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Poema: "O que é socialismo?", por Leszek Kolakowski

Lina Hamdan

Poema: "O que é socialismo?", por Leszek Kolakowski

Lina Hamdan

"Nós lhe diremos o que é o socialismo.
Mas primeiro devemos dizer-lhe o que não é o socialismo. Esta é uma questão sobre a qual, no passado, tínhamos uma ideia muito diferente da que temos hoje"

Como forma de contribuir para revigorar a memória da Revolução Húngara, uma das mais importantes revoluções da segunda metade do século XX, devido ao seu caráter operário e seu objetivo de varrer a burocracia stalinista do poder mantendo as conquistas da expropriação da burguesia após a II Guerra Mundial, traduzimos do francês o poema "O que é socialismo?" do filósofo polonês Leszek Kolakowski.

O texto tornou-se muito popular em 1956, durante a onda de protestos que contestavam o stalinismo na Polônia e na Hungria. Kalakowski descreve a sociedade sob o stalinismo de forma maravilhosa e com grande habilidade. O poema é expressão do descontentamento e do estado de espírito dos intelectuais da época nesses países e ajuda a evidenciar a falácia que alguns stalinistas seguem difundindo de que a Revolução Húngara teria sido uma contra-revolução imperialista.

Intelectuais e estudantes desempenharam um papel fundamental nos primeiros momentos da contestação que explodiu na Polônia e especialmente na Hungria na década de 50. Um grande exemplo de unidade entre intelectuais e trabalhadores na luta pelo socialismo.

Veja também episódio do podcast Espectro do Comunismo sobre a Revolução Húngara de 1956.

Poema. "O que é socialismo?"

por Leszek Kolakowski

Nós lhe diremos o que é o socialismo.

Mas primeiro devemos dizer-lhe o que não é o socialismo. Esta é uma questão sobre a qual, no passado, tínhamos uma ideia muito diferente da que temos hoje.

Bem, então, o socialismo não é :

Uma sociedade na qual alguém que não cometeu um crime fica em casa, esperando a polícia.

Uma sociedade na qual é crime ser irmão, irmã, filho ou esposa de um criminoso.

Uma sociedade na qual alguém é infeliz porque diz o que pensa e outro é feliz porque não diz o que pensa.

Uma sociedade onde alguém está melhor quando não pensa nada.

Uma sociedade na qual alguém é infeliz porque é judeu, e outro se vê melhor porque não é judeu.

Um Estado cujos soldados são os primeiros a entrar no território de outro país.

Um Estado onde quem canta os louvores dos líderes está em melhor situação.

Um Estado onde se pode ser condenado sem julgamento.

Uma sociedade onde os líderes se nomeiam eles próprios para seus cargos.

Uma sociedade onde dez pessoas vivem em um só cômodo.

Uma sociedade que tem analfabetos e epidemias de varíola.

Um Estado que não permite viagens ao exterior.

Um Estado que tem mais espiões do que cuidadoras de crianças, e mais pessoas na prisão do que nos hospitais.

Um Estado em que o número de cargos estatais cresce mais rapidamente do que o número de trabalhadores.

Um Estado no qual somos forçados a recorrer a mentiras.

Um Estado onde se é forçado a ser um ladrão. Um Estado onde se é forçado a recorrer ao crime. Um Estado que possui colônias.

Um Estado cujos vizinhos xingam a geografia.

Um Estado que produz excelentes aviões e péssimos sapatos.

Um Estado em que os covardes vivem melhor que os bravos.

Um Estado no qual os advogados quase sempre concordam com o promotor.

Um Estado no qual a maioria das pessoas procura em Deus consolo por sua miséria.

Um Estado que concede prêmios a pseudo-autores e sabe mais sobre pintura que os pintores.

Uma nação que oprime outras nações.

Uma nação que é oprimida por outra nação.

Um Estado que deseja que todos os seus cidadãos tenham a mesma opinião em filosofia, política externa, economia, literatura e moral.

Um Estado cujo governo define os direitos de seus cidadãos, mas cujos cidadãos não definem os direitos do governo.

Um Estado onde somos responsáveis por nossos antepassados.

Um Estado no qual uma parte da população recebe salários quarenta vezes maiores do que os outros.

Um Estado único, isolado.

Um grupo de países atrasados.

Um Estado que usa palavras de ordem nacionalistas.

Um Estado cujos governos pensam que nada é mais importante do que seu poder.

Um Estado que faz um pacto com o crime e depois adapta sua ideologia a esse pacto.

Um Estado que adoraria que seu Ministério das Relações Exteriores determinasse a opinião política de toda a humanidade.

Um Estado que acha difícil distinguir entre escravizar e libertar.

Um estado onde os agitadores racistas gozam de total liberdade.

Um Estado onde existe a propriedade privada dos meios de produção.

Um Estado que se considera firmemente socialista porque liquidou a propriedade privada dos meios de produção.

Um Estado que não consegue distinguir uma revolução social de uma agressão armada.

Um Estado que não acredita que as pessoas devam ser mais felizes sob o socialismo do que em qualquer outro lugar.

Uma sociedade que é a própria tristeza.

Um sistema de castas.

Um Estado que sempre conhece a vontade do povo antes de perguntar-lhes.

Um Estado que pode maltratar o povo impunemente.

Um Estado em que uma determinada concepção da história é a lei.

Um Estado no qual filósofos e escritores sempre dizem a mesma coisa que os generais e ministros, mas sempre depois deles.

Um Estado em que os planos municipais são segredos de Estado.

Um Estado no qual os resultados das eleições parlamentares podem sempre ser previstos.

Um Estado onde existe o trabalho forçado.

Um Estado onde existem laços feudais.

Um Estado que detém o monopólio mundial sobre o progresso científico.

Um estado onde um povo inteiro, contra sua vontade, pode ser transplantado para outro lugar.

Essa é a primeira parte. Mas agora, preste atenção, vamos lhe dizer o que é o socialismo.

Bom: o socialismo é uma coisa boa.

[Grifos nossos]


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Lina Hamdan

Mestranda em Artes Visuais na UFMG
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