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O racismo é bipartidário

Ana Rivera

Marina Ruiz

O racismo é bipartidário

Ana Rivera

Marina Ruiz

A democracia burguesa e o regime bipartidário nos EUA são fundamentais para sustentar o racismo. O assassinato de George Floyd pelo polícia de Minneapolis deu início a uma onda de mobilizações contra o racismo e a violência policial. Essas mobilizações se espalharam para cidades ao redor de todo o mundo. Aqui, apresentamos um breve olhar das principais bases históricas do racismo nos EUA e o papel do regime de bipartidarismo do país em nossos tempos.

As origens racistas da democracia americana

George Novack, em debate com o artigo “The Politics” [1], do jornalista Matthew Josephson, escreveu que há dois grandes mitos sobre a democracia nos EUA: o primeiro é de que os dois grandes partidos não são baseados em classe, o segundo é de que o sistema bipartidário é natural, inevitável e a única forma verdadeiramente americana de debate político. Hoje, poderíamos adicionar um mito a mais: de que qualquer um dos partidos, se pudesse, acabaria com o racismo nos Estados Unidos. Estudando a história dos EUA, fica claro que esta está repleta de lutas dos setores subordinados, lutas que reaparecem hoje. Mas também vemos como a burguesia empregou incontáveis manobras para dividir esses setores, fazendo e desfazendo alianças em seu favor, desviando – ou dinamitando – movimentos progressivos, arquitetando guerras, sancionando ou derrubando leis e regulações. Como parte do regime burguês, tanto o partido Democrata quanto o Republicano, em suas origens e subsequente consolidação, foram ferramentas da burguesia para manter o status quo. Em relação a isso, a desigualdade racial teve um papel central, dividindo o proletariado a as massas pobres dos EUA e sustentando o sistema capitalista.

Olhemos para alguns antecedentes, antes da fundação dos partidos Democrata e Republicano (1824 e 1854, respectivamente). Em seu livro “ A People’s History of the United States”, o historiador Howard Zinn relata os diferentes eventos históricos que ilustram como a elite governante, desde o início, fabricou divisões entre as classes subordinadas. Falando do período colonial prévio à guerra de independência, Zinn escreve:

Com o problema da hostilidade dos indígenas, e o perigo das revoltas escravas, a elite colonial tinha que considerar ainda o ódio de classe dos brancos pobres – serviçais, locatários, pobres urbanos, desprovidos, o pagador de impostos, o soldado e o marinheiro. Conforme as colônias ultrapassavam seu centésimo ano e entrevam na metade dos anos 1700s, conforme a distância entre pobres e ricos aumentava, conforme a violência e a ameaça de violência cresciam, o problema do controle social tornava-se mais sério. E se esses diferentes grupos marginalizados – os índios, os escravos, os brancos pobres – se juntassem? Mesmo antes de haver tantos negros, no século XVII, havia, como escreve Abbot Smith, ‘um vívido medo de que serviçais se juntassem com negros ou indígenas para derrubar o pequeno número de mestres’ [2]

Resistência negra nas primeiras lutas contra o capitalismo e o colonialismo

Precedida pela “conspiração dos serviçais” (1661), a Rebelião de Bacon (1676) colocou colonos pobres contra Berkeley, o governador colonial, a deixou lições importantes para as elites que aplicavam as táticas de “dividir para conquistar”: eles manteriam seu lugar na classe alta, somente se declarassem guerra contra os povos nativos (tirando vantagem do descontentamento dos colonos), ganhando o apoio dos brancos pobres, e os colocando contra os indígenas. Na metade do séc. XVIII, diversas leis foram aprovadas banindo negros livres de viajarem a território indígena, foram assinados tratados que requeriam que tribos nativas capturassem e devolvessem escravos fugitivos, e outras leis foram estabelecidas garantindo algumas concessões a serviçais brancos. Dentro de alguns anos, colonos começaram a gozar de benefícios fiscais, e formaram um novo setor social, que viria a servir de base de apoio para a elite. As elites tiveram que garantir que seu novo poder e riqueza não fossem questionados, menos ainda confrontados, por aqueles que formavam uma aterradora maioria.

