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INCÊNDIO NO NINHO DO URUBU | Quantos meninos mais morrerão em nome do lucro no futebol?

Em nome do lucro no futebol, meninos pobres têm seus sonhos explorados e sofrem abusos sexuais. É preciso pensar relações anticapitalistas, não só no futebol, mas em todos os esportes, como forma de impedir que essa crueldade continue.

segunda-feira 11 de fevereiro de 2019 | Edição do dia

A manhã de sexta-feira, dia 8 de fevereiro, acordou com a triste notícia sobre o incêndio no Ninho do Urubu, o Centro de Treinamento do Flamengo, em Vargem Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro. O incêndio, causado por um curto-circuito na rede elétrica do ar condicionado, já precária e afetada pelo temporal do dia 6 de fevereiro, deixou 10 mortos e três feridos, todos jovens, entre 14 e 17 anos, que tinham em comum o sonho de serem jogadores de futebol.

O que, a princípio, poderia parecer apenas uma fatalidade, com a qual ninguém poderia prever ou reverter o caso, foi mostrando a sua face mais cruel e destruidora. Em nota, a Prefeitura do Rio de Janeiro já se prontificou em esclarecer que o CT do Ninho do Urubu foi interditado no ano de 2017, recebeu 31 autos de infração e pagou apenas 10 e não tinha laudo dos bombeiros para funcionamento. No local onde ficavam os contêineres que serviam de alojamento, havia apenas licença para o funcionamento de um estacionamento, sem pedidos protocolados para a construção de alojamentos. Na mesma nota, a Prefeitura afirma que os centros de treinamentos do Vasco e do Fluminense, também não têm alvará de funcionamento.

O que a nota da Prefeitura de Crivella não explica é porque, mesmo após a interdição, em 2017, o Ninho do Urubu continuou a funcionar e porque não foi exigida a vistoria, tanto do Corpo de Bombeiros, como do Ministério do Trabalho e do Conselho Tutelar, considerando que aqueles meninos eram menores de idade, muitos deles vivendo longe de suas famílias, em condições nada adequadas a jovens, trabalhadores, esportistas. O que há por hora é a criação de uma força tarefa do MPT-RJ para investigar o caso junto a polícia civil e a possibilidade de um bloqueio das contas do clube para pagar indenizações as famílias.

Nas redes sociais, surgiram muitos depoimentos de apoio aos familiares, inclusive dos outros clubes, mas também apoio ao clube Flamengo de futebol e regatas, principal responsável por esse crime. Ainda que o mais cruel, tenha sido os casos de racismo e escárnio com a tragédia destas famílias.

Casos denunciados

A exploração nas categorias de base do futebol não é tema novo. Em 2012, a Portuguesa Santista, time do litoral paulista, foi condenada pela Justiça, pelas condições precárias em que mantinham os jovens dentro do CT: sem condições de higiene, sem comida e dividindo colchonetes.

Não só exploração e precarização do trabalho acontecem, mas casos de abuso sexual são “comuns”. Um exemplo é o caso do clube Santos, time que revelou Pelé, Neymar, Ganso, entre outros tantos craques, conhecidos como “os meninos da vila”. Um menino que aos 11 anos foi do interior do Pará para São Paulo, vindo de uma família de 13 filhos, atrás do sonho de jogar em um dos times mais tradicionais do Brasil, teria sofrido abuso em 2010, mas a denúncia foi feita em 2017, de um dirigente do clube, Ricardo Marco Crivelli, o Lica. O jovem também acusou Ronildo Borges de Souza, conhecido como Batata, olheiro que levava atletas do Norte do país para São Paulo, com quem ele morou por um período e foi preso em 2016 em um casebre onde abrigava 11 adolescentes e condenado por estelionato, exploração sexual e cárcere privado. Em fevereiro de 2018, vários jogadores famosos lançaram uma campanha #chegadeabuso, contra esse crime no meio do futebol.

O ex- goleiro Alê Montrimas lançou em 2014 o livro “Futebol: sonho ou ilusão”, no qual afirma categoricamente que os abusos sexuais são muito comuns em todos os clubes e que a CBF nunca fez nada a respeito, mesmo com denúncias.

O caso só reforça o quanto são absurdas e perigosas as mentiras e teses moralistas da ala ideológica do governo Bolsonaro no discurso da ministra da “moralidade” Damares Alves e do ministro da educação Ricardo Vélez Rodrígues, colombiano. Se preocupam em tentar afirmarem a ideologia de gênero, mentiras sobre doutrinação marxista e sexual, defenderem o projeto “escola sem partido”, e o combate ao comunismo nas escolas, entre outras coisas, diante de tantos casos de abusos e violências contra crianças e adolescentes por todo o país em vários espaços, não só no futebol. Querem legitimar e legalizar essas relações de abuso e opressão, pois são fundamentais para a manutenção da exploração e lucro de setores apoiadores do governo reacionário.

A exploração e os abusos acontecem e dificilmente são descobertos, pois, não há fiscalização e interesse nisso e os jogadores, ainda adolescentes, são encantados e muitas vezes enganados com a promessa de vestirem a camisa de seu time do coração; de terem a aclamação de grandes torcidas; com a garantia de um emprego, talvez milionário; e a mudança de vida da família inteira, já que a grande maioria desses meninos, escolhidos pelos “olheiros”, são os filhos da classe trabalhadora.

