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Os sentidos de “A Quarta Revolução Industrial”, de Klaus Schwab

Bibi

Os sentidos de “A Quarta Revolução Industrial”, de Klaus Schwab

Bibi

Em 2016, o Fórum Econômico Mundial (Davos) em sua reunião anual teve como tema “Para dominar a Quarta Revolução Industrial” [1]. Como parte da preparação para a reunião, Klaus Schwab, economista fundador e presidente executivo do Fórum, publicou o livro “A Quarta Revolução Industrial”.

Em seu livro, partindo do afirmado na Feira Industrial de Hannover (Alemanha) em 2011, o autor defende que estaríamos passando por uma nova revolução industrial, e não apenas o aprofundamento da revolução anterior. A velocidade, a amplitude e os impactos das mudanças do atual (e inquestionável) desenvolvimento tecnológico seriam os fundamentos de sua tese.

Definindo-se como um “otimista pragmático e bebendo de fontes como autores Brynjolfsson e McAfee (dois tecno-otimistas declarados do MIT norte-americano), Schwab demostra sua empolgação com as inovações, a partir de uma extensa lista que desenvolve ao longo do livro. Os principais impulsionadores do desenvolvimento são o veículo autônomo, a impressão 3D, os novos materiais, a robótica, o desenvolvimento digital e as inovações e descobertas biológicas. Fica no imaginário de quem lê o livro um futuro das próximas década semelhante às obras cinematográficas de ficção científica.

Os desafios para o desenvolvimento da quarta revolução industrial são colocados a partir dos impactos das novas tecnologias – que será tratado mais à frente no texto – e o contexto econômico atual. Para se ter uma visão crítica sobre este último ponto será feito um resgate de algumas publicações da economista marxista e militante do PTS (Partido de los Trabajadores Socialistas) argentino, Paula Bach.

Estancamento secular e suas causas

Comecemos pelo “estancamento secular”, centro do debate econômico internacional e citado por Klaus Schwab em seu livro. O termo, desenvolvido pelo economista e ex-secretário do tesouro Norte Americano Larry Summers, é usado para se referir ao fenômeno de baixo crescimento econômico mundial que se estende desde os anos 90 e que, após a crise de 2008, com uma recuperação muito abaixo da esperada, segue com uma taxa ainda mais reduzida.

No texto Una Interpretación Marxista del Estancamento Secular [2], Bach desenvolve as contradições do capitalismo para explicar o estancamento secular e o que levou à crise de 2008. Segundo ela, a crise econômica dos anos 70, conhecida como crise do petróleo (assunto que extrapola este texto) afetou a taxa de lucro do capital, o que o fez lançar mão do neoliberalismo internacionalmente e o consequente aumento da exploração do trabalho para recuperar sua lucratividade.

A queda nos salários afetou a capacidade de consumo das massas, o que era amenizado pelo desenvolvimento do sistema financeiro e sua oferta de crédito. A crise das bolhas financeiras de 2008 colocou em cheque a capacidade de oferecer crédito e lidar com o problema de queda no consumo de massas.

Uma explicação ou um programa?

No artigo Lo que es Bueno para la Humanidad no lo es para el Capital [3] Paula expõe que para Summers e outros economistas como Krugman, a causa do estancamento secular tem dois fatores principais: o baixíssimo crescimento da produtividade do trabalho e a mudança demográfica. Segundo essa análise, o crescimento populacional deu um boom no pós segunda guerra e freou nos anos 70, ao mesmo tempo que as conquistas sociais dos “anos dourados” do capitalismo permitiu uma maior longevidade.

Isso significa que, para estes autores, existe uma escassez de mão de obra (principalmente nos países desenvolvidos) somado a uma parcela grande da população que não trabalha mais, que tem tempo livre, o que os economistas em questão veem como um grande problema para o desenvolvimento capitalista, já que teoricamente as novas gerações teriam que pagar (sendo mais exploradas diga-se de passagem) por essa parcela da população livre do trabalho.

A economista argentina levanta duas conclusões dessa nova análise: o capitalismo mostra mais uma vez que o desenvolvimento da humanidade (que se expressa nesse caso pela conquista da longevidade e do tempo livre) e o desenvolvimento do capital são antagônicos; mais do que uma busca real pelos motivos do estancamento secular, essa nova hipótese das causas soa mais como um manifesto.

Em parte, estamos vendo a aplicação do programa da reforma da previdência internacionalmente para tentar lidar com o problema demográfico, aumentando o exército industrial de reserva e reduzindo gastos com o “tempo livre” dos aposentados. A outra parte do “manifesto”, a da produtividade, é o que veremos no próximo tópico.