As origens da polícia como pilar de sustentação da desigualdade

Nesta altura, os mecanismos de repressão já estavam sendo empregados. Em 1704, a Carolina do Sul criou a primeira patrulha de escravos do país, para capturar e retornar escravos fugitivos, e dissuadir rebeliões escravas por meio de agressões e chicotes. Esses esforços a serviços dos senhores de escravos eram parte dos vários mecanismos de repressão racial e de classe nos quais o estado moderno e suas instituições repressivas se formaram. Não foi até 1838, em Boston, que as elites formalmente fundaram o primeiro departamento de polícia, que dali em diante intensificaria seu papel repressivo, com a segregação racial como pano de fundo.

O historiador e especialista em história colonial dos EUA, Edmund Morgan, citado por Zinn, argumenta que o racismo é "natural", mas é um "dispositivo realista" de controle:

Se homens livres com esperanças frustradas, viessem a encontrar causa em comum com escravos desesperados, os resultados poderiam ser piores do que qualquer coisa que Bacon causou. A resposta para o problema, obvia, se bem que não admitida, e só gradualmente reconhecida, foi o racismo, para separar os perigosos brancos livres dos perigosos negros escravizados por uma tela de descontentamento racial [3]

Durante a guerra de independência, a elite esteve face ao duplo desafio de expulsar a Inglaterra, como senhora colonial e, ao mesmo tempo, manter as relações de poder construídas ao longo de 150 anos de colonialismo. Como aponta Zinn, 69% dos signatários da Declaração de Independência possuíam posições de poder na administração colonial britânica.

A constituição de 1787, da qual Democratas e Republicanos tanto falam durante a atual onde da protestos, sistematicamente excluía escravos, mulheres, serviçais e não proprietários de terras de direito de representação na república. Os pais fundadores queriam sacralizar as desigualdades, justificando-as com a capacidade supostamente desigual das pessoas de acumular propriedade. Os representantes das elites – quer fossem ligados à indústria, ao comércio de escravos, ao capital bancário, ou ao mercado imobiliário – chegaram a um acordo de que as colônias do norte desenvolveriam a indústria e ao comércio, e disporiam de trabalhadores, e que o sul escravocrata preservaria o comércio de seres humanos, por mais duas décadas. A divisão dos gigantesco território dos EUA em estados com um governo federal também respondia ao medo de uma aliança dos explorados que pudessem se rebelar contra a elite. A estrutura da nova nação, portanto, incluía mecanismos que permitiam certas concessões a pequenos proprietários de terra, trabalhadores e fazendeiros de renda média, constituindo uma base de apoio que serviria de barreira contra povos indígenas, negros, e brancos pobres.

A constituição, e os partidos burgueses como espinha dorsal do racismo

Em 1854, o ano em que o partido republicano foi fundado, a luta de classes abalou as fundações da república. De acordo com Novack:

Os Whigs e os Democratas, que haviam, como os patidos Democrata e Republicano de hoje, monopolizado o poder político por décadas, a serviço do poder escravocrata, foram pulverizados por golpes vindos de dentro e de fora pelas forças em disputa. Os tempos turbulentos deram origem a todo tipo de partidos intermediários e movimentos, como Free-soil, Know-Nothing, Liberty. Os criadores do partido republicano coletaram as forças políticas viáveis, progressistas e radicais desses novos movimentos de massas e dos partidos antigos, para formar uma nova organização nacional. [4]

A Guerra Civil de 1861-65 pôs em disputa o controle de um grande território nacional, seu mercado e seus recursos. Havia, também, interesses do partido republicano em manter controle do governo federal, para o qual necessitava dos eleitores negros do sul.

