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RETORNO ÀS AULAS EM SP | Profissionais da EMEFM Prof° Derville Allegretti: ”os protocolos apresentados são impraticáveis”

Educadoras e educadores da rede municipal de ensino se organizam e lançam manifestos e cartas rechaçando o plano de retorno às aulas publicado pela SME. Nossas vidas valem mais do que os lucros deles.

quarta-feira 22 de julho de 2020 | Edição do dia

Nós do Esquerda Diário e do Movimento Nossa Classe Educação queremos reivindicar desde já a organização dos educadores em se manifestarem contrários ao retorno às aulas presenciais planejado por João Dória, Bruno Covas e o Secretário da Educação Bruno Caetano. O governo finge estar preocupado com a educação das crianças e com os familiares que precisam trabalhar, mas na prática não se importam com a vida dos mais pobres, da juventude e de toda classe trabalhadora que morre cada vez mais ou pelo coronavírus, ou de fome, ou pelas balas da polícia.

O retorno às aulas e os meios que devem ser usados para a manutenção da educação em meio a essa crise sanitária, devem ser decididos através de debates entre os professores e outros trabalhadores da educação; as equipes de limpeza, cozinha e outras equipe que garantem o funcionamento das unidades escolares; os trabalhadores da saúde que são os verdadeiros heróis da linha de frente pela vida de todas e todos; e pelas alunas e alunos, e seus responsáveis. Acreditamos na auto-organização como fundamental para vencermos essa batalha em prol da vida de todos nós.

Precisamos juntos darmos uma resposta independente e de classe para essa crise que enfrentamos. E no governo não devemos depositar nenhuma confiança porque o que eles realmente querem é garantir os lucros de grandes empresários e que a economia esteja acima das nossas vidas.

Segue então abaixo, a publicação na integra a carta aberta dos profissionais da EMEFM Prof° Derville Allegretti a respeito da proposta de retorno às aulas presenciais na cidade de São Paulo, onde educadores se colocam contrários ao irresponsável retorno às aulas presenciais.

E ainda, convidamos todas e todos que assim quiserem, enviar a nós do Esquerda Diário novas cartas ou manifestos de outras regiões e unidade escolares, pois nós teremos o prazer de publicar em nossa mídia independente para dar voz a todas ações de organização dos trabalhadores da educação.

Carta aberta dos profissionais da EMEFM Prof° Derville Allegretti a respeito da proposta de retorno às aulas presenciais na cidade de São Paulo

"A escola não mente prometendo uma igualdade que ela deixaria ser desmentida pela realidade social. Ela não é a “aprendizagem” de condição alguma. Ela é uma ocupação, separada das outras, governada em particular por uma lógica heterógena à da ordem produtiva. Seus efeitos diversos, antes de tudo, sobre as outras ordens têm a ver com a maneira como ela propaga os feitios da igualdade" - JACQUES RANCIÈRE.

À comunidade escolar
Às autoridades públicas
Aos gestores da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo
Aos órgãos de imprensa

Este documento é o resultado das discussões dos profissionais da EMEFM Prof. Derville Allegretti a respeito da Minuta de Protocolo Volta às Aulas. Recebemos com preocupação e perplexidade a notícia de que o governo do Estado, na figura do Sr. João Dória e o Município de São Paulo, representada pelo Sr. Bruno Covas, anunciaram um plano de retomada das atividades educacionais, com previsão de reabertura das escolas para o dia 08 de setembro. Desde o anúncio, medidas de
flexibilização da quarentena têm sido tomadas e veiculadas pela imprensa, ignorando o aumento contínuo do número de infectados pela COVID-19, bem como um alto número diário de mortes.

Embora ignorando a experiência de outros países, que tiveram um aumento no número de infecções após a reabertura das escolas, e até mesmo os dados oficiais - que, devido à conhecida subnotificação de novos casos e mortes causadas pelo novo vírus, nem de longe mostram a realidade da pandemia em nosso país - a prefeitura publicou, em julho, um documento contendo um conjunto de protocolos que devem ser respeitados para um suposto retorno seguro às aulas presenciais. Após a leitura cuidadosa deste documento e considerando a realidade concreta em que atuam os profissionais da EMEFM Prof. Derville Allegretti, listamos abaixo nossas observações a respeito desses protocolos.

