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OPINIÃO | Os primeiros 20 dias do governo Temer: crise econômica, política e possibilidade de crise orgânica

Nem o mais pessimista entre os articulistas e colunistas, jornalistas e comentadores políticos brasileiros que de forma desavergonhada apoiaram o reacionário impeachment poderiam esperar um começo tão profundamente problemático para o governo Temer.

segunda-feira 6 de junho de 2016 | Edição do dia

Um governo que já começava sem grande legitimidade mesmo dentro dos parâmetros da democracia burguesa, pois não contava com o respaldo que dá o sufrágio universal para a legitimação da dominação dentro na democracia dos ricos, enfrenta logo em seu inicio uma onda de crises politicas que em menos de 20 dias foi capaz de derrubar dois ministros, um dos quais era o principal articulador do governo, Romero Jucá. A esperança de legitimidade que buscava construir Temer para sua presidência interina, a partir de um discurso de que esse deveria ser um governo de conciliação nacional, após os anos de corrupção e “trevas” do petismo (um "relato" que apenas os setores mais reacionários ou desinformados da sociedade podiam compartilhar) se desfez com uma velocidade inesperada mesmo para os mais céticos em relação ao novo governo.

E a queda dos ministros por conta do vazamento das gravações feitas pelo ex presidente da Transpetro-Sérgio Machado é apenas o caso mais estridente de um governo que não conseguiu ainda dar nenhum passo decidido rumo a sua estabilização.

Esse aprofundamento da crise politica no marco de um aprofundamento da crise econômica, com desemprego, inflação, falências na indústria, pode ser um fator que desencadeie de forma ainda mais aguda os elementos da luta de classes já existentes no país.

Todo o ultimo período, com os debates em torno do impeachment, foi de politização em todos os setores da sociedade, partindo de um patamar já de politização maior desde junho de 2013.

Uma crise mais profunda do governo já contestado de Temer pode ser o iniciador de momentos mais agudos de conflitos sociais.

Isso porque Temer ainda não mostrou a que veio e a única forma desse governo se legitimar para o setor da patronal que o colocou ali é cumprindo o papel que lhe foi dado e pelo qual manobra tão arriscada quanto o impeachment foi realizada: atacar profundamente os trabalhadores.

Mas conseguirá um governo tão ilegítimo e contestado, sem o respaldo popular garantido pelo voto, e com começo tão crítico, atacar de forma contundente e direta os trabalhadores?

Quase certamente os ataques por parte de um governo assim levarão a uma maior resistência, o que é elemento de aprofundamento da crise por que passa o regime de conjunto, pelo menos de forma germinal.

Isso coloca a patronal numa encruzilhada, que parece aprofundar ainda mais a crise politica e pode levar a uma efetiva crise orgânica da dominação burguesa.

VAZAMENTO DOS ÁUDIOS, PLANO ORQUESTRADO OU DISPUTA E CONFUSÃO ENTRE SETORES DA PATRONAL?

Um dos grandes riscos que corremos ao analisar uma realidade dinâmica e contraditória como a vivida no Brasil nos últimos meses, com reviravoltas de conjuntura praticamente diárias, é pensar que cada uma dessas reviravoltas, cada uma dessas crises, faz parte de um plano meticulosamente traçado por setores patronais, plano cujos objetivos são inacessíveis para nós.

As classes subalternas são educadas a acreditar na onipotência e onisciência dos setores dominantes, que sempre se moveriam com uma particular racionalidade.

Essa visão é parte da hipnose e alienação ideológica a que somos submetidos. Se é evidente que não devemos subestimar nossos inimigos de classe, pois isso e grave erro no campo de batalha, também não devemos superestimá-los.

A burguesia nacional deu tamanhas provas de mesquinhes e pequeneza, de incapacidade de forjar um projeto de pais, projetou como lideranças figuras tão grotescas quanto Eduardo Cunha e Michel Temer, Aécio Neves e Renan Calheiros, figuras de uma mediocridade tão gritante e evidente, que choca mesmo os meios de comunicação da mídia imperialista, que ver nela hoje uma classe capaz de grandes planos sobre como resolver a crise politica pode ser profundo equívoco.

O vazamento dos áudios que derrubaram dois ministros e jogam o governo reacionário de Temer em importante crise não parecem assim ser parte de um plano orquestrado, mas ao contrário, parte da confusão que parece reinar no campo inimigo.

Os diferentes setores e frações burguesas, através da mídia, do judiciário, de seus partidos, parecem não ter um rumo e um efetivo plano de como estabilizar o país.

As pressões internas e externas contra o novo governo, a tentativa de setores da burguesia capitalista de responder a essas pressões e construir uma nova configuração para sua hegemonia de classe, não mais baseada no populismo sui generis petista, mas num discurso contra a corrupção, tão caro à direita, parece ter mostrado não só fissuras, mas rachaduras profundas desde um primeiro momento.

Isso porque para construir esse "relato" contra a corrupção os setores burgueses contaram com personagens muito pouco propícios. Eduardo Cunha, Michel Temer e consortes são pouco adaptados mesmo para representar e vestir máscaras nesses papéis.