Rebeliões forma parte chave de avançar nos direitos da grande população negra, que na época representava por volta de 20% da população. Levantes e rebeliões amedrontavas as elites dominantes, de acordo com Zinn “Após a Rebelião de Bacon, na Virgínia, em 1760, houve mais 8 revoltas negras na Carolina do Sul e Nova York, e mais de 40 rebeliões de diferentes tipos” [5]. Em 1870, o congresso havia aprovado diversas leis para a igualdade legal entre negros e brancos: o direito ao voto e a concorrer a cargos públicos, o direito a fazer contratos e possuir propriedade, tornando sua exclusão ilegal e todas as áreas. Essas conquistas deram novo ímpeto à participação política dos negros.

A reação à organização dos oprimidos

Mas as instituições do regime não garantem a permanência dos direitos conquistados. Após a morte de Lincoln, Johnson, seu vice, boicotou leis que faziam valer direitos da comunidade negra e facilitou o retorno dos estados Confederados à União sem garantirem direitos iguais. Durante sua presidência, os estados do sul impuseram códigos legais para negros, que tornavam pessoas negras libertas em serviçais, que continuavam a trabalhar nas plantações.

Em 1872, os Estados Unidos entraram em uma severa depressão econômica, que coincidiu com o início das leis de Jim Crow, inspiradas nos códigos para negros. Segregação racial ditada por lei, sobre o slogan “Separados, mas iguais”, indica a extensão à qual a desigualdade era sustentada pela democracia burguesa, e não somente por força e repressão. Isso inaugurou um período de décadas nas quais grupos não brancos eram sistematicamente separados em espaços públicos, escolas, transportes e na participação política. Democratas brancos conservadores no Sul tiveram papel chave na restrição ao direito ao voto, por meio de mecanismos como impostos e testes de alfabetização. Segregação racial mais uma vez teve um papel central na divisão dos explorados como um todo. Em 1877, a situação começava a convulsionar a classe trabalhadora. Foi esta o ano da Grande Greve das Ferrovias, na qual mais de 10.000 trabalhadores pararam os trens, e a repressão resultou em uma centena de mortos, e milhares de presos. Os capitalistas, como os de hoje, não hesitaram em protegerem seus negócios aos custos das maiorias pobres, e os partidos burgueses foram uma ferramenta para atingir isso. No mesmo ano, Democratas e Republicanos fecharam um acordo que permitiu a Rutherford Hayes, ao candidato presidencial republicano, ser eleito, aos capitalistas do Sul recuperarem suas fortunas, e àqueles do Norte a manterem a ordem em meio a uma crise e a expandirem seus negócios. Os banqueiros e capitalistas do Norte tomaram nota do enorme valor potencial do carvão e do ferro, que na época estava nas mãos de burgueses do Sul. Eles removeram as tropas da União do Sul, o último obstáculo militar ao reestabelecimento da supremacia branca. Um acordo foi feito, e Hayes se tornaria o novo presidente.

Os capitalistas do Norte e seus partidos aceitaram a subordinação da população negra. Ao final da guerra, 19 dos 24 estados do Norte se opunham ao seu direito ao voto. Em 1900, todos os estados sulistas haviam incluído em suas novas constituições e estatutos a eliminação legal dos direitos dos negros. Em 1901, o último congressista negro completaria seu mandato.

As promessas dos governos Democratas de Roosevelt e Truman à comunidade negra durante e depois da Segunda Guerra não se tornariam realidade até os anos 1960, produto do massivo movimento contra a segregação que marcou um “antes e depois” no país e no mundo. O caminho da luta foi longo, e repleto de resistência do regime para prevenir o progresso na conquista de direitos. Sobre o verão que ficou conhecido como “Mississipi Summer”, lembrado pelos assassinatos brutais de três ativistas dos direitos civis pelo Ku Klux Klan, Zinn aponta: “Os assassinatos no Mississipi tomaram lugar após o reiterada rejeição do governo federal, sob Kennedy, ou Johnson, ou qualquer outro presidente, de defender os negros da violência” [6]. Naquele mesmo verão, o próprio partido Democrata impediu a delegação negra de participar de sua Convenção em Washington, Mississipi. Eles demandavam representação, em um estado onde 40% da população é negra.

