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OPINIÃO | O terrorismo empresarial terá sua resposta nas ruas

sexta-feira 31 de março de 2017 | Edição do dia

"é essencial defender a greve geral imediata, a ocupação dos locais de trabalho, o bloqueio de ruas e rodovias e todos os instrumentos de luta que possam fazer frente a esse cenário de barbárie"

Em períodos de crise econômica, a classe empresarial sempre se utiliza do mesmo discurso e dos mesmos métodos para aumentar ou manter seus lucros às custas de maior exploração da classe trabalhadora; o discurso é o de que sem reformas na legislação as empresas vão falir e o desemprego aumentará ainda mais; os métodos, por sua vez, consistem na utilização de mecanismos legislativos ou do poder empresarial unilateral contra os trabalhadores, como o uso de férias coletivas, redução de salário e jornada, suspensão dos contratos de trabalho e dispensa em massa.

O discurso, somado ao método de ação empresarial, gera um verdadeiro terror social generalizado, sendo que muitos trabalhadores acabam por se submeter a piores condições de trabalho com medo do desemprego. Alguns sindicatos, por sua vez, também premidos por esse terror social gerado pela classe empresarial, ou por adaptação ao regime mercantil de negociação coletiva, acabam por chancelar muitos acordos ou convenções coletivas precarizantes, do ponto de vista da legislação social.

Mas é importante que se diga: o discurso e os métodos de ação não são novos e são utilizados de forma reiterada, em todas as crises econômicas, o que se agrava quando há a tomada do poder político de forma ilegal e golpista por essa classe empresarial. Apenas para ilustrar, transcrevo abaixo trecho de livro de Bresser-Pereira, em que analisa os efeitos da crise econômica de 1965, logo após o golpe civil-empresarial-militar, que hoje completa 53 anos.

Em um processo de contínuo agravamento, as vendas, especialmente aquelas de bens de consumo, caíram. (...). Muitas [empresas] usaram do expediente das férias coletivas. Tratava-se, porém, de um simples adiantamento de duas medidas que seriam tomadas em seguida: a redução da jornada de trabalho e a dispensa dos empregados. O resultado foi que, pela primeira vez na história do Brasil, passamos a ter um problema sério de desemprego industrial[1]. (Grifos nossos).

Como se observa, o método de ação não mudou. As consequências, por sua vez, também não tendem a mudar. Ou seja, o resultado de um desmonte dos direitos trabalhistas e da previdência, somado a sanção do PL 4302/98, que amplia a terceirização de forma irrestrita e ilimitada, será, invariavelmente, o aumento massivo do desemprego e a piora da condição de vida de toda a população.

Esse cenário se agrava, se considerarmos a aprovação da PEC 55 (Emenda Constitucional n. 95 de 15/12/2016), que prevê o teto dos gastos públicos para saúde, educação e programas sociais, por 20 anos, que somente poderão ter reajuste com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA. O limite de gastos, ao contrário de sanear as contas do governo, apenas agravarão os problemas financeiros e sociais, uma vez que o crescimento das demandas e necessidades da população não se limitam ao estipulado pelo IPCA.

A contradição do discurso e dos métodos de ação é evidente e demonstra que o que se busca proteger são apenas os privilégios empresariais e de setores da casta política e não a sociedade como um todo. A limitação de gastos, por exemplo, não atingiu o pagamento dos juros da dívida pública, que hoje somam quase 50% do orçamento federal. A reforma da previdência, por sua vez, ignora os bilhões de reais de dívidas das grandes empresas, exclui os militares e atinge a população mais pobre, que depende exclusivamente dos benefícios do sistema.

Por fim, a reforma trabalhista não apresenta nenhuma melhoria da condição social dos trabalhadores, pressuposto constitucional para que sobrevenha algum tipo de reforma, na forma do artigo 7º, caput, da Constituição da República, não tratando da proteção contra a dispensa arbitrária e sem justa causa, da proteção da greve (que está cada vez mais cerceada e atacada, com a ajuda do judiciário que impõe multas altíssimas), ou sobre a diminuição da jornada de trabalho sem redução do salário, verdadeiro instrumento de redução do desemprego.

O empresariado brasileiro, retrógrado e historicamente entreguista, jamais teve capacidade de apresentar qualquer alternativa política, econômica ou social para o País. Agem como coronéis do século XIX e governam o País como governam suas fazendas. É por isso que querem acabar com qualquer proteção social e atuam por meio do terror e da ameaça constante de dispensa em massa, caso não nos submetemos aos seus desmandos.

Somente a classe trabalhadora e os movimentos sociais, organizados em cada bairro e em cada fábrica e empresa por meio de organizações nos locais de trabalho, é que podem dar uma resposta à altura, e o farão nas ruas, por meio dos métodos históricos de luta, os mesmos que possibilitaram a conquista dos direitos sociais hoje em processo de destruição. Para isso, é essencial defender a greve geral imediata, a ocupação dos locais de trabalho, o bloqueio de ruas e rodovias e todos os instrumentos de luta que possam fazer frente a esse cenário de barbárie.

Em um marco de ruptura institucional e de progressiva destruição de direitos, qualquer ato executivo, legislativo ou judicial que pretenda impedir a organização e manifestação dos trabalhadores, nas ruas ou nos locais de trabalho, tais como multas altíssimas contra os Sindicatos que organizam greves, ou a proibição de bloqueios de ruas e estradas, não deve ser acatada.

De fato, diante da ausência de alternativas institucionais para a defesa dos direitos humanos mais básicos previstos na Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, e também no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos de 1966, a desobediência civil e a organização em cada local de trabalho e de moradia são os principais instrumentos para fazer valer nossos direitos. Quando superarmos o medo e nos levantarmos, a classe empresarial terá sua devida resposta, nas ruas, nos bairros, em cada canto desse País.

Felipe Gomes da Silva Vasconcellos, Advogado de entidades sindicais, Mestre em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de São Paulo. Membro da Red Eurolatinoamericana de análisis del trabajo y sindicalismo.


[1] BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Desenvolvimento e Crise no Brasil. 17ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p.124


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