Crise no aumento da produtividade

Antes de seguir, é importante colocar o papel que a produtividade ocupa no funcionamento do capitalismo na teoria marxista. Bem resumidamente, para Marx em O Capital [4], o desenvolvimento da produtividade tem papel fundamental de aumentar o lucro da burguesia como um todo, porque barateia o custo de vida (trabalho necessário) da força de trabalho, o que lhe permite pagar salários menores e, como consequência, permite uma maior extração de mais valor (mais valia relativa).

Voltando a Paula Bach, em seu artigo ¿Revolución de la Robótica o Estancamiento de la Productividad? [5], a argentina aponta para uma resposta do problema a partir de colocar a polêmica dos tecno-otimistas – como Erik Brinjolfsson e Andrew MacAfee, que veem no enorme desenvolvimento tecnológico contemporâneo uma “quarta revolução industrial” em que estaríamos à beira de um boom na produtividade (como o próprio Klaus Schwab coloca), e dos tecnopessimistas – como Robert Gordon, que argumenta que as novas tecnologias têm revolucionado toda a vida menos a produtividade (“os robôs aparecem por todo o lado na imprensa, ainda que seus rastros não apareçam nos dados”).

Autores marxistas como Michael Roberts e Michel Husson, mostram a relação existente entre o baixo crescimento produtivo com o débil investimento de capital desde os anos 90, se intensificando pós-2008, assim se explicaria o porquê de o desenvolvimento tecnológico não incrementar significativamente a produtividade.

Para explicar o débil investimento de capital em desenvolvimento produtivo Paula desenvolve ao longo do texto ¿Revolución de la robótica...? (segunda entrega) [6] que a lucratividade obtida por esse tipo de investimento tem sido muito baixa e, vale lembrar, para o capitalista a sua crescente lucratividade é o centro de seu interesse, como aponta Eric Hobsbawm [7], o próprio desenvolvimento da indústria têxtil na primeira revolução industrial se deu pelo enorme potencial lucrativo que esta prometia.

Resumidamente, os motivos de tal fenômeno podem ser encontrados na própria crise capitalista, como a escassez de mercado – “é preciso que existam mercados e aqui voltamos a tropeçar com a contradição fundamental da automação: quem vai comprar as mercadorias produzidas pelos robôs?” aponta Husson – e a escassez de ramos para investimentos produtivos em termos de mais valia.

O discurso positivo da tecnologia

Com essa breve síntese de alguns debates abertos por Paula Bach em artigos publicados no diário eletrônico La Izquierda Diario (no qual os possíveis problemas são fruto dos limites do entendimento do próprio autor deste texto) é possível ter um panorama do contexto econômico em que o livro de Klaus Schwab foi escrito e uma visão crítica sobre a publicação e o seu sentido.

O principal elemento que tal síntese nos permite discorrer é, colocado pelo próprio escritor, a preocupação em criar um discurso positivo para o desenvolvimento tecnológico. Uma hipótese do possível motivo para tal preocupação não é difícil de imaginar, pensando que o autor é alemão (seu país natal é um polo industrial e de tecnologia de ponta) e que a publicação foi feita para a reunião do fórum em que se concentra a elite econômica mundial: incentivar o investimento de capital em tecnologia e produtividade como uma saída burguesa para a crise capitalista que coloque o país europeu no centro, especulando o potencial futuro de tal investimento.

Chama a atenção que o próprio livro é carregado das contradições da visão dos “tecno-otimistas”, pois no enorme leque de invocações tecnológicas descritas, pouco se diz sobre melhoramento de processos produtivos, que remete ao aumento da produtividade, e o que mais se mostra são potenciais novas mercadorias tecnológicas e seu impacto na sociedade.

É importante ressaltar que Schwab foi parcialmente bem-sucedido em sua intenção, pois este “discurso positivo” é hoje usado amplamente desde as feiras industriais e tecnológicas até em cursos técnicos profissionalizantes, apesar de que não foi capaz de reverter o quadro de baixo investimento.

Impactos sociais e discurso positivo

Aqui voltaremos ao outro elemento que, como foi colocado no início do texto, é um dos desafios para o desenvolvimento da quarta revolução industrial: os impactos sociais do uso das novas tecnologias.

Ao longo da leitura do livro chama a atenção a quantidade de passagens que fazem referência aos impactos negativos do desenvolvimento tecnológico como aumento do desemprego, da precarização e desregulamentação do trabalho e da perda de propósito no emprego (utilizando Karl Marx para explicar o conceito de alienação). Interessante que não coloca como possibilidade de que automação e a Inteligência Artificial (IA) vão acabar com o trabalho. O que fica claro é que: o que está ameaçado é o trabalho como conhecemos, formal e estável.

