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WILSON WITZEL | Por que a corrupção do governo Witzel não pode ser resolvida pelo autoritarismo do judiciário?

Luiz HenriqueProfessor da rede estadual em Resende, RJ

sábado 29 de agosto de 2020 | Edição do dia

O ex-juiz Wilson Witzel passou do total anonimato político ao governo do estado do Rio de Janeiro surfando na onda do bolsonarismo e do golpismo, que o alçou a condição de presidenciável ainda no primeiro ano de seu governo. Agora, a partir do seu afastamento a pedido pela justiça, ele passa a condição de ser mais um governador fluminense envolvido em escândalos de corrupção. Mais do que um caso isolado, a trajetória de Witzel é uma amostra do quão apodrecido está o regime político no Brasil, em particular no Rio de Janeiro. Como já dissemos em um outro artigo no Esquerda Diário, um eventual impeachment de Witzel não solucionaria a histórica corrupção do Estado do Rio de Janeiro, apenas serviria para trocar os jogadores dos esquemas de corrupção, mantendo intactos os interesses empresariais que financiam estes esquemas. É preciso mudar a política de conjunto, e para isso apostamos nos trabalhadores e não na justiça dos capitalistas.

Podres poderes

O Rio de Janeiro foi pego de surpresa nesta sexta-feira (28/8) com o anúncio de que Wilson Witzel havia sido afastado e que a polícia federal conduzia uma operação chamada Tris In Idem (três vezes o mesmo), em alusão aos esquemas de corrupção de Cabral e Pezão. Além disso, Witzel une-se agora ao grupo de ex-governadores fluminenses envolvidos em escândalos de corrupção, que também conta com Garotinho e Rosinha. Mas o que acontece no estado do Rio de Janeiro que torna possível que tantos governadores caiam pelas mesmas razões?

A resposta é que todos estes esquemas de corrupção, longe de serem desvios, são a forma padrão dos políticos governarem um estado cada vez mais erodido por uma galopante crise social e econômica. E, longe de serem a solução, as operações judiciais, cada vez mais autoritárias, se tornam a forma como os grupos que disputam o poder político resolvem suas disputas internas. Foi através deste tipo de operações que a Lava Jato conseguiu intervir para tirar Lula do páreo das eleições de 2018, da mesma maneira que alguns anos antes a mesma operação interveio para pressionar pelo impeachment de Dilma Rousef, com apoio da direita e do centrão - políticos fisiológicos que fazem do Congresso nacional um grande balcão de negócios.

Voltemos a Witzel. Antes de 2018 ele era apenas mais um magistrado reacionário, ardente defensor da violência policial, que viu na crise política uma oportunidade de ascender politicamente. Pegando a onda da lava-jato e aproveitando o fortalecimento da candidatura de Jair Bolsonaro, fez uma aliança com seu filho Flávio, quando ambos ainda eram do mesmo partido conservador, o PSC. A poucas semanas da votação, um apagado Witzel, que apresentava como carros chefes de sua campanha o aumento tanto da repressão policial, quanto do autoritarismo judicial, ganhou força e participou diretamente de uma das mais grotescas cenas daquela campanha, a quebra da placa em homenagem a vereadora assassinada Marielle Franco. Apoiado pelos setores cristãos mais fundamentalistas e, também, pelos setores mais diretamente influenciados pelas milícias policiais, conseguiu garantir uma expressiva votação e com isso, uma surpreendente vitória.

Ainda na preparação para montar o seu governo, Witzel entendeu que seria mais vantajoso apostar na formação de uma base de apoio mais ampla dentro do regime e buscou pactuar com outros partidos do sistema. Desse modo buscou aproximação com MDB, DEM, PRB, chegando mesmo a apoiar a eleição de André Ceciliano do PT para presidência da ALERJ, de onde surgiram as primeiras rusgas com o PSL, o então partido de Bolsonaro. Iniciado o seu governo, ele foi marcado por uma série de brutais intervenções da policia militar nas periferias do Rio de Janeiro, porém nitidamente favorecendo áreas controladas por milícias. De fato há um levantamento apontando que houveram onze vezes mais operações em áreas controladas pelo narcotráfico, com letalidade policial nitidamente maior (21%), do que em regiões de milícias.

No caso do Rio de Janeiro, todos os longos anos de crise levaram a uma erosão tão dramática do estado, que a manutenção da ordem capitalista passou a depender diretamente de grupos mafiosos, além da própria brutalidade da repressão do estado. Enquanto existiu, a aliança Bolsonaro-Witzel foi apenas a expressão mais desenvolvida deste fenômeno, que longe de oferecer qualquer resolução para a crise do estado, na verdade a aprofundou muito mais, com 2019 sendo o ano com maior número de mortes por agentes do estado, de acordo com o Instituto de Segurança Pública, aumentando enormemente a área sob controle direto ou influência das milícias.

