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PRIMEIRA ANÁLISE SOBRE REFERENDO GREGO | O referendo na Grécia termina com um contundente NÃO aos ajustes da Troika

Com os resultados das urnas computados, a jornada do referendo na Grécia terminou com uma resposta contundente do povo grego aos ajustes da Troika: 61% dos votos para o Não e 39% para o Sim. A diferença de mais de 20 pontos ultrapassou a maioria das previsões que davam um resultado apertado. Na juventude e nos bairros operários, o Não superou a média nacional.

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

domingo 5 de julho de 2015 | 21:54

As capas dos jornais mundiais estamparam a notícia do triunfo de Tsipras. O periódico da direita francesa, Le Figaro, trazia a manchete “A Grécia dá um grande passo para a saída do euro”. O Libération francês diz “Um sismo na Europa”. Os jornais britânicos The Daily Telegraph e The Independent frisam que o Não grego “joga a Europa de volta na crise”. O Financial Times discute as possibilidades de saída da Grécia do euro, e o The Economist lamenta o fortalecimento dos populismos através das políticas de “resgate”.

Como dissemos durante o referendo, a vitória do Não (que com metade das urnas apuradas já figurava como opção vencedora para toda a mídia internacional) foi um pronunciamento político categórico da juventude, das mulheres, dos aposentados e trabalhadores da Grécia contra os ajustes propostos pela Alemanha e a Troika (FMI, BCE e CE), que durante toda a semana armaram uma campanha reacionária de terror, que ia desde os conservadores até os socialdemocratas, para que os gregos votassem pelo Sim.

Segundo a organização Red Flag, nos bairros operários da capital a margem de vitória do Não é superior à média do país chegando a 80%, como em Keratsini (73% Não, 26% Sim) e em Nikea (72% Não, 27% Sim).

Este resultado é um duro golpe principalmente para a chanceler alemã Angela Merkel, que encabeçou a campanha internacional pelo Sim.

Mas também para os principais partidos do regime burguês na Grécia, uma vez que que o PASOK (socialdemocracia grega), o partido de direita Nova Democracia e o partido liberal To Potami, em nome das associações patronais industriais e agrárias, chamaram os gregos a votarem a favor dos ditados de Berlim.

O líder do Nova Democracia, Andonis Samarás, renunciou ao cargo no partido, tão logo a vitória do Não estava clara. Somado ao desprestígio popular o PASOK (que junto ao partido de Samarás aplicou à risca a austeridade nos governos anteriores), a oposição ao governo sai enfraquecida politicamente depois da derrota no referendo.
Pelo vértice oposto, o primeiro ministro Alexis Tsipras proporciona pela segunda vez em seis meses uma derrota a ambos os partidos que compuseram a espinha dorsal do bipartidarismo grego durante décadas.

O resultado do referendo, com todas as contraditórias determinações dos votantes, fortalece relativamente as posições do Syriza como principal força política na Grécia.
Mal terminada a apuração, Tsipras disse em seu twitter: “Quero agradecer cada um dos gregos pela corajosa escolha que fizeram. O mandato que hoje me deram não significa uma ruptura com a Europa, mas um maior poder de negociação”.

As primeiras respostas amargando o resultado foram feitas pela Alemanha. O ministro das Finanças Wolfgang Schäuble disse que “é melhor deixar a Grécia cair e continuar a integração dos 18 que restem no euro”, e o vice-chanceler alemão, o socialdemocrata Sigmar Gabriel, declarou que “a Grécia rompeu todas as pontes com a Europa, e é difícil imaginar a retomada das negociações”.

Em função do resultado do referendo, Merkel, o presidente francês François Hollande e o presidente do Eurogrupo Jean-Claude Juncker marcaram de urgência uma cúpula do Eurogrupo para esta terça-feira, a fim de discutir o que fazer com o problema grego.

