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Plínio Sampaio Jr.: "Os efeitos do Arcabouço Fiscal sobre as políticas públicas serão catastróficos"

Redação

Plínio Sampaio Jr.: "Os efeitos do Arcabouço Fiscal sobre as políticas públicas serão catastróficos"

Redação

Confira a entrevista do economista Plínio Sampaio Jr., professor aposentado do Instituto de Economia da UNICAMP e editor do site Contrapoder, sobre o Arcabouço Fiscal de Haddad e a política econômica do governo de frente ampla em tempos de crise capitalista concedida ao Ideias de Esquerda.

1- Como você avalia as política econômicas do governo atual e particularmente o chamado "arcabouço fiscal"? Quais os efeitos desse arcabouço para as áreas de educação, saúde e outros serviços públicos?

A arquitetura que orienta a política econômica do governo Lula/Alckmin é essencialmente a mesma do governo Bolsonaro. Após a terceira onda de reformas liberais, os centros internos de decisão da economia brasileira ficaram integralmente capturados pelo grande capital, internacional e nacional. O raio de liberdade de Haddad para fazer algo de muito diferente de Guedes é praticamente zero. Ambos se enquadraram integralmente aos parâmetros do Plano Real, cujo cerne é colocar a estabilidade da moeda como prioridade absoluta, garantindo, assim, o desdobramento do padrão de acumulação liberal-periférico deflagrado por Collor de Mello no início dos anos 1990 e institucionalizado por Fernando Henrique Cardoso em 1994.

Na primeira onda de reformas neoliberais, em 1994, com a liberalização financeira, o Brasil perdeu controle sobre os fluxos de capitais internacionais. Desde então, a economia brasileira ficou submetida rigidamente à disciplina implacável do padrão dólar. A estabilidade do Real ficou condicionada à entrada de recursos externos.

Depois da crise de 1998, com a implantação da Política de Metas Inflacionárias, o neoliberalismo submeteu a política monetária e cambial aos imperativos inflexíveis da estabilidade acima de tudo e subordinou a política fiscal à disciplina draconiana da Lei de Responsabilidade Fiscal. O Estado perdeu a capacidade de regular o ciclo econômico e viu sua capacidade de fazer políticas sociais sensivelmente comprometida pela necessidade de gerar megasuperávits fiscais para o pagamento dos juros da dívida pública.

Após a chegada de Michel Temer ao Planalto, o frenesi neoliberal foi levado ao paroxismo. A Lei do Teto de Gastos de Henrique Meirelles impôs o princípio do Estado mínimo como norma reitora da política econômica. A independência formal do Banco Central, sacramentada durante o governo Bolsonaro, aumentou ainda mais o poder do mercado sobre a moeda, blindando legalmente as autoridades monetárias de pressões que se originam da esfera popular.

O Novo Arcabouço Fiscal de Haddad compromete irremediavelmente a possibilidade de colocar o pobre no orçamento – a principal promessa de Lula na campanha eleitoral. As mudanças introduzidas por Haddad no regime de fiscal foram meramente instrumentais. O governo Lula aceitou docilmente a filosofia do Estado mínimo. Os efeitos sobre as políticas públicas serão catastróficos. Nesse contexto, o PAC III, anunciado com grande estardalhaço, não passa de uma peça de propaganda para simular o resgate de uma política industrial impossível de ocorrer sem mudanças que estão muito além da vontade e da possibilidade do pacto de poder que sustenta o governo de frente ampla.

2- Quais as principais diferenças que você apontaria em relação a situação econômica do governo atual em comparação com os primeiros governos de Lula? Existem mais fatores agora, em comparação com o período anterior, que podem apontar para crises e instabilidades?

Os contextos externos e internos que condicionaram os primeiros governos de Lula e o atual são completamente diferentes.

Entre 2003 e 2010, a economia mundial, puxada pelo vigoroso crescimento da China, viveu o clímax da globalização dos negócios. A economia brasileira surfou no longo boom de commodities e beneficiou-se do crédito barato propiciado pela abundância de liquidez no mercado financeiro internacional.