Aqui vale retomar uma passagem do artigo La Conspiración de los Robots [8] quando Paula, criticando os que defendem o fim do trabalho, afirma: “O problema é que talvez o que [Robert] Gordon chama de ’pessimismo’ dos otimistas seja na verdade reflexo de um ceticismo profundo a respeito das possibilidades do capital, transformado em arma de amedrontamento dirigida contra os trabalhadores.”

Ainda que Schwab não defenda o fim do trabalho, essa passagem se encaixa com o autor, se considerado que no livro existe um exagero no potencial a curto prazo da possibilidade de substituição da mão de obra pela automação e novas tecnologias IA, por fora de encarar o problema de falta de investimento de capital e a crise.

A isso se soma o fato de que as novas tecnologias em si mesmas não causam desemprego e precarização do trabalho, e sim uma burguesia que a utiliza para, tentando manter sua margem de lucro durante a crise capitalista, aumentar a exploração do trabalho e a extração de mais-valor.

Com essas reflexões em mente é possível chegar à conclusão de um segundo motivo do porque o autor se preocupou em criar um discurso positivo para a tecnologia: para que esse discurso sirva para justificar os ataques aos trabalhadores, tirando a culpa dos capitalistas passando a serem vistos como processo natural do desenvolvimento, fruto do progresso econômico e tecnológico. Não à toa esse discurso, como dito anteriormente, passou a ser utilizado pela patronal, pela grande mídia e nos cursos de ensino profissionalizante.

Preocupação com a luta de classes

Também salta aos olhos a quantidade de passagens em que o autor de “A Quarta Revolução Industrial” se preocupa com as reações aos impactos causados por tais ataques aos trabalhadores por meio do uso de novas tecnologias. No trecho a seguir, Schwab mostra não só seu espirito de classe, mas também reflete um ceticismo em relação a capacidade da burguesia em manter sua hegemonia.

Estou bem ciente [...] de como alguns dos seus efeitos distributivos podem favorecer o capital sobre o trabalho e também espremer os salários (e, portanto, o consumo) [...] A produtividade é o determinante mais importante para o crescimento de longo prazo e padrões de vida crescentes; sua ausência se mantida durante toda a quarta revolução industrial, significa que teremos menos destes dois últimos. [...] as pessoas estão hoje muito mais conscientes e sensíveis às injustiças sociais e às discrepâncias das condições de vida entre diferentes países. A menos que os líderes dos setores público e privado assegurem aos cidadãos que eles estão realizando boas estratégias para melhorar a vida dos povos, a agitação social, a migração em massa e o extremismo violento poderão ser intensificados, criando, dessa forma, riscos para os países em qualquer fase de desenvolvimento. É fundamental que as pessoas acreditem que seu trabalho é importante para oferecer suporte a si mesmas e às suas famílias, mas o que acontecerá se houver demanda insuficiente de trabalho, ou se as competências disponíveis deixarem de coincidir com as demandas?[...] um mundo do “precariado”, uma classe social de trabalhadores que se desloca de tarefa em tarefa para conseguir se sustentar enquanto perde seus direitos trabalhistas, ganhos das negociações coletivas e segurança no trabalho –, será que isso criaria uma grande fonte de agitação social e instabilidade política?

Não à toa o presidente do Fórum de Davos escreve suas preocupações para a reunião da elite econômica mundial. Em 2016, quando foi escrito, já tinham se passado 8 anos da crise de 2008 (que segue até hoje) e se mostrado que a relativa estabilidade burguesa do neoliberalismo havia acabado (o que a corrente política “Fração Trotskista” caracterizou como “fim do período de restauração burguesa”).

Nesses oito anos, novos fenômenos políticos e de luta de classes surgiram, como a primavera árabe, resistência aos planos de austeridade na Grécia, movimento de massas em junho de 2013 no Brasil, ebulições na Espanha, Occupy Wall Street no coração do capitalismo, crise orgânica (crise da hegemonia burguesa) generalizada criando fenômenos de extrema direita – Bolsonaro no Brasil, Trump nos EUA, Le Pen na França, dentre outros – e de neoreformismos (PSOL no Brasil, Podemos na Espanha, Corbyn no Reino Unido, Syriza na Grécia, e Sanders nos EUA – e um despertar internacional da juventude, como por exemplo a juventude socialista do DSA norte-americano (corrente interna do Partido Democrata).

