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MEGABASE DE DADOS | Órgãos de vigilância do governo Bolsonaro tem acesso a megabase de dados da população

O governo Bolsonaro está implementando, desde o ano passado, uma megabase de dados dos cidadãos sem precedentes na história do país. Criado na surdina, sem debate público, o Cadastro Base do Cidadão é uma integração entre diferentes bases de dados do governo, que vão de CPF às informações de emprego, passando por saúde e até dados biométricos.

quinta-feira 10 de dezembro de 2020 | Edição do dia

Foto: Alan Santos/PR

Segundo a The Intercept Brasil, o processo de implementação e integração ainda está no início, porém pelo menos 28 órgãos do governo já consultaram as nossas informações que estão ali. Entre eles, estão a Abin, a Agência Brasileira de Inteligência - comandada pelo General Augusto Heleno - o Comando do Exército e o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Uma assombrosa lembrança das práticas da ditadura. As informações estão em um relatório lançado na última terça, 8, pela Coding Rights, think tank focada em direitos digitais.

O cadastro, que deve reunir mais de 50 bases de dados diferentes, pode criar uma ferramenta de vigilância poderosa com um potencial devastador para a nossa privacidade. O Cadastro Base do Cidadão surgiu de em um decreto com o objetivo de, supostamente, “facilitar o acesso a serviços públicos”. Mas o projeto é tão abrangente que pode incluir até informações sensíveis e “características biológicas e comportamentais mensuráveis”, como dados biométricos. Isto é: suas impressões digitais, palma das mãos, retina, íris, rosto, voz e maneira de andar.

Ainda mais absurdo, ele prevê poucos mecanismos para controle público dessa vigilância e sequer dialoga com a Lei Geral de Proteção de Dados, a LGPD – nem a terminologia utilizada para definir dados é a mesma do projeto de lei, que entrou em vigor em agosto deste ano.

No relatório, a Coding Rights mostra que, apesar da reação da sociedade na época em que Bolsonaro assinou os decretos, o governo seguiu firme na construção da megabase. Até julho deste ano, quando foram feitos os pedidos de informação, apenas os dados de CPFs e Receita Federal estavam incluídos. Mas outros quatro órgãos já estavam em processo de adesão: a Capes, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a Agência Nacional de Saúde Suplementar e a própria Abin.

Na lista de órgãos públicos que já consultaram o cadastro, porém, o número é bem mais extenso. São 28 órgãos, que inclui diversos ministérios, como o da Mulher, Família e Direitos Humanos, Ministério da Economia e a Advocacia-Geral da União – além dos já citados Ministério da Justiça e Segurança Pública, Exército e Abin.

E essa base ainda deve aumentar. Junto com o Cadastro Base do Cidadão, o governo criou o Cadastro Nacional de Informações Sociais, o CNIS, que reúne mais de 50 tipos de informações diferentes sobre os cidadãos – registros de veículos, informações educacionais e até informações de saúde, como cadastro de gestantes e os sistemas de informação de câncer de colo do útero e de mama.

Na Estratégia de Governo Digital, lançada em abril, o governo pretende emitir identificações digitais e unificar os serviços públicos no portal Gov.br. Seu objetivo é que “no mínimo” 100 serviços públicos contem com “preenchimento automático de informações” até o final de 2020, alimentados com a megabase unificada. Só em relação ao Cadastro Base do Cidadão, o plano é que 150 serviços estejam integrados até o final deste ano. A maioria deles é de serviços de saúde, como lista de transplantes e medicamentos, mas a lista também inclui Enem e autorização para serviços de radiofusão e o Canal do Cidadão.

O relatório também manifesta preocupação com a segurança dessa megabase de dados. Em tese, segundo os decretos, as regras de sigilo e segurança serão definidas por um Comitê Central de Segurança de Dados, formado apenas por membros do... próprio governo. O mesmo responsável pela falha do Ministério da Saúde que expôs dados de 200 milhões de brasileiros.

Desde que o cadastro foi anunciado, deputados da oposição apresentaram seis projetos de decretos legislativos para tentar derrubar os decretos. Eles questionam a não-conformidade do projeto de Bolsonaro com a LGPD e o potencial de vigilância.

Para a bancada do PSOL, autora de um dos projetos, o cadastro base dá margem “a um estado de vigilância e controle social, que nos remetem às memórias mais autoritárias contra as quais nos comprometemos a lutar desde a redemocratização”. Já o deputado André Figueiredo, do PDT, afirmou na justificativa do seu PL que “a centralização dos dados pessoais que o governo deseja colocar em prática pode tornar tais dados bastante vulneráveis e provocar, de modo acidental ou ilícito, a destruição, a perda, a alteração, a divulgação de dados pessoais, ou até mesmo o acesso não autorizado”.

“O Decreto em questão apresenta um risco para a proteção de dados pessoais dos cidadãos brasileiros”, afirmou em seu projeto Orlando Silva, do PCdoB, que foi o responsável por relatar a Lei Geral de Proteção de Dados.

As iniciativas, no entanto, não avançaram devido a pandemia, pois o Congresso priorizou pautas relacionadas à crise do coronavírus. Enquanto isso, o governo Bolsonaro continuou trabalhando sem ser incomodado na sua megabase.

As pesquisadoras da Coding Rights recomendam que os PLs retornem à pauta e que o governo crie um mecanismo de controle para os cidadãos sobre o uso de suas informações. Também defendem que a Abin não tem “competência para a criação e execução direta de políticas públicas” e que, por isso, não deve ter facilidade de compartilhamentos de dados. Também dizem que o Cadastro Base deve estar sob escrutínio da ANPD, a Agência Nacional de Proteção de Dados. Porém, com uma agência militarizada – três dos quatro diretores são membros do Exército – podemos imaginar a quem ela deve servir.

Mas os objetivos bizarros da criação do CNIS não atendem apenas a fins de monitoramento, controle, vigilância e repressão. Basta lembrar dos escândalos da Cambridge Analytica e veremos que há mais duas finalidades espúrias envolvidas: uma base de dados desse tipo vale bilhões nas mãos de empresas, e ela pode ser usada para fins de manipulação ideológica e política, exatamente como foi feito em eleições como as de Trump e do próprio Bolsonaro.




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