1. Um dos pontos centrais que sustenta a proposta de retorno das atividades educacionais é o compromisso de todos no cumprimento das regras. Assim, às
famílias cabe o papel de verificar, diariamente, se as crianças apresentam sintomas e, em caso positivo, não encaminhá-las à escola. Aos alunos, cabe observar as regras de proteção, higiene e distanciamento social. Ora, a experiência de reabertura em diversas cidades do país tem demonstrado que a flexibilização tem produzido uma sensação de que já não há mais risco, de modo que multiplicam-se as aglomerações em locais abertos e fechados e é muito comum flagrar as pessoas sem máscaras nas ruas e nos estabelecimentos comerciais, mesmo diante da proibição e ameaça de punição. A decisão unilateral culpabiliza as pessoas e desresponsabiliza o governo por medidas efetivas de controle da pandemia, deslocando para os profissionais da escola o papel de policiamento: caberá a nós o controle e a supervisão da conduta das pessoas para evitar a disseminação do vírus. Evidentemente, quando o número de contaminados e mortos começar a subir, o prefeito e o governador sempre poderão aparecer serenos em suas coletivas de imprensa para culpar as pessoas, afinal, “bastava seguir os protocolos e todos ficariam bem”.

2. Desde o início da atual gestão municipal, o número de profissionais nas escolas foi reduzido, seja de maneira direta, com a reorganização do quadro e consequente redução do número de professores e equipes de apoio, seja de maneira indireta, atrapalhando-se com contratos terceirizados de limpeza, protelando a chamada dos concursos realizados. Ignorando que a atual situação das escolas é, em grande medida, fruto de determinadas escolhas de nossos gestores educacionais, a Prefeitura determina que é responsabilidade das escolas planejar e organizar o retorno das atividades presenciais, bem como controlar e supervisionar os alunos para garantir o cumprimento das regras. Ademais, não considera que parte dos profissionais fazem parte do grupo de risco e, portanto, não retornarão às atividades presenciais, reduzindo ainda mais a quantidade de trabalhadores. Embora distribua responsabilidades a todos - aos profissionais, aos alunos e suas famílias - o documento não especifica qual é o papel da SME para assegurar que as escolas tenham condições de realizar essa tarefa e tampouco quais serão as medidas a serem tomadas em relação ao quadro de funcionários reduzido.

3. É do conhecimento público - como mostra a mateŕia publicada pelo UOL em 26/06 (https://educacao.uol.com.br/noticias/2020/06/24/sindicato-diz-que particulares-ja-podemvoltar-e-critica-anuncio-de-doria.htm ) que, juntamente com empresários de outros ramos, as escolas privadas têm pressionado o governo para a retomada das atividades presenciais. Gestores das escolas já falam em um aumento nas matrículas, principalmente nas séries iniciais do ensino fundamental, o que pode indicar uma migração da rede privada para as escolas públicas do município. Nesse sentido, embora isso seja negado pelas autoridades, a decisão da Prefeitura atende uma demanda empresarial. Em suma, seria preciso abrir as escolas para salvar a economia, ou seja, é preciso que os pais de nossos alunos tenham onde deixar suas crianças enquanto arriscam suas vidas para assegurar que a economia continue girando e os empresários continuem lucrando.

4. Em audiência pública virtual realizada pela Câmara Municipal de São Paulo para discutir a respeito do retorno das aulas, o Dr. Gonzalo Vecina - médico, fundador da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ex-secretário municipal de Saúde, ex-secretário Nacional da Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde e ex superintendente do Hospital Sírio-Libanês - afirmou que os protocolos apresentados são “para inglês ver”. Ademais, Vecina ressalta que as crianças não costumam apresentar sintomas, o que pode causar a falsa sensação de que é seguro retomar as atividades educacionais. Ignora-se, no entanto, que essas crianças convivem com outras pessoas, que utilizarão transporte público, que terão contato com outras pessoas que podem ser vítimas do vírus. Assim, o conjunto de medidas de proteção da prefeitura não passa de um subterfúgio que, além de não garantir a segurança daqueles que estarão nas escolas, coloca em risco suas famílias. Um subterfúgio que visa criar um clima de “normalidade” - mesmo diante das mil mortes diárias no país - para facilitar o retorno das atividades econômicas. Sem oferecer condições para que a população pobre possa permanecer em isolamento com dignidade, a Prefeitura transfere para a escola a tarefa de cuidar das crianças enquanto seus pais se arriscam. Supor que seja razoável reabrir escolas nessas condições - e diante dos dados a respeito do número de mortes - é uma decisão política, uma escolha a respeito de quem são os grupos sociais que devem se arriscar nas ruas e cujas vidas são indiferentes.

5. Como já afirmado, a Minuta transfere para os profissionais das escolas a
responsabilidade por policiar o cumprimento das regras de segurança, tais como:
a. Lavar as mãos antes e depois de ir ao banheiro;
b. não compartilhar utensílios, como pratos, talheres, copos, garrafinhas d’água;
c. manter o distanciamento social na entrada, saída, salas de aula, banheiros, recreio, atividades de lazer
d. baixar a tampa do vaso ao dar descarga;
e. utilizar a máscara o tempo todo;
f. manter os espaços ventilados e constantemente higienizados;
g. verificar se algum aluno apresenta sinais de contaminação por COVID-19 e, em
caso positivo, isolar a criança até a chegada dos responsáveis (que, em geral, estarão no trabalho).
h. higienizar as mãos antes das refeições;

