×

A CONCENTRAÇÃO DE CAPITAL NO CAMPO BRASILEIRO | Os gigantes brasileiros do agronegócio na ofensiva

Juan ChingoParis | @JuanChingoFT

sábado 28 de março de 2015 | 00:01

No começo da semana já tinha chamado a atenção a aquisição da histórica empresa italiana de pneus Pirelli pela gigante estatal China National Chemila Corp (ChemChina), pelo valor de 7,1 bilhões de euros. Desse modo, a empresa asiática assume o controle do quinto maior fabricante de pneus no mundo. Mas os grandes grupos brasileiros do agronegócio não ficaram para trás: na última quinta-feira, foi confirmado que a 3G Capital fechou um acordo para a compra da Kraft Foods Group, gigante americano da alimentação, avaliado em 36,5 bilhões de euros.

A Kraft Foods sofrerá uma fusão com a Heinz para criar a terceira maior empresa de alimentação na América do Norte e a quinta maior no mundo. A operação tem a assinatura do investidor brasileiro Jorge Paulo Lemann e do americano Warren Buffet. Há dois anos, estes dois investidores assumiram a marca de ketchup com a qual foram protagonistas, o que tinha sido até então a maior compra na história da indústria.

Agora os dois magnatas dão um novo salto buscando utilizar a plataforma de distribuição internacional da Heinz para expandir os produtos da Kraft, ainda muito dependentes dos mercados norte-americano e canadense. A nova companhia será conhecida como Kraft Heinz Company. O negócio conjunto gerará uma receita anual de US$ 28 bilhões, metade do faturamento da PepsiCo. Na carteira de produtos haverá oito marcas com um valor superior a um bilhão de dólares cada, e cinco que superam 500 milhões. A empresa terá uma presença muito forte nas estantes dos supermercados e também nos restaurantes.

O novo grupo terá um valor de 100 bilhões de dólares, com sua dívida inclusa. Trata-se da mais importante operação de fusão e aquisição no ano, marca de outro passo na conquista da indústria estadunidense de alimentação por um grupo de capital de risco brasileiro.

De sua sede no Brasil, a 3G se converteu em um grande ator no mundo das marcas de alimentos. Seu co-fundador, o bilionário brasileiro Jorge Paulo Lemann foi um dos principais acionistas da cervejaria InBev, empresa belgo-brasileira que adquiriu sua concorrente Anheuser-Busch por 70 dólares a ação (totalizando 52 bilhões de dólares). A companhia que resultou desta aquisição assumiu o nome de Anheur-Busch Inbev (AB In Bev), é líder mundial na indústria tendo marcas como a Budweiser, Corona, Leffe, Stella Artois além de marcas locais como Brahma ou Quilmes. Lemann é um dos acionistas majoritários deste conglomerado cervejeiro e é considerado a pessoa mais rica do Brasil. Com a 3G junto a dois outros empresários brasileiros aposta em grupos americanos com dificuldades para crescer. Lemann é conhecido por suas habilidades de redução de “custos”: na compra da Heinz uma grande parte do efetivo da empresa foi mandado embora. Alex Behring da Costa, gerente e sócio da 3G será presidente da Kraft Heinz, enquanto Bernardo Vieira Hees, o CEO da Heinz será o CEO da empresa conjunta. Segundo o ranking Forbes das grandes fortunas, Lemann se encontra no número 26 e seus dois sócios em 101º e 122º respectivamente.

Nos últimos sete anos a 3G adquiriu a Heinz, as redes de fast-food Burger King e Tim Hortons, além do fabricante de cervejas Anheuser-Busch Inbev. Parte destas operações foram feitas junto de Warren Buffet e seu fundo de investimentos Berkshire Hathaway. Esta é a terceira operação conjunta, depois da compra da Heinz há dois anos e ano passado da rede de lojas de café Tim Horton pela Burger King que já havia sido comprada pelo fundo brasileiro 3G anteriormente.

Da Banana à Carne

Porém, para além da fusão Heinz-Kraft, as empresas e fundos de investimento brasileiros multiplicaram suas operações espetaculares. Em 2014, a empresa de bananas dos EUA, Chiquita Brands passou para as mãos de dois bilionários brasileiros: José Luis Cutrale e Joseph Safra. Eles lutaram por meses para arrebatar a empresa da irlandesa Fyffes que também a cobiçava.

Os dois empresários colocaram US$ 681 milhões sobre a mesa e ao assumir a dívida, a Chiquita Brands acabou com um preço de US$ 1,3 bilhão.

Uma compra simbólica já que a Chiquita (a antiga United Fruit), Fresh Del Monte y Dole formam o trio que domina o mercado de bananas. Safra tem o fundo de investimento Safra Group que chamou a atenção recentemente pela compra do chamativo arranha-céu londrino Gherkin (Pepino). O próprio senhor Cutrale já havia feito sua fortuna com o suco de laranja da empresa que leva seu nome.