Esta reunião manifesta a necessidade dos dois países de adotar uma posição comum, depois de esta semana terem sido colocadas em evidência as diferenças de postura em relação à Grécia após a convocação do referendo.

Dificilmente a Alemanha possa aceitar calmamente um triunfo tático de Tsipras no referendo depois da furibunda campanha pelo Sim. Isto implicaria reconhecer a derrota e enviar sinais de fortalecimento aos partidos antiausteridade na Europa.

O jornalista do Newsnight, Duncan Weldon, explica nestas palavras a dificuldade enfrentada pela Alemanha: “Se a Grécia tivesse cancelado o referendo e feito um acordo baseado na última carta de Tsipras, isto teria sido visto como uma vitória dos credores. Se o mesmo acordo for travado depois deste referendo, será uma vitória completa da Grécia”.

Entretanto, se o cenário de um Grexit não possa ser descartado, tampouco é um caminho fácil a percorrer. A França e os Estados Unidos pressionam pela estabilização da zona do euro, e por um acordo com a Grécia, que inclua inclusive uma reestruturação da dívida (admitida como necessária pelo último informe do FMI).

Ademais, as perdas associadas a uma saída do euro seriam multibilionárias, como informou o Bundesbank alemão. Jens Weidman, presidente do Banco Central Alemão, assegurou que se a Grécia abandona o euro as perdas potenciais do governo alemão poderiam chegar a 45 bilhões de euros.

Outro enigma seriam as consequências geopolíticas para a Europa. Com a Grécia fora do euro, a porta sul do continente estaria sem o controle da União Europeia sobre a entrada de imigrantes oriundos do norte da África e do Oriente Médio, sendo que a Grécia é a principal via de passagem de refugiados sírios e imigrantes turcos para a Alemanha, o que se tornou uma preocupação concreta depois dos atentados na França.

Tsipras usará o resultado do referendo para seguir negociando a austeridade

Todas as declarações de Tsipras mostram que o primeiro ministro pretende usar o resultado do referendo como um voto de apoio à sua política de “ajuste negociado”.
“Nossa imediata prioridade é restaurar o funcionamento de nosso sistema bancário e nossa estabilidade econômica”, disse Tsipras. “Hoje celebraremos a democracia, amanhã continuaremos nosso esforço nacional para alcançar um acordo”.

Um referendo “não para romper” mas para “negociar melhor” e pactuar uma austeridade moderada e uma reestruturação da dívida, para o qual disseram estar dispostos a aceitar “medidas duras”. Ou seja, o que vem fazendo desde o dia 20 de fevereiro, quando assinaram o primeiro acordo que abriu caminho ao abandono completo de todas as “linhas vermelhas” do Syriza.

Esta política se opõe às aspirações da ampla maioria dos votantes do Syriza que hoje se manifestaram pelo Não no referendo. O resultado do referendo também se dirige contra as negociações de uma nova austeridade, como a reforma das aposentadorias e o corte nas pensões, que foi proposto por Alexis Tsipras antes do referendo como peça de acordo com a Troika.

Para evitar que o governo utilize dessa maneira o pronunciamento da maioria do povo grego, é necessária a organização e mobilização operária e popular, para impor um verdadeiro NÃO à chantagem imperialista e ao ajuste.

Este deve ser um primeiro passo para organizar a luta e a mobilização operária e popular, para impor um programa de emergência que inclua o NÃO pagamento da dívida externa, a nacionalização dos bancos, o estabelecimento dos níveis salariais e a nacionalização, sob o controle dos trabalhadores, das principais empresas.

A polarização social surgida e alimentada pelo referendo reativou um espírito de mobilização que esteve dormente no último período, e que deve aproveitado para por em movimento as únicas forças sociais capazes de derrotar a Troika, justamente o que Syriza (e sua ala esquerda organizada na Plataforma de Esquerda) se esforçou por passivizar nestes seis meses, deixando a luta de classes, como os antigos diziam, para as "calendas gregas".




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