Há muitas outras tarefas fundamentais atribuídas aos profissionais da Educação, e esses exemplos servem apenas para se ter uma ideia a respeito do que está sendo proposto pela SME. Mesmo que esses protocolos fossem efetivos em garantir a segurança de todos e que as escolas tivessem condições efetivas de garantir o cumprimento de todos eles - o que não é o caso - a tarefa educacional seria impossibilitada, uma vez que estaríamos dedicados controlar constantemente o comportamento das pessoas. Não há trabalho educacional possível em um ambiente inseguro, onde qualquer um pode estar contaminado e onde todas as atividades mais urgentes são voltadas para tentar evitar que as pessoas se contaminem. A escola se tornaria, portanto, um acessório da economia, reduzindo ainda mais seu sentido público e precarizando ainda mais o direito de nossas crianças a uma Educação de qualidade. Em princípio, nada impede que as escolas tornem-se pólos de acolhimento, oferecendo alimentação, abrigo e cuidados para as crianças. Nada disso significa um retorno das aulas. A assistência aos alunos - como materiais, transporte, uniforme e alimentação - comumente oferecidas pelas escolas não são uma tarefa primária da instituição, mas um meio de assegurar que o direito à Educação seja garantido mesmo para aqueles em situação socioeconômica desfavorável. Reduzir a tarefa da instituição escolar ao atendimento de certas necessidades para que as pessoas possam retornar ao trabalho - e não para que as crianças possam desfrutar o tempo oferecido pela escola - desqualifica o trabalho dos profissionais, descaracteriza a escola e é um mero engodo eleitoreiro.

6. O governo se recusa a seguir as orientações da Organização Mundial de Saúde, que recomenda a testagem em massa como requisito para flexibilização da quarentena. (https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/04/relaxar-quarentena-exige-capacidade-de-testar-todos-os-casos-suspeitos-diz-oms.shtml-origin=folha). A testagem regular dos profissionais e alunos na escola seria uma condição fundamental para garantir a segurança de todos e não há qualquer menção a isso na minuta.

A atual campanha articulada pelo Governo do Estado, Prefeitura e imprensa para retomada das atividades econômicas desloca para a educação escolar a responsabilidade pela redução das desigualdades (como mostra esta matéria da Folha: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/07/reabertura-da-economia-sem-aula-presenciial-pode-elevar-desigualdade.shtmlutm_source=twitter&utm_medium=social&utm_campaign=comptw) e reforça um sentimento de injustiça: enquanto muitos trabalhadores se vêem obrigados a retornar ao trabalho, sob o risco de perder seu meio de subsistência, profissionais da Educação seguem sem trabalhar. Esse engano produzido é intencional, pois libera os governos municipal e estadual das críticas sobre o abandono das populações vulneráveis em plena pandemia. Cria a ilusão de que não há alternativas e, estando todos em risco, que estejam em risco assistidos na escola. No entanto, essa é uma regra que só se aplica às famílias da escola pública, uma vez que a classe média e alta continuarão protegidas em seus home offices . É por isso que nós defendemos que o governo tome medidas para proteção das pessoas vulneráveis, assegurando renda mínima e condições adequadas de moradia, alimentação e higiene, para que ninguém precise se submeter à lógica perversa de que alguns precisam se sacrificar para assegurar o conforto de outros.

Jacques Rancière nos fala a respeito da potência de que a escola seja um espaço de igualdade, oferecendo a todos aqueles que acolhe, o tempo e o espaço organizados em torno da atividade do estudo. E isso só pode ser feito na medida em que a escola pública permaneça uma instituição vinculada a certos princípios, não se submetendo aos ditames econômicos ou a interesses privados dos atores sociais. Não se trata de uma recusa dos servidores de retornar ao trabalho, mas de apontar o fato de que os protocolos apresentados são impraticáveis diante das atuais condições. E sendo impraticáveis, não garantem a segurança de ninguém. Não basta que os profissionais da Saúde definam quais são os protocolos exigidos, é fundamental respeitar o que dizem os profissionais da Educação a respeito da viabilidade de se garantir esses protocolos.

Ademais, a SME precisa definir em linhas claras quais os esforços serão mobilizados para equipar as escolas dos materiais necessários e quais medidas serão tomadas para recomposição e ampliação das equipes.

Não aceitamos que nossas vidas e a de nossos alunos e seus familiares sejam colocadas em risco para atender aos interesses do empresariado paulistano. Não aceitamos tomar parte em um falso retorno das atividades educacionais, nos submetendo aos ditames tecnocratas da SME para apresentação de resultados nas avaliações externas. Não aceitamos que a Prefeitura e o Estado de São Paulo se isentem da responsabilidade em assistir as famílias dando condições dignas para que passem por esse difícil momento que vivemos.

São Paulo, 15 de julho de 2020
Profissionais da EMEFM Derville Allegretti.




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