Novas formas para o velho racismo: grandes rebeliões, e as políticas para sustentar a segregação moderna

Os direitos garantidos pela primeira emenda da Constituição, como o direito à liberdade de expressão, direito a reuniões, tal como o direito ao voto e a concorrer a cargos públicos, e a partir dos anos ’60, representação muito maior na esfera política, foram conquistados pelas pessoas negras através da luta. Porém, após a derrota do ascenso global dos anos ’60 e ’70 e com a virada neoliberal, o partido Democrata regimentou o movimento por meio da organização de Conselhos negros internos ao partido. Com uma crescente concentração de renda, maiores impostos aos trabalhadores e a gentrificação das grandes cidades, vizinhanças negras se tornaram crescentemente dependentes em auxílios do Estado. A segregação racial deixou de ser legal após 1964, mas a estigmatização dos negros continuou a legitimar e perpetuar o racismo. Em 1992, a Rebelião de Los Angeles seguiu o espancamento do trabalhador da construção civil Rodney King e a absolvição dos policiais responsáveis por um tribunal esmagadoramente branco. Isso pôs em questão a impunidade com a qual a polícia torturava e marginalizava pessoas negras em comunidades pobres. O então presidente George Bush apelou para o Insurrection Act para enviar a Guarda Nacional para reprimir a rebelião, assim como Trump ameaçou fazer em junho.

A resposta dos democratas tinha mais a ver com cooptação. Eles desenvolveram um mecanismo através do qual obtêm apoio das comunidades negras empobrecidas e pressionam os líderes comunitários e sociais, sob a promessa de ajuda em face da urgência de necessidades básicas.

O racismo sistêmico envolve não só a brutalidade policial, mas também a falta de acesso a trabalho, o emprego precário, o pior do sistema de saúde e a maior dificuldade em ter acesso à casa própria, junto à impossibilidade de acessar as melhores escolas, e sua distribuição e alocação. Essa desigualdade estrutural foi acompanhada de políticas punitivas que aplicavam a “teoria das janelas quebradas”, que propunha um forte ataque a crimes pequenos e vandalismo como estratégia para aumentar a segurança comunitária, junto com a criminalização das drogas e o crescimento exponencial das prisões. Isso aprofundou a estigmatização e criminalização da comunidade negra e continuou por décadas, mesmo hoje, a justificar os gigantes orçamentos policiais contra os quais se levantam o movimento antirracista. Nesta estigmatização também podemos encontrar a base estrutural na qual se apoiam as políticas de subtexto racista aplicadas pelos setores mais conservadores, fortalecidos no governo Trump. Elas foram perpetuadas por razões políticas e ideológicas, assim como econômicas.

Politicamente, a necessidade de consenso no partido limitava o Conselho de negros e tornava-os dependentes de acordo com o establishment. Por exemplo, em seu livro Dog Whistle Politics: How Coded Racial Appeals Have Reinvented Racism and Wrecked the Middle Class [7] Ian Haney Lopez explica como Barack Obama evitou políticas explicitamente antirracistas durante sua campanha eleitoral, com a intensão de ganhar o apoio da ala conservadora do partido. Até grupos supremacistas brancos cresceram em reação ao fato de que pela primeira vez na história, um negro chegou à Casa Branca. O autor de Racismo y brutalidad policial en Estados Unidos, Esther Pineda [8], aponta como movimentos supremacistas tendem a crescer mais durante governos democratas, particularmente e por motivos óbvios no de Obama, como resultado de uma reação ao que eles veem como uma falta de controle, e uma sensação de perda de seu poder histórico. Da parte da administração Obama, não havia política para proteger os negros desse ódio. Isso continuou durante dois mandatos, durante os quais o partido Democrata impulsionou políticas punitivas e de encarceramento em massa. A brutalidade policial desses anos, mesmo nas cidades Democratas mais “liberais”, levaram à irrupção do primeiro movimento Black Lives Matter, que se originou na cidade de Ferguson, Missouri.

Com a crise econômica de 2008, a decisão de Obama de salvar os bancos e dos gigantes do sistema financeiro despejou a crise nos ombros da classe trabalhadora e piorou as condições de vida de milhões, especialmente da comunidade negra. Dívida, empregos precários, desemprego, e criminalização são a contra cara de uma concentração de riqueza sem precedentes.

