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REORGANIZAÇÃO ESCOLAR | Professor da UNICAMP fala sobre o decreto e a reoganização escolar do governo Alckmin

Mauro SalaCampinas

sexta-feira 4 de dezembro de 2015 | 08:33

ED - Essa semana foi publicado o decreto da reorganização escolar pelo governador Geraldo Alckmin. Como o Senhor observa a implantação da reorganização das escolas via decreto ?

Evaldo Piolli - A promulgação de um decreto tem um significado simbólico muito forte pois nos faz lembrar dos tempos da ditadura. O decreto é um instrumento autoritário que reforça o caráter antidemocrático da reorganização das escolas da rede pública estadual promovida pelo governo Alckimin. Agora com a organização decretada, temos a comprovação das nossas críticas a proposta da Secretaria desde seu lançamento no dia 27 de setembro de 2015. Apontávamos para a pouca disposição do governo em dialogar com a sociedade e os principais interessados que deverão sofrer os efeitos dessas medidas, a saber: os alunos, os pais e professores.

Entendo agora que com a reorganização decretada encerra-se a possibilidade do diálogo. As conversas, de acordo com a lógica da secretaria, serão para dizer como o projeto será implantado e não para debater e problematizar sobre seus fins e suas implicações.

Em política pública o diálogo e o planejamento democrático são essênciais, mas nesse caso parece que isso ficou sem sentido. No áudio que vazou da reunião do sub-secretário com os 40 dirigentes regionais o caráter autoritário fica mais nítido ainda. O governo fala em guerra e chama as ocupações de invasões. Chama os principais atores da escola, alunos, pais e professores de invasores. O governo, principalmente através de seu sub-secretário tem dito sistematicamente na imprensa que esse movimento é partidário. Com esses termos o governo parece querer descaracterizar e desmoralizar quem está mobilizado defendendo a escola publica.

As ocupações são legítimas. Os alunos, pais e professores chamam a atenção para a ausência do debate, pois as implicações e os efeitos negativos para eles serão muitas.

ED - Quais serão as consequências para os professores, alunos e pais ?

Evaldo Piolli - Para os alunos, pais e a comunidade destaco problemas diversos como: deslocamentos; referência e a identidade da escola com a comunidade e os alunos; problemas como barreiras físicas e não físicas nos bairros e comunidades onde se registra um quadro de violência. O fechamento de escolas noturnas e salas de EJA deverá agravar ainda mais o quadro de desistência e abandono escolar.

Implicações para os professores: com o fechamento de salas poderá haver desemprego dos professores com vínculo precário principalmente para os da Categoria O. Para os efetivos o decreto 61672/2015 faz referência a lei complementar 180 de maio de 1978 especificamente aos artigos 54 e 55 que preveem a transferência de servidores a pedido ou ex-ofício a bem do serviço público. Enfim, em sendo reorganizada uma escola poderá haver remoção forçada do professor para uma outra unidade dentro de uma mesma região. Em alguns casos esse professor poderá ficar adido, ou seja, ficar à disposição do dirigente regional e poderá ser encaminhado para qualquer escola de sua região. Acontece que nós temos no Estado diretorias que atendem um raio maior que 100 Km. Isso gera preocupação e insegurança nos professores.

A remoção pode atingir os diretores e também os agentes de organização escolar, sem falar nas trabalhadoras terceirizadas da limpeza e da merenda que poderão ficar desempregadas.

ED - O senhor acha que esse movimento vai se alongar ? O pretendem os alunos que hoje ocupam as escolas?

Evaldo Piolli - Acredito que sim. As razões que apresentei indicam que essas ocupações deverão persistir.

Devemos considerar também que as mobilizações tem um caráter de defesa da escola e da educação pública. As mobilizações agora tendem a avançar para além das questões relativas às implicações imediatas desse projeto.

Tenho observado que a mobilização tende a avançar para uma crítica maior ao projeto de privatização da educação em nosso estado. Esse é uma aspecto que não está sendo comentado na grande mídia.

Os alunos tem manifestado um grande descontentamento com o projeto curricular da secretaria e as apostilas do São Paulo faz escola. Muitos fizeram o ENEM e sentiram a defasagem. Conversei com vários alunos nas escolas ocupadas sobre esse tema. Há um descontentamento geral dos alunos e dos pais sobre isso. Eles temem a superlotação de salas que poderá ocorrer com a reorganização. Os alunos querem escolas mais equipadas com bibliotecas, laboratórios etc.

ED - Então, quais são as reais intenções do Governo Estadual com essa reorganização?

Evaldo Piolli - Hoje a secretaria da educação vem recebendo apoio de grandes fundações empresariais através do programa “Compromisso São Paulo” que já contratou “na faixa” a consultoria Mckinsey para assessorar a Secretaria. A mesma que deu assessoria para vários governos estaduais em reformas semelhantes no início dos anos 2000 nos EUA. Agora essa consultoria saiu para dar lugar a empresa FALCONI – a mesma que já ajudou o Governo de Minas a implantar o programa “Choque de Gestão” nos Governos Aécio Neves e Anastasia. Esse choque de gestão foi nefasto para a educação em Minas. É a Falconi que está hoje por trás dessa reorganização em São Paulo, contratada pelas Fundações Empresariais.

Com esse pessoal à frente dessa proposta, tendo a considerar, ao contrário do que tem defendido a secretaria, tratar-se de um projeto essencialmente gerencial. Não tem nada de pedagógico.

Essas fundações empresariais e a FALCONI estão acostumadas a gerir empresas privadas. As empresas privadas são organizações monocráticas. Não tem nada de democrático numa empresa. Na empresa o trabalhador é chamado para participar e a envolver-se quando está tudo decidido. O trabalhador é só para tomar conhecimento do que já decido pelos executivos engravatados. Na empresa os colegiados são órgãos de fachada.

Vou destacar algumas das intenções ocultas:

Enxugamento da secretaria da educação com a redução do quadro docente. O fechamento de escolas e a reorganização, tal como já ocorreu entre os anos de 1995 e 1998 poderá implicar em demissão de professores, principalmente os do quadro não efetivo. Naquela reforma foram fechadas cerca de 150 escolas e a redução de 400 mil matrículas. Foram demitidos 20 mil professores. É preciso lembrar que estamos num cenário de ajuste fiscal;

Intensificar políticas de responsabilização docente através da reorganização das escolas em segmento único. As escolas de segmento único deverão facilitar a implantação de meios de controle e gestão por metas. A finalidade é de aprofundar as políticas centradas em testes de proficiência dos alunos;

Preparar a rede para um segundo movimento forte de municipalização pela transferência do ensino fundamental para os municípios, que vem ocorrendo desde a promulgação da LDB em 1996 e do surgimento do FUNDEF. Essa intenção está explicitada na Meta 21 da Proposta de Plano Estadual da Educação que o Governo enviou para a ALESP, o PL 1083;

Preparar a rede para um movimento de publicização (privatização) do ensino médio tal com já vem ocorrendo em Goiás e em Pernambuco. Isso ocorrerá no Ensino Médio, tanto nas escolas em tempo integral como também na proposta de flexibilização curricular. Esse movimento está previsto nas metas 6 e 22 do PL 1083.

Se a municipalização e a privatização estão contempladas no projeto de Plano Estadual de Educação, podemos concluir que o número de escolas a serem fechadas e reorganizadas poderá ser ainda maior do que esse que a Secretaria vem apresentando. Essa reorganização deverá ser ainda mais profunda uma vez que o plano vai até 2025.




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