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[Podcast Feminismo e Marxismo] Teoria da reprodução social e estratégias em debate

[Podcast Feminismo e Marxismo] Teoria da reprodução social e estratégias em debate

O podcast Feminismo e Marxismo, uma iniciativa do grupo de mulheres Pão e Rosas e do Esquerda Diário, apresentou na última semana um importante debate sobre a Teoria da Reprodução Social. A conversa aconteceu entre Diana Assunção, fundadora do Pão e Rosas no Brasil e apresentadora do podcast, e Josefina Martínez, militante da agrupação no Estado Espanhol e estudiosa dos debates de gênero.

Confira abaixo um trecho do diálogo e acesse o link para escutar o programa na íntegra.

Diana Assunção: Eu sei que eu sempre falo isso, mas hoje realmente temos um dos episódios mais esperados e mais solicitados pelas nossas ouvintes e pelos nossos ouvintes, que é a discussão sobre a Teoria da Reprodução Social, muito comentada nos movimentos feministas de vanguarda. Para essa tarefa hoje teremos uma convidada internacional: a nossa companheira Josefina Martínez do Pão e Rosas do Estado Espanhol, que é autora do livro Capitalismo e patriarcado e dirigente da Corrente Revolucionária de Trabalhadores e Trabalhadoras que é a organização irmã do MRT no Estado Espanhol e na Catalunha. Bem vinda Josefina!

Josefina Martínez: Olá, como estão? Muito agradecida pelo convite, Diana!

Diana: Muito bom ter você aqui hoje. Bom gente, antes de começar, eu queria só deixar aqui a revolta do grupo de mulheres Pão e Rosas diante do assassinato da jovem Kathlen Romeu pela polícia no Rio de Janeiro e por isso a gente diz: Basta de mulheres mortas pela bala da polícia. Nenhuma a menos!

Bom, como eu tava falando a gente vai hoje abordar a discussão sobre a Teoria da Reprodução Social, que é um debate mais recente no movimento feminista e se dá bastante em dialogo e, em partes, também em polêmica com o marxismo. Vamos conhecer quem são as principais referências dessa teoria, suas subdivisões, o que nós do Pão e Rosas consideramos que são aportes para a discussão da luta das mulheres desde uma perspectiva marxista, e o que são diferenças no marco do marxismo revolucionário. Para dar início, eu gosto de uma citação da Cinzia Aruzza, que é uma das teóricas da reprodução social, que ela fala o seguinte:

“Reprodução social no marxismo é o processo de reprodução de uma sociedade em sua totalidade. Reprodução social no feminismo marxista é a manutenção e reprodução da vida, em nível diário e geracional. Reprodução social designa a forma na qual o trabalho físico, emocional e mental necessário para a produção da população é socialmente organizado: por exemplo, preparo da comida, educação dos jovens, cuidado dos idosos e doentes, assim como as questões domésticas e todo caminho até a sexualidade”.

A definição que ela faz me parece que ajuda a entender o conceito de reprodução social no marxismo e, depois, qual a compreensão deste termo “reprodução social” no feminismo marxista, ainda que a amplitude com a qual ela descreve tem a ver com algumas diferenças que temos e vamos debater aqui hoje. Bom, a Josefina escreveu um texto muito bom recentemente chamado Feminismo da reprodução social ou feminismo socialista?, indico a todas e todos, está no Esquerda Diário. Então, para começar, queria que você comentasse mais a definição dessa teoria, ou seja, o que é a Teoria da Reprodução Social, o que é a divisão que existe dentro dessa teoria entre unitárias e dualistas e, também, quem são as principais referentes, eu citei algo da Cinzia Aruzza para já ajudar nessa introdução, mas explica mais pra gente.

Josefina: Veja, para explicar isso, comecemos alguns anos atrás. Com a nova onda do movimento de mulheres em nível internacional, o debate teórico e estratégico no feminismo foi reativado. O que hoje conhecemos como Teoria da reprodução social começou a ser difundida um pouco mais a partir de um livro que foi publicado no ano de 2017. Este livro se chamava Social Theory Reproduction: Remapping Class, Recentering Oppression, [Teoria da reprodução social: remapeando a classe, recentralizando a opressão, editado por uma feminista marxista, a Tithi Bhattacharya, e publicado pela Pluto Press. Neste livro foram compilados vários artigos de várias teóricas feministas que se identificam como referências desta teoria da reprodução social. Além de Bhattacharya e Arruza, que você mencionou, há outras como Susan Ferguson e David McNally, por exemplo. Ainda, como vamos explicar, na realidade elas estão retomando um debate que se iniciou nos anos 1970 e início dos 1980. Outra referência muito importante é o livro de Lise Vogel, Marxism and the opression of Women: Toward a Unitary Theory [O marxismo e a opressão das mulheres: em direção a uma teoria unitária], que foi publicado em 1983 e foi reeditado em inglês há pouco tempo.