Dadas as divisões da classe trabalhadora, e o declínio econômico das famílias da classe trabalhadora industrial, em sua maioria brancos pobres, e com o apoio da classe média rural conservadora, Donald Trump pode tomar o poder. Seu racismo profundo não veio do nada: como Ian Haney Lopez aponta, na era Trump, um discurso se intensificou que não é sempre abertamente racista, mas que intencionalmente marca supostas características negativas em grupos racializados: crime, violência, imigração ilegal, e por aí vai. Isso é o que Lopez destaca: o chamado a “dar fim” ao crime, à imigração ilegal, ou a “tomar de volta” os EUA para os americanos, funciona com um subtexto. Em resposta, os grupos mais reacionários se dedicam a lutar contra qualquer direito elementar de estar livre do racismo. Isso também tira o foco das políticas que beneficiam os setores mais ricos da sociedade.

Em 2019, mais de 940 grupos supremacistas brancos estavam em operação nos EUA, principalmente concentrados no Sul. Mas isso não é só sobre Trump. Em estados Democratas, como Minneapolis, a polícia opera sob essas mesmas regras, e a desigualdade racial e segregação exacerbam os ataques à população negra. Políticas racistas visam dividir os oprimidos e explorados, divergindo a atenção das políticas de resgate aos bilionários, benefícios fiscais e a precarização do trabalho e da vida. Isso também tira o foco das políticas que beneficiam os setores mais ricos da sociedade.

Hoje, de acordo com o relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, enquanto representam apenas 13% da população dos EUA, negros constituíram 23% das vítimas de violência policial em 2017. Negros foram 24% das vítimas de homicídios praticados pela polícia em 2016 e 26% em 2015. Quando homicídios de civis desarmados são levados em consideração, as estatísticas são ainda mais chocantes, por exemplo, estatísticas da sociedade civil indicam que em 2015, mais de 34% dos civis desarmados mortos pela polícia eram negros. Outras pesquisas indicam que é quase três vezes mais provável um homem negro ser morto pela polícia, e hispânicos tem quase duas vezes mais chance que brancos. [9]

Perspectivas e um debate de estratégia: a necessidade de construir um terceiro partido independente

Os partidos Democrata e Republicano funcionam como administradores dos negócios dos bilionários, e garantidores da reprodução da desigualdade racial. A luta contra o racismo deve ser fortalecida pela organização e mobilização das maiorias trabalhadoras e setores oprimidos, pois cada passo adiante contra o racismo é um passo adiante contra o capitalismo e seus jagunços. O movimento dos trabalhadores, dentre os quais os negros são os mais explorados entre os explorados, deve agrupá-los, organizar-se democraticamente, e abordar o problema do racismo. Essa luta, sob o capitalismo, é para acabar com o assédio e violência contra os negros e povos oprimidos, e para conquistar o direito à habitação, salário igual, acesso a saúde e educação. Mas é também uma luta dentro do movimento revolucionário para construir uma sociedade sem exploração ou opressão.

Estamos em um novo estágio do movimento contra o racismo e na luta de classes global, que tem seu epicentro nos países imperialistas. Houve fala de um avanço internacional da direita, mas já vemos essa tendência quebrar. O desenvolvimento de mobilizações enormes contra o racismo, da experiência com as ações dos partidos Democrata e Republicano, a ampla legitimidade do Black Lives Matter entra a maioria da população, e o questionamento que continuará a se aprofundar no calor da luta e da piora da crise – tudo isso pode ser o prelúdio de um salto na consciência de amplos setores de massas, que começaram a questionar o regime como um todo.