Sergio Moro, a figura talvez mais adaptada a cumprir o papel, pelo menos aparentemente, além de não ser politico de profissão é uma figura com pouco carisma para exercer o papel de figura pública burguesa, como se pode ver em falas publicas suas apos o impeachment, quando o personagem antes coadjuvante foi alçado ao centro do palco.

É essa disputa para reconfigurar a hegemonia burguesa, apos 13 anos de petismo, em que os papeis ainda não foram bem distribuídos e as disputas ainda são muito latentes o que explica a crise do governo Temer e não um plano inacessível orquestrado na penumbra.

“FORA TEMER” E UM POSSÍVEL FORTALECIMENTO DO PETISMO

Essas crises por que passa o governo Temer em seu inicio tendem a fortalecer e desenvolver um possível movimento “Fora Temer” que deu seus primeiros sinais logo nos dias apos a aprovação do impeachment no senado.

Movimento muito legitimo e do qual certamente os trabalhadores conscientes podem e devem participar.

Contudo devemos ter claro que um possível fortalecimento do movimento “Fora Temer” encerra uma serie de contradições. A principal é que esse movimento pode ser uma plataforma para uma relegitimação do petismo, profundamente golpeado com o impeachment.

O começo do governo Temer foi particularmente importante para o petismo.Com a derrota no processo de impeachment e a deslegitimação consequente do partido justificavam-se as piores projeções para o futuro do PT, um enfraquecimento brutal da legenda, inclusive uma possibilidade de colapso e explosão. As crises que de imediato afetam o governo interino, as demonstrações materiais do que todos já sabiam, que o impeachment foi uma conspiração para substituir um esquema de corrupção por outro, dão bastante margem para o discurso petista de vitimização e buscar se mostrar (mais uma vez) como partido diferente, que teve que ser afastado porque lutava por direitos sociais e (pasmem) contra a corrupção.

Se devemos participar de um possível movimento “Fora Temer”, inclusive em frente única com o PT, caso por pressão de massas e por oportunismo os petistas busquem se ligar a esse movimento, devemos ter claro esse perigo e ter total independência em relação a esse partido.

O discurso de um possível “Volta Dilma”, de que esse movimento deve ter como norte a derrubada do processo do impeachment na nova votação do senado, deve ser afastado como grande capitulação e como forma de relegitimar o regime “democrático” burguês em crise.

O petismo mesmo nos momentos mais massivos de mobilização contra o impeachment e em todos os dias após sua aprovação no senado vem buscado se mostrar uma oposição "responsável", vem prometendo "não incendiar o país", como forma de se mostrar mais uma vez para patronal como pilar essencial do regime, como cartada principal dos capitalistas para pacificar o movimento de massas. Num movimento que pode se tornar massivo como um possível ‘Fora Temer’ o petismo certamente irá se envolver, diretamente ou através de seus satélites nos movimentos sociais, como forma de desviar o processo para dentro de marcos aceitáveis para a patronal.

UM AUSENTE EM TODO PROCESSO, O PSOL

Ate agora um grande ausente em toda trama que se desenrola em torno do impeachment é o Psol. Para aqueles que pensavam que esse partido se desenvolveria como uma espécie de Siryza ou PODEMOS brasileiro, aproveitando a crise politica para se tornar um partido de massas, essa expectativa foi totalmente frustrada.

Em todo processo do impeachment quem pode lembrar alguma posição política de uma figura do Psol, alguma ação desse partido, que deva ser parte importante da trama que se desenvolveu até aqui?

O partido não conseguiu sequer ocupar um papel coadjuvante, sendo antes um figurante em todo processo. A única ação que pode ser lembrada feita por um membro dessa legenda até aqui foi a muito legitima cusparada de Jean Willys em Bolsonaro no dia da votação do impeachment na câmara.

Pouco para um partido que poderia se pretender se tornar um grupo de peso coma crise politica que afeta todo o regime.

AS POSSIBILIDADES DE UMA CRISE DE REGIME

Cada vez mais se tornam possíveis enfrentamentos mais agudos da luta de classes no Brasil, não só os enfrentamentos importantes mas parciais que vivemos durante a etapa de restauração burguesa, mas efetivos enfrentamentos mais agudos, onde massas da classe trabalhadora e juventude se choquem de forma mais direta com o estado burguês.

O exemplo francês deve ser meditado com bastante profundidade pela esquerda brasileira. Lá também um profundo ataque aos direitos trabalhistas levou a uma profunda resistência popular que começou com a juventude, mas logo se espraiou para o conjunto da classe trabalhadora.

Se a situação francesa é bem mais avançada e profunda que a brasileira os ataques que devem vir e o aprofundamento da crise econômica devem ser fatores capazes de influenciar ainda mais na mobilização de nossa juventude e dos trabalhadores, que estão longe de estar numa situação de passividade.

A conjunção desses fatores (crise econômica, ataques patronais, mobilização da juventude e dos trabalhadores) no marco de um governo frágil e que se fragiliza mais e mais a cada instante podem e tendem a aprofundar rapidamente a luta de classe no Brasil.

É para essa situação que devem se preparar os revolucionários.




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