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DEBATE DE ESTRATÉGIAS | PSOL, Syriza e a Frente de Esquerda na Argentina

Muitos companheiros do PSOL reivindicam os partidos “Syriza” na Grécia e “Podemos” no Estado Espanhol como exemplos a serem seguidos, de uma nova esquerda que foi capaz de sair da marginalidade. Entretanto, os caminhos trilhados por essa nova esquerda europeia, que inclui a capitulação de Tsipras aos ditames de Ângela Merkel, exigem como mínimo que debatamos os êxitos da Frente de Esquerda na Argentina como uma nova referência.

Daniel MatosSão Paulo | @DanielMatos1917

sábado 8 de agosto de 2015 | 00:00

Tanto o Syriza como o Podemos, apesar de se construírem com discursos antineoliberais e contra a casta, nunca lutaram pela independência política dos trabalhadores em relação à burguesia. Essa separação entre o antineoliberalismo e a luta pela independência de classe tem como objetivo deixar as portas abertas para alianças com setores burgueses prejudicados pelas políticas que favorecem o grande capital financeiro e conquistar posições na democracia burguesa independentemente do enraizamento que a esquerda adquire na classe trabalhadora e seus sindicatos.

No caso de Tsipras na Grécia, essa política levou o Syriza a formar uma coalisão de governo com um partido nacionalista burguês xenófobo. Sua utopia de barganhar uma renegociação da dívida com a União Europeia apoiando-se em outras potências competidoras da Alemanha resultou numa enorme capitulação, na qual Tsipras assumiu o papel de implementador dos ajustes preconizados pela Alemanha, assinando um acordo ainda mais neoliberal que os governos anteriores.

Esse resultado da política do Syriza não é uma fatalidade, como insistem em acreditar muitos setores de esquerda que seguem apoiando-o, por mais que critiquem o acordo recentemente assinado. As duas principais centrais sindicais do país são dirigidas majoritariamente pelo PASOK e a Nova Democracia, partidos burgueses que vinham implementando os ataques antes da eleição do Syriza. Um setor minoritário – mas importante – dos sindicatos é dirigido pelo Partido Comunista (KKE), que nas greves gerais de 2010 a 2012 teve uma linha desastrosa de mobilizar-se por separadamente, renegando a batalha de unir as fileiras da classe operária contra os ataques. O Syriza tem uma influência minoritária em funcionários públicos, mas se nega a lutar na base dos sindicatos para enraizar um programa anticapitalista na militância de milhares de trabalhadores dispostos ao combate, pré-condição para qualquer luta contra os ataques da Troika seja minimamente séria.

Outra escolha teria sido apostar na mobilização independente das massas gregas e na solidariedade internacional com os povos oprimidos em todo mundo para impor uma derrota à Alemanha. Mas, para que isso pudesse acontecer sem que o resultado fosse um caos econômico para a Grécia, provocando ainda maiores sofrimentos para o povo grego, seria necessário que existisse um partido de dezenas de milhares de trabalhadores decididos a assumir o controle da produção e dos serviços, expropriando aos grandes capitalistas e planificando a economia de acordo com os interesses da maioria da população. Uma saída de fundo para evitar que amplos setores da população caiam na miséria, que ampliando os laços de solidariedade de classe em todo o continente abriria o caminho para uma União de Repúblicas Socialistas de toda a Europa como alternativa à União Europeia capitalista.

Entretanto, esse não é um problema apenas das escolhas de Tsipras. As correntes que compõem a chamada “Plataforma de Esquerda”, apesar de criticarem o acordo assinado pela direção majoritária do partido, além de manterem-se dentro do Syriza, também não têm força orgânica na classe trabalhadora para oferecer uma perspectiva alternativa, e tampouco se propõem a conquistar essa força se ligando aos trabalhadores das bases dos sindicatos dirigidos pelo KKE. Por isso, terminam sendo incapazes de cumprir outro papel que não seja o de aconselhar Tsipras a romper com o Euro, mesmo sabendo que sem atacar os interesses dos capitalistas são os trabalhadores que vão pagar a conta. O mesmo podemos dizer sobre a frente de partidos chamada Antarzya, que apesar de estar na oposição ao governo não tem uma alternativa distinta à da Plataforma de Esquerda.

O Podemos no Estado Espanhol, apesar de não ter assumido o mesmo nível de poder que o Syriza, ao aliar-se com partidos representantes da velha política corrupta e capitalista para governar grandes cidades espanholas, jogou no lixo seu discurso “anti-casta”. Enquanto o movimento operário espanhol segue sendo esmagadoramente controlado pelos traidores do velho Partido Socialista ou os stalinistas da chamada “Esquerda Unida”, o Podemos seguirá dando passos largos no mesmo sentido que Tsipras.

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A Frente de Esquerda na Argentina como um caminho alternativo

A Frente de Esquerda e dos Trabalhadores (FIT, pelas siglas em espanhol) na Argentina, ao defender um programa anticapitalista, derruba o preconceito – amplamente estendido na esquerda – de que para “dialogar” com as ilusões das massas na democracia burguesa é necessário “vender” a ideia reformista de que é possível governar o capitalismo a serviço dos interesses da maioria explorada e oprimida. A FIT vem obtendo cerca de 5% a 10% dos votos em algumas das principais cidades do país, chegando inclusive a obter 17% dos votos na capital de um dos principais estados. Ainda que estão muito aquém do que o Syriza e o Podemos tiveram até agora, são índices muito superiores aos que o PSOL vem tendo.

