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Os limites da estratégia do impeachment frente à ofensiva neoliberal

A via institucional do impeachment mostra, mais uma vez, os limites que não consegue ultrapassar para qualquer enfrentamento ao avanço da política neoliberal, das privatizações e destruição de serviços públicos essenciais, como o SUS. Somente a luta por uma resposta da classe trabalhadora pode impedir a atual deterioração da qualidade de vida e dar saída para a crise econômica e social.

quinta-feira 29 de abril de 2021 | Edição do dia

Raul Spinassé - 8.mar.21/Folhapress

"O Estado quebrou". Está é a expressão que volta e meia retorna nos discursos de ataques à população, evidentemente exaltada pelo neoliberalismo. Bolsonaro, para destacar, já a usou em variadas declarações sobre os rumos do auxílio emergencial, como o "Brasil está quebrado", para potencializar sua política negacionista, estimulando sua base, que confronta as escassas políticas de isolamento de governadores, incentivando o retorno imediato de todos trabalhadores a seus postos com ainda maior exposição, agradando o setor do empresariado que o sustenta. Porém, o que nos interessa aqui é que essa consigna marcou a última declaração de Paulo Guedes durante a reunião do Conselho de Saúde Complementar.

"O Estado quebrou", diz ele. "Todo mundo vai procurar serviço público, e não há capacidade instalada no setor público para isso. Vai ser impossível"

Se, num primeiro plano parece que o ministro se refere à saúde correlacionando com suposta "quebra estatal", sua posição está muito mais direcionada ao conjunto dos serviços e direitos sociais públicos. Guedes fez questão de recolocar como centro de gravidade os ataques às condições mínimas que garantem qualidade de vida para a população, como é o caso da previdência social e do acesso ao atendimento público de saúde. Ora, como banqueiro e fundador do BTG Pactual, responsável pela administração de 1,130 bilhões de dólares dos aposentados chilenos, lhe interessa muito a previdência privatizada. Em suas palavras "Todo mundo quer viver 100 anos, 120, 130 [anos]" e "não há capacidade de investimento para que o estado consiga acompanhar", isto é, no seu raciocínio, seria inevitável que ao longo dos anos, com a maior expectativa de vida da população, o Estado seria incapaz de satisfazer a demanda na Saúde e aí que se funda o argumento para ataques:

"Setor público não vai conseguir acompanhar a questão da saúde. Setor privado é a solução"

Guedes é a imagem mais transparente da burguesia e seu ódio contra os trabalhadores. Não por acaso sua declaração aparece agora, no momento mais dramático da pandemia no país, no qual se registra 400 mil mortos, em um cenário de pobreza para mais 19 milhões de pessoas que vivem sob a fome e segue-se outras centenas de milhares expostas dia-a-dia em transportes lotados, vivendo em regiões que sequer chega o saneamento básico para manter mínimos cuidados higiênicos, fruto de décadas de descaso. A pandemia escancarou que são as mulheres e os trabalhadores negros que mais morrem nas filas de hospitais, sobre suas costas foi descarregada a crise que deixou faltar oxigênio, leitos, testes, auxilio emergencial e manutenção dos empregos, que a gestão de Bolsonaro, dos militares, com Pazzuelo na direção ministerial e governadores é a responsável.

A "quebra" do Estado, no entanto, merece atenção. Partindo da lei de Teto de Gastos, aprovada durante o governo golpista de Temer, somente em 2019 foram mais de R$ 9 bilhões arrancados da saúde pública, lembrando que sua validade é por 20 anos e, ao longo do tempo, a tendência é dos cortes nos setores públicos aumentarem. Por outro lado, a reforma da previdência, aclamada por Guedes e passada em 2019, não incluiu a casta privilegiada de militares e do judiciário, lembrando que, por exemplo, segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o gasto mensal com cada juiz no Brasil, da ativa e aposentados, é de R$ 47.703. Além disso, as altas patentes militares, beneficiadas por Bolsonaro, ocupam hoje mais postos no governo do que na Ditadura, além do exército ter se tornado a "grande empreiteira" nacional, aproveitando das regalias com whiskies 12 anos e os enormes auxílios dos gastos militares. Por sua vez, a reforma trabalhista aumentou a precarização dos postos de trabalho, a informalidade e isentou os empresários do "encargos" com uma profunda retirada de direitos. Bem, parece que o crash de Guedes só ficou na conta dos trabalhadores.