O crepúsculo de Witzel

Desde que Witzel se colocou como alternativa a Bolsonaro para campanha de presidencial de 2022, e mais tarde, com a pandemia, a aliança se quebrou, fazendo com que ele perdesse apoio entre os setores bolsonaristas, incluindo aí um sensível aumento no conflito com as milícias através de operações policiais. Foi a partir dessa virada o governador tentou fortalecer ainda mais os laços com os partidos do regime, enquanto via Bolsonaro lançar uma forte luta política contra ele, acusando-o de estar por trás do vazamento, através do ministério do público do Rio de Janeiro, de dados da investigação do envolvimento do seu filho Flávio Bolsonaro com as milícias da zona oeste para a mídia.

Na verdade o grande temor de Jair Bolsonaro era ter um adversário político a frente do estado onde ele e os filhos construíram uma longa carreira defendendo milicianos. E com isso Witzel viu sua base derreter e os aliados no legislativo se afastarem a medida que emergia na superfície todos os escândalos de corrupção resultantes dos acordos do PSC com os empresariado fluminense.

É possível que Witzel tenha sido enganado, que não sabia no que estava se metendo ao sair candidato do Partido de Pastor Everaldo, acusado, entre outras coisas, de aceitar propina para favorecer Aécio Neves nos debates presidenciais de 2014? Será que Witzel, neste tempo todo em que a Cedae teve cargos loteados para Pastor Everaldo, não sabia que Edmar Santos, seu ex-secretário de Saúde e atual delator, contratava os serviços das Organizações Sociais de Saúde que atrasaram por meses os hospitais de campanha, não entregando 1/3 do que foi prometido nos contratos? Seria preciso ser muito ingênuo para acreditar nisso.

Witzel precarizou os serviços públicos, massacrou a população negra nas periferias em operações que tomando a vida de várias crianças, tripudiando das mortes. Mal havia conseguido escapar de um processo de impeachment, quando se viu decapitado, de um golpe só, do poder de governador. Mas não podemos nos iludir com o judiciário, sua retirada nada tem a ver com a justiça, é apenas o resultado da luta entre duas frações podres que se apoiaram na milícia para alçar o poder.

Neste contexto, o contexto de um pacto entre Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal, o STF atua dividido, parte dele unido com a Lava Jato. Neste contexto, Alexandre de Moraes anulou a decisão que impedia a autoridade da comissão formada na Alerj para levar adiante o impeachment de Witzel, praticamente pedindo. Mas muito utópico acreditar que este nível de degeneração do Estado carioca pode ser reformado por dentro, pela mesma casa legislativa que sustentou Witzel por todos estes anos quando era interessante para os deputados estaduais, ou pela mesma justiça que fez pouco caso de Queiroz e que não investiga os R$ 89 mil pagos por Queiroz à Michelle Bolsonaro.

Pelo direito do povo de decidir as regras do jogo

Witzel deve cair, mas também precisamos derrubar Bolsonaro, Mourão e os militares, por isso não devemos confiar em nada na autoritária Lava Jato e na PGR, que vem atuando para encobrir a corrupção de Bolsonaro enquanto traz à tona a corrupção do governo Witzel.

Somente a organização independente dos trabalhadores em luta pode de fato romper com esse sistema de corrupção, começando por acabar com as regalias dos políticos, que há cada 4 anos são eleitos fazendo campanha com o dinheiro do povo, e logo sem seguida aprovam ataques contra os trabalhadores e o povo pobre. É preciso mudar todas as regras do jogo, e não pelos juízes que não foram eleitos por ninguém, mas que se dão o direito de caçar os votos do povo e interferir no resultado das eleições.

São os trabalhadores, através de um Assembleia Constituinte Livre e Soberana, que devem impor novas leis de funcionamento do sistema político: expropriação de todos bens dos políticos corruptos e das empresas que usam o Estado como balcão de negócios. Estatização das empresas que financiam os esquemas de corrupção estatal, estas empresas que nas mãos da justiça conseguem negociar boas condições de "compliance" e que nunca restituem o dano causado. Que todo político eleito possa ter o mandato revogado por aqueles que o elegeram, que todo político receba o mesmo salário de um trabalhador qualificado. As Assembleias Estaduais devem ter seus mandatos sob controle direto da população, que deve poder revogar o mandato dos políticos sempre que for necessário. E o orçamento público deve ser usado para financiar a Saúde, a Educação, e uma Reforma Urbana Radical que gere empregos e moradias digna para a população trabalhadora e o povo pobre.




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