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OPINIÃO | Passaporte mexicano e uma breve introdução aos Processos de Moscou

León e Natália desembarcam a nove de janeiro de 1937 no porto de Tampico, México, após uma viagem de vários dias no navio petroleiro Ruth, o qual partira da Noruega, a 28 de dezembro de 1936*. Mesmo já em águas mexicanas, o policial facista que os acompanhou na viagem ainda mantinha o regime estabelecido por seu governo "socialista" (no poder desde 1935) e tinha em seu poder os passaportes e revólveres do casal. Passaram por volta de 18 meses no país norueguês, dos quais os últimos quatro eram mantidos, León e Natália, em cárcere privado, isolados de tudo e todos.

Raíssa CampachiCoordenadora do Centro Acadêmico de Ciências Humanas (CACH)

quarta-feira 11 de novembro de 2015 | 00:00

Plena restrição de toda liberdade, proibido de escrever para publicar em outros países, em suma, impedido do seu trabalho de teórico e publicista, de dar entrevistas, receber visitas, receber ou enviar cartas somente era possível com a permissão do Ministro de Passaportes, o qual raramente consentia; foi proibido de responder ao criminoso processo de Moscou, do qual era o protagonista.

No novo mundo, foram recebidos por representantes do governo central e local, por amigos como Frida Kahlo e Max Schatman, membro do Socialist Work Party, partido trotskista americano e também George Novak, secretário do Comitê Trotsky de Nova Yorky. Às dez da noite do mesmo dia abandonaram Tampico em direção à capital. Somente na manhã do dia 11 puderam se encontrar com Diego Rivera no hospital onde estava internado e a quem deviam sua libertação.

Como de praxe, mais uma vez, León assina o termo de não participação na vida política do país. Desde a partida da Noruega e a chegada ao México, um oceano de possibilidades que se abriam diante do velho revolucionário. Tentar viver uma vida tranquila, voltar ao seu trabalho político, o qual, mesmo com todas as censuras, nunca abandonou; a possibilidade de provar ao mundo os horrores do processo de Moscou¹, e de provar sua inocência diante de todas as calúnias e acusações mentirosas que lhe eram dirigidas. Em suas palavras, tinha agora a possibilidade de apelar para a opinião pública. A balança agora mostrava uma desvantagem para o Kremlin.

Os fuzilamentos de Moscou já eram noticiados e comentados em todo o mundo. Nos Estados Unidos e na França uma comissão foi formada para que o principal acusado e mencionado de todas as acusações que levaram à morte todos os acusados pudesse provar sua inocência e desvendar o que realmente eram e a que serviam aqueles processos.

"No processo dos dezesseis, Stalin jogou seus trunfos mais fortes: Zinoviev e Kamenev. Em sua mediocridade, vizinha da astúcia primitiva, ele contava firmemente que as "confissões" de Zinoviev e Kamenev, sancionadas por execuções, convencessem a todo o universo. Mas não foi assim. Não houve convencimento. Os mais perspicazes permanecem incrédulos. Sua incredulidade, confirmada pela crítica, se estende em círculos cada vez maiores. Os dirigentes soviéticos não podiam admití-la em caso algum: sua reputação nacional e internacional se eleva ou decai com a cotação dos processos de Moscou.[...] Era necessário um segundo processo para sancionar o primeiro, preencher as lacunas, mascarar as contradições já reveladas pela crítica." (TROTSKY, s/d, p.142, 143)

Acusados que haviam sido colaboradores de Lênin, companheiros do líder revolucionário; dirigentes revolucionários mundialmente conhecidos são acusados dos piores crimes: se proclamam assassinos, sabotadores, traidores e espiões.
"Eu não contava, evidentemente, com o efeito imediato de minhas revelações, dispondo de meios técnicos demasiado insuficientes. Meu propósito era oferecer um ponto de apoio, no domínio dos fatos, aos mais perspicazes e despertar o espírito crítico, ou, ao menos, a dúvida entre os outros. A verdade, ao conquistar a consciência dos melhores, estenderá pouco a pouco seu campo de ação." (Idem, p.135)

León estava disposto e realmente almejava por um julgamento imparcial em que pudesse falar e provar todas as mentiras sobre sua pessoa e, mais que isso, sobre sua moral e atividade revolucionária que estavam sendo bombardeadas ao mundo. Em 19 de janeiro de 37 recebeu a notícia do processo Radek-Piatakov.

