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ENTREVISTA (SEGUNDA PARTE) | Pietro Basso: "Marx faria uma crítica impiedosa do atual movimento sindical europeu"

Entrevistamos Pietro Basso. destacado sociólogo italiano que investiga o fenômeno das migrações internacionais. Nessa segunda e última parte da entrevista, apresentamos os blocos referentes as bases sociais da direita anti-imigrantes, as experiências de luta dos trabalhadores imigrantes, o papel dos sindicatos e a vigência do internacionalismo.

sexta-feira 9 de outubro de 2015 | 00:00

Continuando com a reflexão sobre a política europeia frente os imigrantes, você falou de uma guerra contra os imigrantes africanos e do Oriente Médio. Por que?

PB: Sim, fala-se muito dos muros e dos arames farpados que a Hungria de Orban está construindo nas suas fronteiras. Porém que outra coisa está fazendo há anos a União Européia se não construir campos de concentração para imigrantes da África e do Oriente Médio, tanto em seus confins como fora deles, introduzir navios, drones, aviões de combate, bombardeios, enormes meios financeiros para estruturas repressivas e militares como Frontex, Tritão e Posseídon [operações de segurança de fronteiras da UE]? Criaram uma coordenação cada vez mais estreitas entre as distintas polícias nacionais, generalizaram as pegada digitais, criaram bancos de dados e perfis; endureceram a própria legislação contra os imigrantes e as imigrantes, subordinando cada vez mais a regularidade de sua condição a existência de um contrato de trabalho...

Ou seja, não há como esperar mudanças na política da União Européia frente os imigrantes...

PB: Não. Se não se vê obrigada a fazer-lo por uma recuperação da luta da classe trabalhadora que saiba responsabilizar-se pelas expectativas e as necessidades dos migrantes-imigrantes, a União Européia seguirá adiante pelo mesmo caminho dos últimos vinte anos, combinando uma repressão cada vez mais sistemática e dura com a aceitação seletiva dos imigrantes. A repressão e a guerra aos migrantes-imigrantes não limita-se a só essa finalidade: serve para comprimir ao máximo as esperanças dos novos imigrantes, é e será ainda mais difícil e arriscado entrar na Europa e mais ainda quem conseguir deverá permanecer calado e dócil e aceitar o trato discriminatório que os estados e as empresas européias lhe reservam.

Uma questão política. Destacou em outras oportunidades que as migrações internacionais modificaram profundamente a composição da classe operária conduzindo-a a ser mais internacionais. Continua pensando o mesmo? Como vê o crescimento das organizações da direita anti-imigrante na Europa?

PB: A internacionalização do proletariado europeu (e mundial) é um processo de época que não pode ser freado. fruto da completa mundialização do capital e da mundialização das migrações. O capital imperialista nas metrópoles tenta tê-lo sob controle e usa-lo com a intenção de relançar o processo de acumulação através da sistemática concorrência entre os proletariados das distintas nacionalidades, e entre os proletários imigrantes instalados a mais tempo e os recém chegados. Por isso há uma permanente "agitação" contra os imigrantes. Isso se dá também porque o capital imperialista sabe bem que eles proveem de continentes de cores que se sentem em um ascenso no plano histórico quanto mais enxergam em descenso de força e legitimidade aos velhos patrões do mundo. Essa "agitação" é forte sobretudo nas frações mais débeis das classes capitalistas europeias, que sentem que lhes falta terra sob seus pés. São essas, ao meu ver, as forças sociais propulsoras, que estão por trás das organizações da direita europeia mais agressiva e violenta contra os imigrantes. Na Itália é a massa dos pequenos e pequeníssimos capitalistas padanos [do vale do rio Pó] que dá força a Liga Norte.

Porém essa "agitação" - é inútil nega-la" conseguiu e consegue apoio também entre os trabalhadores italianos e europeus que sentem sobre sua própria vida o peso da divisão para concorrência por baixo, certamente não por escolha própria, dos trabalhadores e trabalhadoras imigrantes (menos daqueles residentes a mais tempo) . O problema é como pode se sair desse medo, desta hostilidade e contraposição fratricida?

Com efeito, essa questão chave. Destacou antes a importância da auto-organização dos imigrantes. Poderia contar-nos sobre algumas experiências recentes de auto-organização?

PB: Já mencionei (ver primeira parte da entrevista) os protestos e as revoltas dos imigrantes que não tiveram medo, nas semanas anteriores, de chocar-se com a polícia e os militares em vários pontos da Europa e encontrar uma vida digna. Se simplesmente quiser-se fazer um censo desses protestas, seria realmente interminável.

Porém, limitando-me a Itália, nos últimos anos, destaco o seguinte:
1) Em uma situação de retrocesso generalizado e em desordem da classe trabalhadora, o único setor no qual os trabalhadores deram passos adiantes foram os dos grandes centros de logística no centro-norte do país, por causa das ferozes lutas encabeçadas por alguns milhares (dez ou quinze mil) trabalhadores imigrantes que estão organizados no SI-COBAS, o primeiro sindicato de base na Itália, composto na sua maioria de trabalhadores imigrantes. Sofreram todo tipo de repressão e de chantagem, porém enfrentaram sem medo e com um sentido muito forte de luta coletiva e solidariedade operária. Foram eles e seu sindicato que organizaram a única iniciativa militante e internacionalista que levou-se adiante na Itália em defesa daqueles que pedem asilo e os imigrantes em geral.

2) No campo, na região meridional em particular, na qual é normal uma condição de trabalho semi escrava, os únicos protestos e as únicas revoltas nos últimos sete ou oito meses deve-se aos trabalhadores africanos, que estão ensinando inclusive aos trabalhadores rurais italianos que deve-se voltar a luta organizada se quiser sair dessa condição. 3) Em um contexto social e institucional cada vez mais marcado por uma autoritarismo despótico, os protestos e as revoltas dos imigrantes - e só elas, até o momento - tiveram o mérito de apontar em que direção está indo a sociedade italiana, e não só a política frente os imigrantes, e mostrar que pode e deve-se resistir a essa tendência. Trata-se de pequenos exemplos em termos numéricos, mas muito significantes porque se dão em um contexto. como disse, de depressão do conflito social.

A Itália, entretanto, é algo pequeno no mundo. Seria necessário mais espaço para explanar-se a nível mundial a importância dessa auto-organização e sua força é muito evidente em dois grandes feitos do começo do século XXI: A magnífica greve geral dos imigrantes latinos (e não só latinos) que teve lugar nos Estados Unidos no 1° de Maio de 2006 e a ininterrupta cadeia de pequenas greves dos operários e dos operários migrantes internos (mingong, expulsos do campo, mas não só) nas áreas costeiras da China! Estamos falando dos Estados Unidos e da China!

Você destacou a posição de Marx sobre a questão irlandesa para pensar o posicionamento do movimeto operário sobre a questão dos imigrantes hoje. Como vê a política atual dos sindicatos europeus sobres esse tema? Que deveriam fazer as organizações sindicais dos países metropolitanos?

PB: Permito-me não ter nenhuma dúvida a respeito: Marx faria uma crítica impiedosa e em total desacordo com o atual movimento sindical europeu, sem exceções. Na crise dos últimos meses mantiveram-se em um silencio quase absoluto! Tampouco houve sinais de presença sindical nas manifestações mais cheias (penso que se fez presente em Londres no 11 de setembro, com cerca de cem mil participantes) Isso porque na Europa os sindicatos históricos estão cada vez mais subordinados a lógica da competitividade e dos interesses nacionais e empresariais, estão cada vez mais profundamente doentes de nacionalismo, e por esse motivo cada vez mais subalternos dos poderes constituídos e cada vez mais débeis. E isso, embora hajam muitos milhões de imigrantes organizados nas suas fileiras.

O que deveriam fazer organizações sindicais verdadeiramente classistas é batalhar contra qualquer forma de discriminação contra as trabalhadoras e os trabalhadores imigrantes e promover em todas os lugares a mais forte unidade, sob bases paritárias, com efetiva paridade, entre imigrantes e autóctones; sendo conscientes de que a divisão da classe trabalhadora é a principal razão da sua debilidade e sua unidade é sua única força.

Tradução: Pedro Rebucci de Melo




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