Algumas linhas escritas no livro podem ser associadas à crise orgânica internacional, pois descrevem os fenômenos gerados pelas novas tecnologias de comunicação, principalmente as redes sociais que “empoderam” os cidadãos, dando maior possibilidade de comunicação, expressão, organização ao mesmo tempo em que os “desempoderam” pois aumenta a sensação de exclusão dos processos decisórios tradicionais (sistema democrático burguês, com suas instituições). Ainda que seja verdade o papel que cumprem as redes sociais para canalizar e expressar a crise orgânica, da forma como foi escrita, a responsabilidade de tal fenômeno novamente é tirada da crise do capitalismo (que nem é citada nesse momento) e transferida para o desenvolvimento tecnológico.

O contemporâneo despertar mundial da juventude também pode ser associado a partes do livro. Ao tratar do problema da redução do sentimento de propósito no trabalho, citando a categoria de alienação de Karl Marx (como dito anteriormente), Schwab escreve a significativa passagem: “Este é particularmente o caso da geração mais jovem, que costuma ver os empregos corporativos como algo que restringe sua capacidade de encontrar significado e propósito na vida”. Faltou colocar que o motivo novamente não está no desenvolvimento tecnológico e sim na perda de esperança da nova geração em um futuro minimamente digno.

Talvez essas preocupações do autor tenham antecipado o recente fenômeno de ativismo de jovens trabalhadores nos EUA e o retorno da luta de classes na França com os coletes amarelos, no Haiti, no Líbano e mais recentemente na América Latina com levantes no Chile e no Equador.

Os limites da visão burguesa

Schwab, com o carregado otimismo que lhe próprio, termina o livro da seguinte forma:

[...] Acredito firmemente que a nova era tecnológica [...] poderá dar início a um novo renascimento cultural que permitirá que nos sintamos parte de algo muito maior do que nós mesmos – uma verdadeira civilização global. A Quarta Revolução poderá robotizar a humanidade e, portanto, comprometer as nossas fontes tradicionais de significado – trabalho, comunidade, família e identidade. Ou, então, podemos usá-la [...] para elevar a humanidade a uma nova consciência coletiva e moral, baseada em um senso de destino comum. Cabe a todos nós garantir a ocorrência desse segundo cenário.

A interrogação que fica é a de que forma o desenvolvimento tecnológico elevará a humanidade, já que nas quase 160 páginas do livro pouco ou nada diz sobre uma potencial melhora de vida das massas – pelo contrário, se diz preocupado com os impactos negativos e coloca a longevidade como um problema econômico.

Ao tratar dos autores que teorizam sobre o desenvolvimento tecnológico contemporâneo, Paula Bach faz a seguinte observação:

[...] a humanidade será capaz de por a seu serviço um produto de tal inteligência coletiva? Será capaz de reduzir o tempo de trabalho cinzento e cotidiano a médio ou ainda a longo prazo? De quantas horas seria uma jornada de trabalho média tendo em conta a ajuda deste eventual “exército de robôs”? De 6? De 4 horas? De 3, de 2? Será capaz a humanidade de criar as máquinas que permitam às amplas maiorias conquistar o tempo livre necessário para desenvolver a imaginação, a criatividade, a arte, a ciência? Parece estranho, mas ninguém [..] formula essas humildes interrogações.

Porque não o fazem? Por que estão comprometidos com o ponto de vista do interesse burguês, e Schwab, presidente e fundador do Fórum de Davos, não é diferente. Seu horizonte futuro e limite imaginário estão restritos à sociedade capitalista, suas leis e contradições, o que se aplica à forma como esperam ou que acham que deva ser usado o desenvolvimento tecnológico.

Portanto, no fundo, o centro de suas preocupações está em como o uso tecnológico aumentará a lucratividade de uma classe a partir das transformações sociais que podem causar e não em como essas podem desenvolver de fato a humanidade e como aplicá-las para cumprir esse objetivo. Na apresentação do seu novo livro “Riqueza e miséria do trabalho no Brasil IV [9], Ricardo Antunes afirma:

A imbricação existente entre financeirização da economia, neoliberalismo exacerbado e reestruturação permanente do capital deflagrou recentemente a autodeterminada indústria 4.0, concebida e conduzida pelos países capitalistas centrais com a intenção de intensificar ao limite as tecnologias digitais no ampliado mundo da produção [...], concebidos e desenhados pelas corporações com o objetivo precípuo de valorizar o capital. Tudo o mais, apesar do palavrório, é muito secundário.

Ser otimista com o potencial que o desenvolvimento tecnológico pode oferecer para a humanidade, por fora de um ponto de vista da classe trabalhadora é impossível. Isso significa assumir uma crítica radical ao capitalismo e a defesa de uma nova sociedade: “de cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, de acordo com sua necessidade” [10].


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