"O processo Radek-Piatakov se preparava desde o mês de agosto. Como se podia prever, a base do complô estava esta vez em Oslo; tratava-se, com efeito, de facilitar ao governo norueguês minha expulsão. Mas os quadros geográficos envelhecidos foram completados rapidamente com novos elementos: por Vladimir Romm², eu teria tentado me apoderar dos segredos do governo de Washington e, por Karl Radek, tentado prover de petróleo o Japão em caso de guerra com os Estados Unidos." (Idem, p.133)

No Processo dos dezesseis, ocorrido na segunda quinzena do mês de agosto de 1936, o circo dos horrores se armava: Trotsky terrorista, com complôs contra-revolucionários em aliança com os zinovievistas; o velho revolucionário trabalhando para o imperialismo, organizando a derrubada do Estado Operário; o criador do exército vermelho em aliança com o nazismo de Hitler, com a Alemanha e a Gestapo para acabar com os sovietes e restaurar o capitalismo na União Soviética.

Informações mentirosas e forçadas, que levaram ao fuzilamento membros do Comitê Central do partido bolchevique, velhos revolucionários, dentre eles, Zinoviev e Kamenev, antigos oposicionistas da burocracia que logo voltaram para a mesma, porém sem que este fato servisse para lhes poupar a vida.

"Acusavam-se mentirosamente a si mesmos para oferecer aos governantes a possibilidade de acusar mentirosamente a outros. Stálin confiava em obrigar a humanidade a crer em crimes impossíveis." (Idem, p.134)

No processo posterior, anunciado por Moscou como "um novo processo de ’trotskistas’", uma nova geração de revolucionários: Radek e Piatakov. Teve início a 23 de janeiro e novamente o ritual das "confissões", novas barbaridades.

"Aqueles que recusam confessar o que se lhes dita são fusilados sem processo. [...] Permanecem colocados entre uma morte inevitável, certa... e uma morte mascarada com alguns vislumbres de esperança. Os homens, em tais casos, sobretudo homens encurralados, torturados, humilhados, esgotados, inclinam-se para o vislumbre e esperança..." (Idem, p.145)

Agora Trotsky enviaria missões terroristas para matar Stálin, embora o terrorismo, em tal processo, não fosse mais tão crucial quanto no primeiro; trabalharia pelo boicote na construção do país e a sabotagem das indústria, espionagem e, pasmem, tentativas de exterminação em massa de operários!

"É muito mais difícil compreender, à primeira vista, o processo Piatakov-Radek-Serebriakov [este último, também réu do processo]. No curso dos oito ou nove anos últimos anos, estes homens, os dois primeiros sobretudo, serviram sem reservas à burocracia, perseguiram a oposição, louvaram os chefes, foram, ao mesmo tempo, servidores e ornamentos do regime." (Idem, p.137)

"Piatakov foi admitido no Comitê Central e recebeu a pasta de Sub-secretário de Estado da Indústria pesada. Por sua instrução, suas aptidões, sua inteligência sistemática, a envergadura de suas concepções de organizador, sobrepassa de longe o chefe oficial da indústria pesada, [...] E eis que, em 1936, o homem que mais ou menos durante doze anos dirigiu a indústria, não revela ser na realidade mais que um "terrorista", um sabotador, um agente da Gestapo." (Idem, p.139)

O criador da Quarta Internacional tinha materiais para provar que não mantinha relações, há pelo menos dez anos, com nenhum dos acusados, que não estava aliado a eles, que não passava missão aos mesmos e que estes não eram como eram obrigados a se declarar, trotskistas. Queria provar e tinha provas, muitas lacunas estavam em aberto.

"Zinoviev e Kamenev reclamaram para si a pena de morte! Por que nada disseram do principal: a aliança dos trotskistas com o Japão e a Alemanha e do plano de desmembramento da URSS? Podiam omitir semelhantes "detalhes"? Podiam eles, que eram os líderes do pretendido "centro", ignorar o que sabiam os acusados do segundo processo, figuras de segundo plano?" (Idem, p.150)

As falsas declarações necessitavam de investigação e que esta não fosse feita pelos "amigos" soviéticos; estes já cumpriam, como convinha, tal papel nos julgamentos do processo. Será formada a Comissão Dewey³.

Notas:
* http://www.esquerdadiario.com.br/Trotsky-na-Noruega-e-o-silencio-imposto-frente-ao-processo-dos-dezesseis
¹ A 14 de agosto tem-se o comunicado oficial de Moscou sobre o começo do que viria a ser chamado de Os Processos de Moscou: agosto de 1936, janeiro de 37 e março de 38.
² Romm foi uma importante figura no processo de Radek e Piatakov, dentre outros; era uma testemunha de fatos não ocorridos e de encontros inexistentes.
³ A Comissão Dewey foi uma comissão formada na França e Estados Unidos por intelectuais imparciais e que visava analisar os documentos e cartas que atestavam a inocência de Trotsky perante as calúnias e mentiras contra ele nos Processos de Moscou.

Referência bibliográfica
TROTSKY, Leon. Os crimes de Stálin. Rio de Janeiro: Melso, s/d.


Temas

Teoria    Opinião



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