Responsabilização pelas mortes

Portanto, não é razoável que o Flamengo, nem os outros times, que fazem contratações milionárias, usem os jovens das categorias de base apenas como uma mercadoria descartável, a fim de atingir uma valorização especulativa do “passe” para a vendas futuras. Não se pode continuar a banalizar e a explorar a vida – o que, nessa semana, foi fatal para 10 meninos –, destruindo os sonhos e o futuro deles, geralmente negros, da classe trabalhadora.

Mas é preciso ter clara a separação do que é o esporte e a competição, até, mesmo como entretenimento para a humanidade e a exploração desta instituição humana por máfias de todo tipo, como uma indústria de lucro fácil e muitas vezes de legalização de crimes financeiros, cujo origem da riqueza pode estar associada a outros crimes diversos, como tráfico de drogas.

Assim como no Santos, a “nação rubro-negra” sempre teve muito orgulho das suas categorias de base, tendo também revelado grandes craques, tanto que a frase “craque o Flamengo faz em casa” foi criada no início da década de 1980, pelo jornalista Geraldo Mainenti.

O clube vinha celebrando muito a capacidade dos garotos que conquistaram vários títulos em 2018 e muitos eram e são promessas, não só como craques, mas como lucro, pois seus passes poderão valer milhões. Como podem os clubes tratarem assim seu maior tesouro e algo de tanto orgulho para os torcedores?

Enquanto times permanecerem nas mãos de máfias que controlam a política dos clubes e transformam a paixão dos torcedores e o trabalho de milhares de jovens em lucro, enquanto governos, canais de TV e empresas de esportes explorarem, não só o futebol, mas os esportes em geral, estas situações absurdas seguirão acontecendo.

A empresa Flamengo não pode se valer dos mecanismos da reforma trabalhista, como a mudança na lei que limita as indenizações por acidentes de trabalho, para tratar sua responsabilidade pelas mortes, cabendo também a torcida cobrar com afinco que isso não fique impune. Assim como cobrar responsabilização criminal para as diretorias responsáveis pela gestão do clube durante todo o período que o problema do Ninho do urubu persistiu. O Flamengo não pode agir como a Vale do Rio de Doce, que destrói famílias e foge de sua responsabilidade pelas catástrofes que causou em Mariana e Brumadinho, com apoio dos poderes públicos.

O esporte como poder político, econômico e social

O esporte dentro do capitalismo, transforma corpos e mentes de jovens em máquinas de competir e gerar lucro com patrocínios e especulação, favorecendo crimes como lavagem de dinheiro e sonegação de impostos.

As associações que controlam os esportes pelo mundo são alvo de disputas, não só pela lucratividade que podem gerar, mas pelo papel que podem cumprir politicamente, explorando uma emoção humana primitiva, o ato de torcer, a paixão pelo time e pelo esporte.

A FIFA é um grande exemplo. Para realizar a copa no Brasil em 2014, exigiu – assim como faz em todos os países sedes – uma série de concessões e medidas, entre elas, isenção de impostos e mudanças nas leis, como a aprovação da lei antiterrorismo durante o governo Dilma, que abriu precedentes para a criminalização de movimentos sociais e o ativismo em geral. Ela impõe a países como Brasil e África do Sul, leis de interesse imperialista. Por isso, esteve em 2015 no centro da disputa quando os EUA iniciaram uma investigação e denunciou um imenso esquema de compra de votos para decisão dos países sedes, entre outros crimes, caso esse que envolveu empresas como Nike e Rede Globo. Entenda mais sobre o caso seguindo os links 1 e 2. A intenção pode ser de conseguir tomar o controle da FIFA das mãos dos europeus e do Brasil, que sempre teve grande peso na instituição e até de impedir a expansão econômica e política do grupo que a controla.

Toda organização dos esportes é pautada por relações políticas e toda torcida tem um quê de partidária. Talvez por isso os problemas de gestão que assolam os times sejam tão parecidos com os problemas da política institucional, pois a organização dos esportes segue os mesmos princípios burgueses e assim como um governo qualquer, está sujeita às pressões do poder econômico e a tendência de centralidade política. Não é difícil em uma pesquisa rápida na internet encontrar dezenas de exemplos de casos de corrupção, desde a compra de resultados com ajuda de árbitros, desvio de dinheiro dos clubes, sonegação, fraude contábil e de documentos dos jogadores... . Todavia existem denúncias e suspeitas ainda mais terríveis.

A exemplo, temos a caso de Zezé Perrella. Político mineiro, amigo pessoal de Aécio Neves, fez parte durante muitos anos da diretoria do Clube Cruzeiro, chegando a ser presidente. É suspeito de ser dono dos 500 Kg de pasta base de cocaína apreendidos num helicóptero pilotado por seu funcionário em uma de suas fazendas.

Outra forma de tentar ver como o futebol pode ser usado para fins nefastos, como lucro sobre miséria humana, corrupção e lavagem de dinheiro é comparar a sua estrutura de funcionamento com as igrejas evangélicas. O tipo de estrutura institucional pode favorecer estas práticas. Ambos podem ser usados facilmente para declarar bens ilegalmente. Nas igrejas não precisam declarar a fonte de sua renda. No futebol, se cria riqueza com especulação de passes e patrocínios diversos, podendo declarar valores falsos e servindo de ferramenta para qualquer quadrilha ou grupo econômico usá-lo como fachada.




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