As bases do racismo são históricas, e uma parte constituinte da consolidação do capitalismo nos EUA e do regime político que o administra. Hoje, Trump mostra seu racismo contra os manifestantes, e os Democratas se apresentam como messias. O candidato presidencial, Joe Biden disse que “ao invés de ensinar um policial que quando há uma pessoa desarmada vindo em sua direção com um faca, ou algo assim, atire na perna, e não no coração”, uma declaração que funciona como uma metáfora para o chamado “mal menor”. Por que nos resignaríamos a só escolher onde eles vão atirar? Por trás de cada tiro que leva uma vida negra ou pobre está o Estado e regime político, enviando uma mensagem de disciplina. É por isso que o objetivo de abolir a polícia não é uma perspectiva possível sem questionar o regime como um todo. Ainda mais em um contexto de crise., quando a burguesia necessita fortalecer ainda mais seu braço armado para responder aos levantes que podem se aprofundar, com a piora das condições. A demanda de abolição da polícia precisa de uma estratégia que ataque o sistema capitalista na raiz.

Hoje, diferentes setores da esquerda americana reivindicam estrategicamente a gradual e pacífica transformação do capitalismo, através do caminho da reforma gradual, que inclui possivelmente a reforma do partido Democrata. Propõe a “estratégia de atrito”, ocupando espaços no Congresso, tomando como referência as discussões de Karl Kautsky, que nos anos da Segunda Internacional acreditava que um partido socialista precisava, primeiro, de uma maioria parlamentar para lutar pelo poder.

Rosa Luxemburgo, em debate com Eduard Bernstein, disse:

Aqueles que falam em favor do método de reforma legislativa ao invés da conquista do poder político e revolução social e em oposição a esta, na realidade não optam por uma via mais calma, pacífica, e lenta em direção ao mesmo objetivo, mas a um objetivo inteiramente diferente. Ao invés de tomar partido pelo estabelecimento de uma nova sociedade, o fazem pela modificação superficial da antiga [10]

Neste caso, a estratégia de reformar o partido Democrata (que não é sequer um partido de trabalhadores, como era o Partido Social Democrata Alemão) também contribui para a modificação superficial da sociedade, que em última instância significa outro governo Democrata que dará continuidade ao capitalismo e ao racismo.

Neste período eleitoral, a casta política dominante faz seu melhor para pacificar e desinflar os levantes antirracistas. Eles temem a unidade, organização e emergência de ação independente das massas, que eles serão incapazes de conter com os mecanismos historicamente usados da democracia burguesa. Os capitalistas contam com seus partidos para sustentar a democracia burguesa como melhor superestrutura para o capital. Não há “mal menor” quando se trata de vidas negras. Construir um terceiro partido, que seja uma ferramenta das maiorias trabalhadoras e oprimidas é chave para que a força dessas maiorias seja capaz de conquistar as profundas mudanças que propõe. A independência política e econômica dos partidos burgueses, com um programa anticapitalista e a perspectiva de democracia operária, desta vez baseada nas tomadas de decisão diretas das maiorias trabalhadoras e todos os setores oprimidos que lute contra a opressão imperialista dos povos oprimidos do mundo. A mudança na consciência de milhões nos EUA e no mundo, como resultado das presentes rebeliões antirracistas marcam condições excepcionais para a emergência de uma alternativa aos partidos capitalistas.

Tradução: Alexandre Miguez

Original disponível em: https://www.leftvoice.org/racism-is-bipartisan


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FOOTNOTES

[1Novack, George. Matthew Josephson’s The Politicos. (1938). Accessed Jun 20, 2020.

[2Zinn, Howard. A People’s History of the United States (1980). Harper Collins, E-book edition (pp.57-58). Accessed 20 Jun, 2020.

[4Novack, George. Matthew Josephson’s The Politics. (1938). Accessed Jun 20, 2020.

[5Zinn, p.43

[6Zinn, p. 426

[7Haney López, Ian (2014). Dog Whistle Politics: How Coded Racial Appeals Have Reinvented Racism and Wrecked the Middle Class. Oxford ; New York : Oxford University Press.

[8Pineda, E. Racismo y brutalidad policial en Estados Unidos(2017). Accessed Jun 23, 2020.

[9Inter-American Comission of Human Rights (2018).Report: Police Violence Against Afro-descendants in the United States. Accessed Jun 23, 2020

[10Luxemburg, Rosa. Reform or Revolution (1900). Accessed Jun, 10.
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