A ausência de combate na política do impeachment e o caminho da esquerda

Na última sexta-feira, 150 partidários se reuniram para apresentar um super-impeachment, como chamam. Lá estava ex-bolsonaristas que se elegeram com uma campanha de ódio contra as mulheres, a esquerda e os trabalhadores. É o caso de Alexandre Frota (PSDB-SP), Joice Hasselmann (PSL-SP) e Kim Kataguiri (DEM-SP), os grandes defensores das últimas reformas e reacionários que defendem o "escola sem partido", apoiaram o golpe e atacam direitos como a legalização do aborto. Mas também tem a "ala esquerda". Do PT, Gleisi Hoffmann, e a líder da bancada do PSOL na Câmara, a deputada Taliria Petrone (RJ), Marcelo Freixo (PSOL-RJ), Fernanda Melchionna (PSOL-RS) e Zé Maria (PSTU).

Como já viemos discutindo, em que pese com as posições do PSOL, o impeachment é uma saída que retiraria Bolsonaro para colocar Mourão no poder, o general que todo ano faz questão de exaltar o golpe militar de 64 e que afirma não existir racismo no país, um racista por excelência. E como a própria Joice Hasselman disse, a unificação em torno do pedido de impeachment tem que ser “suprapartidária” e “supra-ideológica”. Isto é, nesse vale-tudo, o que importa é manter o regime como está e remover o presidente do trono. O regime que aplicou o golpe de 2016, contando com o STF, abrindo espaço para o autoritarismo judicial e as decisões sobre os rumos do país, os militares e o Congresso, regime este que foi e continua sendo o responsável pelos imensos ataques contra a população pobre e a consequente crise econômica que apenas se ampliou com a sanitária.

A ofensiva da política neoliberal que começou por meio de Temer está longe de se esgotar em Guedes e a estratégia do impeachment deixaria intacta a atual equipe econômica, podendo inclusive avançar sobre a privatização dos Correios e, que não se descarta, incorrer em um nova reforma da previdência, como são os planos futuros sempre anunciados pelo ministro da economia.

Toda a riqueza nacional produzido seria lançada, da mesma forma, para o pagamento da dívida pública que estrangula decisivos investimentos em educação e saúde, servindo tão somente ao capital financeiro internacional para submeter o país ao subdesenvolvimento e dependência. O montante desviado da saúde e seguridade social para pagar a dívida pública de 2005 a 2018 foi R$1,12 trilhão, que financiariam 1,3 milhão de leitos de UTI [1]. A imensidão de jovens trabalhando em longas jornadas e sem quaisquer direitos nas plataformas de serviços, como Rappi e Ifood, seriam mantidos pela vigente reforma trabalhista.

Como destaca Guedes, "você é pobre, você tá doente, tá aqui seu ’voucher’". Distribuir "vales" para a população se tratar em sistemas privados de saúde para fortalecer os grandes monopólios, como Albert Einstein, ou o Sírio Libanês, nos quais os pobres jamais colocarão os pés, e caminhar na destruição integral do SUS.

Contra essa ofensiva somente uma resposta da classe trabalhadora esta à altura. É urgente que as centrais sindicais saiam da paralisia e que unifiquem os pontos isolados de resistência para dar uma resposta efetiva contra os ataques, tomemos como exemplo a luta contra as demissões da Ford e da trabalhadoras da LG de Taubaté, unificando terceirizados e efetivos por plenos direitos e contra o fechamento das fábricas. Sem qualquer ilusão na espera por 2022 e uma saída eleitoral para a crise, como prega o PT, é preciso fortalecer a unidade de nossa classe para enfrentar a ofensiva neoliberal, e derrotar todas as reformas aplicadas até aqui, assim como fizeram os portuários chilenos na forte greve bloqueando a cadeia de exportação da economia naciona, vencendo Piñera e os resquícios pinochetistas, estilhaçando a vitrine do neoliberalismo latino americano que Guedes tanto se apoia.

[1] Para realizar este cálculo utilizamos os dados disponibilizados na Análise da Seguridade Social publicada pela ANFIP de 2019 para a DRU, bem como o investimento realizado para a construção do Hospital Fio Cruz do Rio de Janeiro de R$ 100 milhões e 120 leitos de UTI.




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