Mas o que dá credibilidade a este programa é sobretudo o fato de que a Frente de Esquerda está organicamente ligada às principais lutas dos trabalhadores nos últimos anos, tem entre seus quadros os principais referentes nacionais do sindicalismo combativo, e tem como candidatos centenas de trabalhadores independentes que nas fábricas, nos serviços estratégicos e nos bairros operários uma constroem uma nova forma de militância na qual são os próprios trabalhadores que defendem um programa anticapitalista para atender às demandas do conjunto da população.

Essa qualidade distintiva da Frente de Esquerda é um aporte sobretudo do Partido de Trabalhadores Socialistas (PTS), organização irmã do MRT no país vizinho. O Partido Obrero (PO), que também integra a FIT, não possui enraizamento nas principais fábricas e serviços estratégicos do país, e tampouco possui relação orgânica com os dirigentes das principais lutas que atravessaram o país nos últimos anos. Diante dessa incapacidade, o PO busca ampliar a frente de esquerda através de acordos eleitorais com pequenos grupos populistas e caudilhos sindicais de esquerda, o que não só reproduz sua situação de impotência frente aos embates da luta de classes como reduz a possibilidade de que setores mais amplos das massas se convençam da perspectiva de transformar o programa anticapitalista da FIT em uma força material. Atualmente está em disputa qual das duas estratégias vai primar na esquerda argentina.

A fusão entre a projeção superestrutural de um programa anticapitalista e uma força social organicamente enraizada na classe trabalhadora lutando por ele é o que permite a Frente de Esquerda aparecer nas quatro paralisações nacionais que atravessaram o segundo mandato de Cristina Kirchner como uma voz independente tanto da burocracia sindical ligada ao governo como dos burocratas subordinados à oposição de direita. Uma voz minoritária mas com visibilidade nacional que defende o método de auto-organização dos trabalhadores em suas assembleias de base e um plano de luta para levar suas demandas até o final. Embrionariamente, esse é o caminho de uma esquerda que se prepara para que frente aos ataques reacionários dos capitalistas nacionais e estrangeiros exista uma força social e política capaz de fazer valer os interesses dos trabalhadores e do povo pobre, criando as condições para a luta por um governo dos trabalhadores e do povo pobre baseado em organismos de democracia dista das massas.

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As perspectivas da esquerda brasileira diante da crise do PT

Nas jornadas nacionais de luta contra os pacotes de ajuste de Dilma e as medidas reacionárias do Congresso que ocorreram nos dias 15 de abril e 29 de maio a esquerda brasileira não foi capaz de dar visibilidade em todo o país a uma alternativa de direção independente da burocracia sindical. A esquerda antigovernista, que tem em seus principais partidos o PSOL e o PSTU, foi incapaz de mostrar nacionalmente um plano de luta consequente para colocar o governo do PT em cheque. Assim, os trabalhadores continuam reféns da CUT, que tem a política de fazer mobilizações pontuais apenas para melhorar as condições de barganha com “seu” governo enquanto os ataques vão passando em forma parcelada e encoberta.

Sem criar uma força capaz de unir os setores de vanguarda dos trabalhadores com os bastiões operários que se encontram nas bases da CUT, da Força Sindical e da CTB a esquerda no Brasil não poderá cumprir um papel mais que inofensivo para o governo e a burguesia. Para reverter essa situação, o PSTU deveria mobilizar efetivamente os sindicatos e oposições sindicais que dirige para que possa ter visibilidade nacional uma política independente da burocracia sindical para unificar os setores de vanguarda com as bases das grandes centrais sindicais em ações de massas contra os ataques em curso, e o PSOL deveria colocar seu peso parlamentar para fortalecer esse plano de luta.

Se o PSOL quer realmente impedir que os ataques de Dilma e do Congresso sejam implementados e que a crise do PT não resulte em desmoralização nem seja capitalizada pela direita, é preciso rechaçar o financiamento de capitalistas a sua campanha eleitoral, as coligações com partidos burgueses e a aceitação passiva da lei de responsabilidade fiscal nos municípios que governa, assim é necessário definir um programa claramente anticapitalista para lutar contra os efeitos da crise. Defender que o PSOL siga o modelo do Syriza ou do Podemos significa reforçar essas práticas, que aproximam o PSOL do caminho trilhado pelo PT, impedindo que possa surgir um novo entusiasmo de milhares de operários que decidam ser sujeitos políticos.

É para dar essa batalha que o MRT se propõe a entrar no PSOL, para lutar pela independência política dos trabalhadores frente à burguesia, encarnando um programa anticapitalista na militância de milhares e em perspectivas dezenas de milhares de trabalhadores nas principais concentrações industriais e de serviços estratégicos do país, única forma de construir um partido de combate capaz enfrentar os desafios da revolução e da contrarrevolução. Frente às frustrações que o Syriza e o Podemos já colocam para muitos militantes de esquerda em todo o mundo, é como mínimo legítimo – senão necessário – que nos debates do Congresso do PSOL que vão se realizar até dezembro possamos debater a experiência da Frente de Esquerda na Argentina como um caminho alternativo a ser tomado como referência.




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