Então, como estas autoras definem a teoria da reprodução social? Tithi Bhattacharya assinala na apresentação desse livro que a teoria da reprodução social se propõe a analisar “a relação entre o trabalho feito para produzir mercadorias e o trabalho realizado para produzir as pessoas como parte da totalidade sistêmica do capitalismo.” Esta pode ser uma primeira aproximação à teoria da reprodução social. Na sociedade capitalista, há uma relação necessária entre a produção das mercadorias e a reprodução da força de trabalho, sem a qual essas mercadorias não podem ser produzidas.

Dizendo em termos mais concretos. Quando as trabalhadoras e os trabalhadores vão para a fábrica, eles produzem mercadorias com seu trabalho, que são as vestimentas, os carros, ou os sapatos. Mas, quando voltam pra casa, eles têm que se alimentar, se vestir e descansar para poder voltar ao trabalho no dia seguinte, e têm que se curar se estão doentes e se educar quando são crianças. Tudo isso implica em determinadas tarefas, ou seja, trabalhos que são necessários para a reprodução dessa força de trabalho e, portanto, para o sistema de conjunto. Uma parte importante dessas tarefas são realizadas no lar, na casa, como trabalho não remunerado, e outras tarefas são feitas fora do lar, como no hospital com enfermeiras, ou nas escolas com professoras. E, como sabemos, essas tarefas estão majoritariamente nas mãos das mulheres.

Em um quadro mais geral, podemos dizer que a teoria da reprodução social busca dar uma explicação à relação entre a exploração (que é de classe) e a opressão (neste caso, a opressão de gênero). Isto nos leva a nos questionarmos justamente qual a relação entre exploração e opressão. Ou, em outros termos, poderíamos perguntar que relação há entre o capitalismo e o que se chama de patriarcado. Isso é o que a teoria da reprodução social busca responder.

Como dizíamos antes, este debate se desenvolveu com muita força nos anos 1970, durante a segunda onda do movimento feminista. Naquele momento surgiram muitas correntes dentro do feminismo, que deram diferentes respostas a esta pergunta.

Por um lado, tivemos o feminismo radical. São as feministas que trouxeram o conceito de patriarcado e sustentaram que o patriarcado era um sistema de dominação completamente independente do capitalismo, e que era o principal eixo da opressão das mulheres, acima de qualquer outra questão. Para ser mais clara: para o feminismo radical, a divisão de classe da sociedade era secundária para pensar a opressão das mulheres. Para elas, todas as mulheres, fossem trabalhadoras precarizadas ou donas de uma empresa, eram igualmente oprimidas por todos os homens. Isto era o que afirmavam. Esta posição gerava como consequência uma política separatista no movimento, porque as feministas radicais propunham que as mulheres se organizassem em grupos exclusivamente de mulheres, e questionavam as mulheres que se organizavam em sindicatos ou em partidos políticos junto com seus companheiros trabalhadores, ou em organizações antirracistas, por exemplo. Então era uma posição que acabava sendo reacionária, dividia as pessoas oprimidas entre si e deixava de lado a luta contra o sistema capitalista. Este sistema acabava sendo naturalizado, visto como algo que não era necessário mudar.

Diana: Sim, e na realidade, pelo menos no Brasil, continua existindo essa corrente do feminismo radical, sempre com suas posições transfóbicas..

Josefina: Sim, exatamente. Aqui na Espanha este debate é muito forte. E retomando um pouco então, diante deste feminismo radical, surgiram feminismos anticapitalistas de vários tipos, que diziam que na realidade o que havia era uma relação unitária entre patriarcado e capitalismo. Que não eram sistemas independentes, mas, poderíamos dizer, diferentes aspectos de um mesmo sistema, o capitalista patriarcal.

Mais concretamente, estas teorias unitárias diziam que a questão de gênero não pode ser pensada, nem muito menos se resolver, se não lutamos também contra as relações de exploração e contra o capitalismo na sua totalidade. Isto, no plano teórico, tornou-se então uma formulação de uma análise unitária da opressão e da exploração. E como disse antes, um trabalho muito importante neste sentido é o da feminista estadunidense Lise Vigel, que o que fez foi retomar e desenvolver questões já apresentadas por Marx e Engels, e outras que não haviam sido tão analisadas previamente.

Caso tenha se interessado no debate, escute o programa na íntegra abaixo:


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