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SURREALISMO E TROTSKISMO | Quem jantou Benjamin Péret?

A dieta reacionária de boa parte do mercado editorial bane do horizonte poético os escritos mais transgressores. Não é aquela transgressão calculada, em que o desejo sexual humilhado e as taras pequeno burguesas arrastam-se em versinhos narcisistas. É o desejo plasmado em letras selvagens, é a rebelião poética, que na reivindicação por um outro principio de realidade exige do poeta a sua entrega total à Revolução socialista.

domingo 30 de agosto de 2015 | 16:23

Benjamin Péret, a um só tempo surrealista e comunista, fez da própria vida a prova de que poeta e revolucionário são sinônimos. A dificuldade de encontrar livros e informações sobre a sua vida não pode ser um obstáculo para deixarmos de investigar suas ideias, suas práticas (felizmente existem pesquisadores brasileiros que, mesmo em número reduzido, debruçam-se sobre o legado de Péret).

Benjamin Péret, poeta francês que considerava a ideia de pátria uma traição, está inscrito sem pompas e com letras de fogo na História do Brasil. Entre as 2 passagens do poeta pelo país, a primeira entre 1929-31 e a segunda entre 1955-56 (sendo que em ambas Péret foi em cana devido às suas convicções políticas revolucionárias), existe uma fartura de informações que nos inspiram a refletir sobre a sua importância no processo de radicalização do modernismo brasileiro e nos primeiros passos do trotskismo no Brasil. Da sua primeira estadia, em especial, podemos extrair uma conduta revolucionária que ainda é um desafio para a esquerda brasileira (são inúmeros os fatos progressistas que cercam as atividades de Péret no nosso país, cabendo destacar por exemplo estudos históricos sobre a cultura afro realizados pelo poeta).

Não tenham dúvida que Péret exerceu uma influência considerável para que o movimento antropofágico desse um passo à esquerda, intensificando a contestação da “estética canibal” contra os valores da classe dominante. Lembremo-nos que Péret e sua companheira, a cantora brasileira Elsie Houston, eram muito libertários, muito bichos soltos para os padrões bem comportados da nossa “provinciana vanguarda”: em 1929/30 o casal foi motivo de escândalos. Péret, desbocado e anticlerical da cabeça aos pés, nome emblemático do movimento surrealista parisiense e comunista que não aceitava cabresto, amedrontou intelectuais como Mário de Andrade e Drummond. Já no campo da militância política revolucionária, Péret foi ponta firme na construção da Oposição Internacional de Esquerda no Brasil: ao lado de gente do calibre de Mário Pedrosa, Lívio Xavier e Aristides Lobo, Péret ajudou a circular concepções políticas e culturais que sob o ponto de vista intelectual faziam os stalinistas comerem poeira.

É triste constatar que, mesmo entre vários militantes de esquerda, não se sabe muita coisa sobre a vida-obra de Péret. Se alguns antropófagos modernistas beneficiaram-se com modestas dentadas na poesia de Péret, a verdade é que o poeta trouxe uma grande indigestão para a nossa intelectualidade. Tendo sido verdadeiramente poeta, ele não estava nem aí para a literatura e para a ideia de uma “carreira literária". Sua poética, registrada, por exemplo, em versos, era parte integrante de uma ação transformadora do ser: Péret combateu a ideia de poesia como evasão e a defendeu como sendo a própria realidade. Não é a realidade das aparências, permitida pela ordem capitalista. A poesia em Péret, erguida a partir do surrealismo, é a exaltação da realidade em seus aspectos ocultados, em suas imagens que invalidam o gosto e as normas estabelecidas.

A substância revolucionária da poesia não está, em Péret, nos limites do gênero literário: Benjamin Péret ao longo da sua trajetória intelectual concebeu a escrita enquanto desconstrução dos padrões literários. Um modo de expressão altamente revolucionário e livre de supostos constrangimentos morais e estéticos, aplica-se na utilização da palavra em estado bruto, sem retoques e sem maquiagens verbais. O sonho e o delírio seriam aspectos essenciais da realidade humana e que, portanto, se fazem ouvir no plano do texto. Politicamente falando, o papel que o poeta ocupa na sociedade contemporânea é, para Péret, o de se opor aos interditos da civilização capitalista: a blasfêmia, o ódio contra as formas de opressão e a busca por novos e indomáveis meios de expressão seriam para ele elementos da poesia em seu sentido revolucionário.

Se temos como objetivo intensificar as nossas práticas culturais revolucionárias, então precisamos, 85 anos depois, trazer Benjamin Péret para o jantar...




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