicativo. Que tenham direito a um piso mínimo salarial pelo cálculo do dieese, e o adicional a cada hora; que recebam uma comissão por metro de distância percorrido; que recebam adicional de periculosidade etc.

Além disso, centenas de trabalhadores entraram nesta profissão acreditando na promessa dos aplicativos de que poderiam organizar sua própria jornada, e atualmente não é o que acontece. São obrigados a trabalhar nos horários que os apps querem, e ganhar o que os apps acham que devem ganhar, que é uma miséria. Isso também deve ser contemplado, devem ser os trabalhadores a decidirem seu horário de trabalho.

Uma outra questão bastante discutida desde o início das mobilizações é o fato de carregarem comida com fome. Em uma profissão com alto risco de periculosidade, sujeita a acidentes a qualquer momento, e ainda mais agora em meio à pandemia, isso deveria ser inadmissível. Há inclusive um abaixo-assinado com quase 400 mil assinaturas exigindo que as empresas arquem com isso, por que isso não deve ser contemplado?. Os trabalhadores devem exigir de volta cada direito que lhe foi arrancado, não só no Brasil, mas em todos os países do mundo. E é isso que vemos acontecer, cada vez mais entregadores em todo mundo se levantando e mostrando para estas empresas que não tem para onde correrem: os trabalhadores não vai mais aceitar esse tipo de exploração.

É preciso brecar tudo dia 25 e que os entregadores tomem as rédeas do movimento!

“É preciso escutar os trabalhadores, (...) quem decide é a assembleia, nós advogados vamos fazer o que a assembleia diz. Vocês decidem que passos dar, nós vamos tratar de representar de forma legal essa decisão que vocês tiveram”, diz Myriam Bregman, parlamentar que é parte do esquerda diário argentino e que atua em conjunto com o La Red de Precarizadxs daquele país->https://www.youtube.com/watch?v=GM-kQAmMEEM]. É neste sentido que precisa atuar a esquerda, como o PSOL, fomentando os espaços de democracia do movimento e batalhando para fazer valer as suas decisões.

É por isso que discutimos com este partido de que é preciso que rompa com sua política de frente ampla com setores como Maia e Tábata Amaral, que defendem que os entregadores tenham “direitos rebaixados”, como se fossem trabalhadores de segunda categoria. É necessário que PSOL e seus deputados tenham uma postura de, em qualquer negociação, não aceitarem nada menos do que o que os entregadores decidirem, e para isso façam parte da exigência para que os sindicatos, associações e etc. chamem assembleias para organizar os entregadores, para que eles discutam e decidam. E que coloquem toda sua força para a construção do breque do dia 25!

Os entregadores precisam mostrar novamente que sem eles os aplicativos não são nada, brecando tudo neste próximo dia 25. Essa luta precisa seguir até que arranquem suas pautas. Para isso, seria muito importante, em todos os lugares onde vão acontecer as mobilizações, reunir os entregadores ao final do ato para discutirem, em assembleias, e começarem a se organizar pela base pra tomar em suas mãos o rumo do movimento. E que se discuta um plano de luta que impeça essa divisão que se deu, para impor mobilizações ainda mais fortes!

Uma só luta por plenos direitos!

Aceitar a política de setores como PDT e MDB, que se colocam como suposta “oposição democrática” a Bolsonaro, é uma armadilha que faz cair na mesma chantagem de ter que escolher entre emprego ou direitos, como diz Bolsonaro, e não pode ser assim. É por isso que concordamos com a posição com os entregadores que dizem Fora Bolsonaro, e que acham que esse governo também deve ser responsabilizado pela situação em que se encontram os entregadores, inclusive o próprio Bolsonaro já deixou claro que não está ao lado dos entregadores: já negou auxílio emergencial para todo um setor e já negou inclusive a MP 979 que aumentaria as taxas das corridas. Mas também achamos que a possibilidade de um impeachment é equivocada porque coloca um militar defensor da ditadura no poder, por isso também dizemos Fora Mourão e militares, além de não termos nenhuma ilusão de que uma “oposição” como a de Maia ou do judiciário como o STF poderá ser uma saída.

É preciso ir além, e não querer mudar apenas os jogadores, mas sim as regras do jogo. As leis que existem hoje (e os direitos cada vez mais carcomidos por reformas trabalhistas) não devem ser um limitante para os objetivos dos trabalhadores. Como neste caso dos entregadores, organizar assembleias, em cada região, para votarem representantes e votarem suas demandas é essencial para decidirem quais leis servem para suas necessidades. É preciso que os trabalhadores imponham suas próprias regras.

Queremos isso não só para os entregadores, mas para toda a classe trabalhadora. É por isso que defendemos construir uma forte luta unificada de todas as categorias, para mudar as regras do jogo desse sistema político: os trabalhadores precisam refazer todas as leis que estão aí para nos atacar, a partir de uma nova Constituição a favor do povo e pra fazer que a crise econômica seja paga pelos empresários. Uma nova constituinte na qual, com a força da mobilização, batalhemos pela revogação das MPs que reduzem salários e da reforma trabalhista, pela proibição das demissões e pela divisão de horas de trabalho para todos aqueles que precisam trabalhar sejam empregados, sem que haja diminuição dos salários. Contra esse governo e contra a precariedade destes aplicativos de exploração é preciso lutar para criar uma alternativa dos trabalhadores de conjunto, deixando claro que não aceitaremos mais que nossas vidas valham menos que o lucro deles.




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