No terceiro governo Lula, a situação é outra. A economia mundial encontra-se prostrada. As pressões protecionistas empurram os países ricos para políticas neomercantilistas. As rivalidades nacionais desorganizam as cadeias de valor. A guerra na Ucrânia e a instabilidade no Meio Oriente colocam no horizonte a possibilidade de uma disrupção na oferta de petróleo. A crise ambiental ameaça a oferta de alimentos. As economias centrais promovem políticas monetárias restritivas, aumentando a taxa de juros e restringindo o crédito internacional. A presença de uma grande massa de excedente absoluto de capital, patente na hipertrofia de capital fictício e na generalização de capacidade ociosa, coloca a economia mundial sob o espectro de uma crise econômica e financeira de grandes proporções. A globalização liberal parece ter alcançado o limite de suas possibilidades.

O contexto interno é também radicalmente distinto. A derrota dos trabalhadores nas Jornadas de Julho de 2013 provocou uma mudança substantiva na correlação de forças e, como consequência, uma mudança qualitativa no Estado brasileiro. A Lava Jato trucidou a Nova República. As contrarreformas liberais aprofundaram o neoliberalismo, deixando a sociedade brasileira à mercê do mercado.

Enfim, a economia brasileira encontra-se no rabo do dragão da crise do sistema capitalista mundial, sem leme para enfrentar a tormenta. O crescimento está estagnado há uma década. A pobreza e a desigualdade social aumentaram assustadoramente. O avanço da barbárie deve intensificar a turbulência social e acirrar a luta de classes. Na ausência de alternativa que vá além do capital, a extrema direita tende a capitalizar a insatisfação da população.

3- Como você vê a situação estratégica da economia brasileira? É possível falar em reprimarização ou desindustrialização? O agronegócio continuará ganhando força econômica e tendo cada vez maior expressão política no regime brasileiro?

A crise terminal da industrialização por substituição de importações e a inserção subalterna da economia brasileira na ordem global desencadearam um processo de reversão neocolonial. A crise dos anos 1980 marca a divisão entre duas épocas: o fim do desenvolvimentismo subdesenvolvido e a gênese do padrão de acumulação liberal-periférico. Com a adesão do país às diretrizes de política econômica do Consenso de Washington nos governos Collor e Fernando Henrique, a dependência externa foi levada ao paroxismo. A especialização regressiva da economia brasileira na divisão internacional do trabalho tem como contrapartida a desindustrialização e a reprimarização das forças produtivas. A transformação da economia brasileira numa mega feitoria moderna desponta como distopia inscrita no movimento histórico. Daí a necessidade de um padrão de dominação à altura da necessidade de conter o potencial explosivo que significa rebaixar o nível tradicional de vida dos trabalhadores à condição de uma neoescravidão – o trabalho desqualificado, precarizado e mal remunerado que corresponde a uma economia de tipo colonial.

4- Os eventos dos últimos anos geraram grandes fraturas na chamada Nova República, como o impeachment de Dilma, passando pela eleição de Bolsonaro e a nova rearticulação da frente ampla, com peso crescente do judiciário e dos militares. Como você analisa essas transformações? Pode explicar o conceito que você vem trabalhando de crise do Estado?

O aprofundamento do padrão de acumulação liberal-periférico requer mudanças simétricas no padrão de dominação. É a contradição que condiciona, em última instância, a crise política e institucional que há uma década sacode a vida nacional. Às novas formas de exploração do trabalho correspondem novas formas de dominação da classe trabalhadora. Os segmentos da burguesia que encheram as burras nos governos do PT, basicamente o agronegócio e o extrativismo mineral, querem ampliar sua participação no pacto de poder. As instituições devem ser ajustadas às novas exigências do capital e da luta de classes.

A crise no padrão de dominação fica patente na divisão da burguesia em relação a como enfrentar a falência da Nova República. As reformas reacionárias deflagradas por Dilma Rousseff, sob os auspícios de Joaquim Levy, aprofundadas por Temer e Bolsonaro, e legitimadas por Lula, mudaram qualitativamente o Estado. A República Nova que surge dos escombros da Nova República tornou o Estado brasileiro ainda mais antissocial, antinacional e antidemocrático. Mas a República Nova ainda não encontrou sua forma institucional. A escalada da ultradireita, que é um fenômeno mundial, parece evidenciar que a crise da democracia liberal é terminal. A administração da barbárie capitalista exige formas brutais de dominação. Não há solução civilizada para os problemas dos trabalhadores por dentro do mundo do capital.


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