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EDUCAÇÃO | Para onde caminham as mudanças da educação paulista?

Na última semana, fomos surpreendidos com uma proposta de reorganização escolar da rede estadual de São Paulo. Por meio de uma entrevista do Secretário de Educação dada ao jornal “Bom dia São Paulo”, da Rede Globo, ficamos sabendo que a rede estadual paulista sofrerá uma significativa mudança para 2016. A forma como fomos surpreendidos já dá uma boa medida do diálogo que o governo Alckmin (PSDB) mantém com os trabalhadores da educação: nenhum. O debate sobre a reorganização escolar não foi feito entre os trabalhadores e os estudantes das escolas paulista.

Mauro SalaCampinas

terça-feira 29 de setembro de 2015 | 20:22

Mas do que se trata esse projeto?

Em linhas gerais trata-se de uma reorganização das escolas em escolas de ciclo único. A intenção é aumentar o número de escolas divididas por ciclos: Anos Iniciais do Ensino Fundamental, Anos Finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio.

O argumento do governo para tal mudança é a tendência de queda da população em idade escolar no Estado de São Paulo. Segundo a Secretaria Estadual de Educação, entre os anos de 1.998 e 2.015, a rede estadual de ensino teria perdido cerca de 2 milhões de alunos. Assim, o governo Alckmin quer "um novo modelo de escola que se adeque a queda da taxa de natalidade e a redução expressiva da população em idade escolar".

É claro que não passou pela cabeça do governador Alckmin e de seu secretário a melhoria efetiva das condições do trabalho educativo, das condições de ensino, reduzindo o número de alunos por sala de aula e reduzindo a jornada de trabalho docente (o cumprimento da jornada estabelecida na Lei do Piso já seria um bom primeiro passo!)

Mas não se trata disso. Não se trata de uma reorganização visando à melhoria da educação oferecida pela rede estadual: é antes uma reforma administrativa que visa reduzir gastos da pasta e abrir espaço para seu projeto privatista para a rede estadual.

O impacto imediato será o fechamento de salas de aulas e até mesmo de escolas inteiras. Segundo o Censo Escolar de 2.013, a rede estadual de São Paulo mantinha 5.585 escolas; agora, segundo os números divulgados pelo governo estadual, serão 1.443 escolas de ciclo único; 3.186 escolas com dois ciclos; e 479 escolas com três ciclos. Ou seja, serão 5.108 escolas mantidas pela rede estadual paulista.O que o governo pretende é eliminar as 2 milhões de vagas excedentes, mas sem alterar módulo absurdo de 35 ou 40 alunos por sala de aula e nem a jornada de trabalho excessiva dos professores.

Assim, imediatamente o que se coloca é o fechamento de centenas de escolas com tudo o que isso implica, como demissão de professores e funcionários, deslocamento de alunos, remoções, destruição do patrimônio...

Mas não se trata apenas disso: trata-se de um passo fundamental para a implementação de um projeto para a educação.

Não podemos ver essa reorganização das escolas por fora do conjunto das políticas educacionais implementadas pelo governo estadual paulista. Trata-se de uma reorganização escolar que trará uma estrutura mais adequada às políticas de responsabilização, meritocracia e privatização.

Responsabilização, Escola de tempo integral, flexibilização curricular e reorganização da rede são políticas que se complementam, apontando para um projeto privatista de educação.

A organização da rede em escolas de ciclo único irá favorecer a competição entre as escolas, classificadas pelas notas das avaliações em larga escala e seus indicadores, como o SARESP e o IDESP. A política de responsabilização – com bônus e penalização – tende a se fortalecer nesse processo.

Como os alunos terão que migrar de escola ao fim de cada ciclo, a questão da “escolha escolar” vai se colocar mais fortemente. Os alunos com mais condições culturais e econômicas vão correr para as escolas com melhores desempenhos, esvaziando ainda mais as demais. Tende a haver uma polarização maior entre as escolas, prejudicando a maioria das escolas e o conjunto da rede pública.

Mas para essas escolas com melhores desempenho nos testes não correrão apenas os alunos com melhores condições culturais e econômicas, correrão também as empresas privadas (organizações sociais, institutos “filantrópicos” e outros capitalistas cheios de “boa vontade”).

Se ampliará as Escolas de Tempo Integral e dentro delas as parcerias com a iniciativa privada. A meta do governo estadual é que 50% das escolas públicas sejam de tempo integral. Aliás, o governo é explícito em dizer que pretende fortalecer esse tipo de colaboração. No Projeto de Plano Estadual de Educação encaminhado pelo governo, podemos ver isso claramente. A estratégia 6.7, que trata do Ensino em Tempo Integral, diz: “Estimular, em regime de colaboração, a apropriação dos espaços e equipamentos públicos e privados, articulando ações entre esses e as escolas, de forma a viabilizar a extensão do tempo de permanência do aluno em atividades correlacionadas ao currículo”.

Mas para esse projeto são necessárias as escolas de ciclo único.

Nesse contexto, a flexibilização curricular vem bem a calhar, pois abre mais espaço para essas parcerias, que passam a atingir diretamente as atividades correlacionadas ao currículo. A lógica empresarial passa a ditar ainda mais a organização da escola. Não a toa, a meta 22 do Plano Estadual de Educação apresentado pelo governo, que dispõe sobre a implementação do “novo modelo de Ensino Médio, com organização curricular flexível e diversificada” assume todo o linguajar empresarial, colocando como meta para o Ensino Médio, garantir “acesso ao conhecimento como instrumento para a cidadania, o desenvolvimento de competências e habilidades necessárias ao prosseguimento de estudos e que favoreçam a empregabilidade”.

Com essa flexibilização do currículo, se poderá criar diversas novas subcategorias de professores. Além de todas as formas de contratação feitas diretamente pelo Estado, abre-se a possibilidade de, no interior das escolas estaduais, professores e educadores serem contratados via essas parcerias para “viabilizar a extensão do tempo de permanência do aluno em atividades correlacionadas ao currículo”, aumentando a terceirização nas escolas e podendo atingir até mesmo algumas funções docentes.

Além disso, nessas escolas, mesmo as contratações de professores feitas diretamente pelo Estado fortalece as políticas de meritocracia e responsabilização. Como o professor é escolhido na unidade escolar de acordo com seu perfil, ele não tem nenhuma garantia de permanência nessa unidade, que passará a se guiar cada vez mais pelo impacto das avaliações e do ranqueamento das escolas. Dessa forma se criará uma carreira docente estritamente vinculada à meritocracia e à responsabilização, ou seja, ao ganho nos resultados nas avaliações padronizadas, onde os professores que não atingirem os resultados esperados, poderão ser simplesmente remanejados da escola e/ou demitidos.

Para azeitar o funcionamento dessas engrenagens de controle, o governo de São Paulo já propôs uma nova forma de contratação e controle sobre os diretores quando definiu a realização de um estágio probatório de três anos para avaliar “o comprometimento com a comunidade escolar, responsabilidade, produtividade, assiduidade e disciplina dos novos profissionais”, ou seja, instituindo avaliação dos diretores a partir do desempenho das escolas nos testes padronizados e no seguimento disciplinado de suas políticas para a educação.

Não tem ponto fora da reta nas políticas educacionais impostas pelo governo paulista. A reorganização da escola por ciclos terá um impacto muito mais profundo do que o fechamento de centenas de escola, a demissão de milhares de trabalhadores docentes e não docentes, a destruição do patrimônio público e/ou o deslocamento de milhões de estudantes. Trata-se de se criar a organização necessária para o projeto de privatização da escola pública paulista.




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