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PORTO ALEGRE | Por que o “Tarifa POA” do Marchezan é uma palhaçada contra a população e os rodoviários?

O novo prefeito da capital gaúcha disponibilizou recentemente um portal transparência da tarifa da cidade. Lá você pode ver os cálculos feitos pela prefeitura e montar a sua própria tarifa. Mas por trás escondem-se não só uma série de problemas estatísticos, como um dos pontos principais do cálculo que é o lucro.

quinta-feira 9 de fevereiro de 2017 | Edição do dia

Por muitas razões! A intenção dos dados apresentados por Marchezan é por um lado colocar a população contra os rodoviários, em especial os cobradores, e por outro lado dar uma série de estatísticas no mínimo suspeitas para esconder um ponto central para as empresas: o lucro. Pois explicamos, comecemos pelas coisas mais importantes.

A primeira dela é o absurdo que o cálculo do “monte sua tarifa” faz. Veja aqui. A quarta e quinta questões só podem ter vindo de um prefeito que não faz a menor ideia do que significa o trabalho no volante e na roleta. Nas possibilidades de cálculo não existe a alternativa em que o dissídio represente um aumento real para os rodoviários - você pode escolher 0% de aumento ou a proposta de aumento abaixo da inflação da patronal. Ou seja, no cálculo da “sua tarifa” não existe a possibilidade dos rodoviários receberem um salário minimamente decente, que tenha aumento real. De acordo com a matemática de Marchezan, os rodoviários tem que receber menos e trabalhar mais para que a tarifa seja a mais baixa possível...

A quinta pergunta é a mais absurda, porque parte do pressuposto de que o cobrador é inútil e facilmente substituível. A verdade é que a qualidade do transporte piora em muito sem a função do cobrador, sem contar as possibilidades de acidentes ampliaram consideravelmente uma vez que o motorista terá que dirigir e cobrar ao mesmo tempo. O cobrador não é só um trocador de dinheiro, ele cumpre uma série de funções essenciais para a qualidade do transporte e segurança dos passageiros. Em síntese, trata-se de uma simulação feita para colocar a população contra os trabalhadores rodoviários, em especial os cobradores.

Por que o prefeito não incluiu nas perguntas a possibilidade de escolhermos nossa tarifa sem os lucros das empresas?

Analisando os dados disponíveis neste link também feito pela prefeitura, é possível observar um total de 9% da tarifa destinados às empresas. Em um dos gráficos, esse 9% é apelidado de “remuneração pelo serviço prestado e remuneração de capital”, popularmente conhecida como “lucro”. Esses 9% representariam cerca de 34 centavos da passagem, se formos nos basear nos cálculos apresentados. Ou seja, na hora de calcular possibilidades de decréscimo da tarifa, o senhor Marchezan e sua equipe incluem tudo o que é possível: extinção do cobrador, reajuste zero para os trabalhadores, fim da gratuidade da segunda passagem, fim da isenção para maiores de 60 anos, etc. Tudo isso menos… o lucro!

Mas o que mais chama atenção em uma pesquisa um pouco mais detida sobre o assunto é o fato de os números apresentados não condizerem com a realidade. Em outras palavras, de transparência não tem nada. Explicamos.

Na composição da tarifa entram uma série de itens, como despesas com combustíveis, lubrificantes, recapagem, renovação da frota, manutenção da frota, etc. A renovação da frota junto da manutenção, por exemplo, representa 11% do total da tarifa. Por fontes internas de empresas de transporte, já chegaram a nós uma série de denúncias de que a renovação e a manutenção ocorre com uma série de fraudes que vão desde a pintura de ônibus velhos para parecerem renovados até a ausência de fiscalização correta para averiguar problemas técnicos. Não são poucos os ônibus que estão com pneu careca, poltronas quebradas, assento do motorista deslizando, elevador quebrado, etc. Ou seja, esses 11% não correspondem à realidade.

Um outro dado que demonstra a fraude dos cálculos é concernente à despesa com combustível. Como apresentado em texto recentemente publicado por um jovem economista, os cálculos referentes aos gastos com diesel apresentam alguns desequilíbrios. Em suma, existe uma diferença considerável entre o preço do diesel apresentado por cada uma das empresas de transporte e o preço médio do diesel estipulado pela ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis). Ou seja, supõe-se que os gastos com diesel sejam menores do que os apresentados pelas empresas, fazendo com que a prefeitura calcule a tarifa em um gasto total inexistente, distorcendo, portanto, o preço final da passagem. E a distorção não é pequena, a diferença entre o custo total de cada lote e o custo do sistema calculado pela prefeitura é de R$ 8 milhões.

Um outro dado que também não é apresentado pela prefeitura, não por acaso, é a discrepância entre o aumento salarial dos rodoviários desde 1994 e os sucessivos aumentos da passagem. Estima-se, como se pode ver neste texto, que em mais de 20 anos houve um aumento de quase 1000% no valor da tarifa, ao passo em que o salário dos rodoviários não chegou a 500%.

Enfim, são uma série de cálculos e números que não são transparentes de fato e nem nos mostram a dimensão do problema. O objetivo central da prefeitura em apresentar esses dados e essa fraude que é a montagem da “Tarifa POA” é, em última instância, colocar a população contra os trabalhadores e vice-versa, os rodoviários contra a juventude que luta contra o aumento da tarifa. Mas para fazer isso, a prefeitura se nega a tocar no ponto central para o funcionamento do sistema tal como é: o lucro. Ou seja, a prefeitura está disposta a desmontar o sistema de transporte, levando à extinção do fundamental cargo de cobrador, rebaixar os salários de toda a categoria, diminuir os benefícios aos idosos, mas no lucro não mexe uma vírgula. Transparência é uma ova, isso é palhaçada contra a população!

Como Adailson Rodoviário disse em video recente: “todo o diálogo em torno da tarifa, no final das contas, se resume a garantir que todo o sistema opere e o patrão obtenha lucro. Uma maneira de acabar com isso é justamente aquela velha máxima que muito patrão diz por aí: ‘tá ruim? procura outro emprego!’ é assim que falam pro trabalhador. E é isso que eu diria hoje pra patronal: ‘tá ruim? deixa que os trabalhadores assumam, porque os trabalhadores tem condições hoje de tocar o sistema, o trabalhador sabe como operar o sistema. Por isso estatizar o sistema”

Concluindo, enquanto as empresas continuarem controlando o transporte público, os dados continuarão a ser manipulados de acordo com seus interesses de lucro. Por isso devemos exigir a real abertura dos livros de contas, das empresas e da prefeitura, para saber de fato para onde está indo o dinheiro. E aí está o problema central, que nem Marchezan, nem os empresários, querem mexer: o lucro enorme. Para se ter uma ideia, o cálculo de 9% da tarifa referente ao lucro representa algo em torno de R$ 170 mil ao dia. Por ano, esse número chega a algo em torno de R$ 60 milhões. Dividindo entre as poucas empresas que dominam o sistema, entende-se facilmente o porquê de não quererem mexer nessa área. Enquanto isso quem sofre são os rodoviários e a população.




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