Outro exemplo, não menos importante, deste espírito de conquista do agronegócio brasileiro é a empresa JBS S/A que leva as iniciais de seu fundador José Batista Sobrinho. A empresa de carnes fundada originalmente em 1953, em Anápolis, Goiás, se converteu em líder mundial de carne. A empresa é agora dirigida por seu filho Wesley Batista. É a maior empresa do mundo em quantidade de carne processada vendida, produzindo carne processada de vaca, frango e porco, e também a venda de subprodutos da transformação destas carnes. A sede desta empresa é em São Paulo. A empresa conta com 150 fábricas em todo o mundo. Sua receita é de US$ 38,1 bilhões de dólares e está classificada no TOP 10 do agronegócio mundial, superando por pouco sua rival estadunidense a Tyson Foods, outra gigante das carnes, porém ainda dista bastante do mastodonte suíço Nestlé cujo faturamento superou os US$ 90,3 bilhões em 2014 (mas mesmo assim a JBS é a maior empresa privada brasileira em faturamento). O crescimento acelerado desta empresa ocorreu graças a sucessivas aquisições apoiadas por bancos públicos (um quarto de seu capital é de propriedade do BNDES).

Nos últimos anos a JBS Friboi absorveu numerosas empresas: Frangosul, filial sul-americana do grupo francês Doux; o ramo avícola da também brasileira Marfrig; o rei do frango americano Pilgrim’s Pride e também as atividades avícolas da Tyson Foods no México e no Brasil. Em novembro, aumentou sua presença na Austrália ao adquirir a Primo Smallgoods o que lhe permitirá chegar a países como Japão e Coréia, mercados em pleno crescimento. A contrapartida de sua frenética expansão é seu elevado nível de endividamento.

Desindustrialização relativa e potência agrícola: vulnerabilidade do novo modelo

Há décadas, diferente do momento do “milagre econômico brasileiro”, o Brasil está conhecendo um processo de desindustrialização relativa desde os anos 1980 e de abandono da produção de bens de forte conteúdo tecnológico: o saldo comercial brasileiro (exportações menos importações) de produtos de alto valor agregado é deficitário. Ao mesmo tempo, ou desde um pouco antes, desde 1970, o setor agrícola brasileiro está vivendo um processo de modernização que se traduz tanto no aumento da produtividade agrícola (maior rendimento da terra já explorada, maior uso de fertilizantes, etc.), como da também brutal concentração da posse da terra.

Porém, a chave deste crescimento é, além dos fatores já mencionados, o salto nos produtos elaboradores de origem agrícola, que se apoiam em uma política de subsídios impositivos, créditos à exportação e ainda barreiras comerciais a produtos não transformados (produtos in natura) , processo que continua até hoje, mesmo que as reformas neoliberais tenham liberado o setor agrícola. Deste modo, a exportação de matérias primas agrícolas não processadas, que representavam 84% das exportações agrícolas em 1960, não chegava a mais de 20% no início de 1990 (ainda que depois subisse de novo em 2013 no pico do ciclo das matérias primas). O novo é o desenvolvimento de um forte setor de processamento industrial da produção agropecuária, do agronegócio, que abarca quase 25% do PIB e sobretudo 43% do superávit da balança comercial.

As fraquezas deste modelo estão ligadas a que seu sucesso depende da deterioração dos termos de troca ligados à produção centrada em matérias primas. Depois do período de aumento dos preços, eles estão, hoje, em queda. É neste contexto que deve ser analisada a ofensiva que os grupos brasileiros de agronegócio estão empreendendo. As jogadas destas empresas formam parte das manobras que estão sacudindo a indústria mundial de alimentos. A febre de fusões e aquisições está em pleno auge. A diminuição do crescimento nos principais grupos industriais com a desaceleração dos “países emergentes”, as dificuldades econômicas na Europa, as dúvidas sobre a sustentabilidade do crescimento nos EUA, todos geram um novo impulso para uma nova onda de concentração neste setor.

Os grandes grupos brasileiros buscam em sua internacionalização, iniciada vários anos atrás , e cada vez mais aprofundada, uma oportunidade de escapar dos ciclos econômicos tanto nacionais como regionais a partir do alcance global de suas empresas. Isto é feito à custa de aprofundar os problemas estruturais do setor agrícola doméstico. Estes problemas são um impedimento imenso para um desenvolvimento integral do país com suas características bastante desiguais, com o aumento da pobreza rural, a evolução das desigualdades regionais e a continuidade (e agravamento apesar de certos paliativos conjunturais nos últimos anos) da insegurança alimentar devido ao desenvolvimento da cultura exportadora contra a cultura de subsistência, especialmente aquela de feijões e mandioca que se estancaram e sua disponibilidade por habitante caíram.


Temas

Economia



Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias