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O que significa a interferência do FBI nas eleições EUA?

terça-feira 8 de novembro de 2016 | Edição do dia

Já nos últimos dias das eleições americanas o FBI, através de seu diretor James Comey, reabriu as investigações sobre e-mails relacionados à candidata Hillary Clinton e sua fundação. Apenas nove dias depois de abertas as investigações (do dia 28 de outubro a 6 de novembro) o FBI anunciou que “limpava” Hillary - pela segunda vez – das acusações. Este fato marcou decisivamente o pleito eleitoral e foi expresso nas pesquisas, já que antes de anunciadas as investigações Hillary pareceria vencer tranquilamente, e após ainda há dúvidas sobre quem vai ganhar e tudo indica que a disputa no dia de hoje será voto a voto. Esta interferência traz à tona o papel que o FBI tenta cumprir, de “polícia política” da democracia capitalista americana, assim como dá mais indícios da crise do sistema representativo do bipartidarismo nestas eleições – dita como a mais impopular da história por muitos analistas políticos americanos.

Para entender melhor o significado desta interferência podemos partir de que em recente pesquisa foi indicado que cerca de 80% dos eleitores americanos estão insatisfeitos com ambas as candidaturas, como disse a correspondente do Esquerda Diário e do Left Voice em Nova Iorque. Em pesquisas a impopularidade de Hillary é de 54,6% enquanto a de Trump 58%. Além disso, após a denúncia de abusos e assédios sexuais contra Trump cerca de 150 republicanos, muitos já insatisfeitos desde as eleições primárias que o definiram como candidato republicano “outsider”, anunciaram que não defenderiam Trump, candidato de seu próprio partido para estas eleições.

Veja também Ideas de Izquierda: Donald Trump e a crise do bipartidarismo estadunidense

Além disso, praticamente todo o estabilishment (poderosa elite econômica que controla a política americana) está ao lado de Hillary. Para se ter um exemplo de quem estamos falando – e do nível de reacionarismo envolvido na campanha da democrata – basta dizer que parte deste estabilishment apoiador é a brutal indústria armamentista americana (apesar do apoio da associação nacional de armas, NRA sigla em Inglês, à Trump). Entre os e-mails “vazados” e investigados pelo FBI constam doações bilionárias para a Fundação Clinton vindas de governos como Arábia Saudita, Marrocos, Quatar, em troca de acordos para vendas de armas. Enquanto era Secretária de Estado do governo dos Estados Unidos Hillary assinou o maior acordo de vendas de armas da história entre a indústria armamentista americana e a Arábia Saudita. Além disso toda a grande mídia imperialista americana (como a CNN) está unida em torna da campanha de Hillary, e até mesmo a tradicional grande mídia republicana como a FOX está em crise com Trump, pois o mesmo foi misógino contra apresentadora em evento conservador da rede e foi “desconvidado”(expulso) do evento.

Neste sentido, o que fez a interferência do FBI foi buscar dar importância a este órgão policial do estado capitalista americano; com a estratégia de primeiro colocar em risco para logo depois “chancelar” a possível vitória (ou derrota) da candidata do estabilishment em uma das eleições mais controversas dos últimos tempos no país. E assim aparecer como elemento o qual ninguém pode ignorar, e que está disposto a “dar as caras” no momento de crise do sistema político bipartidário.

Uma nova expressão de crise do sistema representativo

Mumia Abu-Jamal, formador do partido dos Black Panters e prisioneiro político americano declarou que nestas eleições o que se via era um “reality show final” que expressava a queda do império americano e da sua democracia, para depois reafirmar a ideia de Karl Marx segundo a qual a história se repete, primeiro como farsa e depois como tragédia. Não é nossa intenção neste artigo aprofundar sobre esta análise em especial, mas apenas cita-la para retirar daí a ideia de que expressa um elemento de maior instabilidade no regime democrático capitalista americana o fato de um órgão policial buscar cumprir um papel político tão importante em uma eleição presidencial que simbolicamente deveria expressar uma tradição democrática enraizada nos setores massivos da população e na intelectualidade, tendo como base o ativismo político e social – como chegou a acontecer de forma superior nas eleições de Barack Obama, mas que se mostrou uma farsa total após dois mandatos do democrata.

Se mostrou uma farsa total pois é inevitável que a tentativa de solução de uma contradição de crise histórica do imperialismo americano, dentro dos marcos do capitalismo em crise (também histórica) tende mais a aprofundar novas contradições superiores do quê resolve-las. E após anos de medidas contra os imigrantes, precarização do trabalho, racismo estatal, resgates milionários aos bancos e ações imperialistas em favor dos capitalistas, os democratas só conseguiram aprofundar a brecha e o enfrentamento social entre os que possuem riqueza e maioria esmagadora da população trabalhadora e imigrante. A vitória de Hillary caso se dê sera apoiada massivamente no “voto latino” e dos negros, porém, ainda menos que Obama, Hillary não terá nada a oferecer para estes e a tendência é que se aprofunde esta brecha.

E então se vê que como obstáculos “internos”, pela direita estaria a chamada “classe trabalhadora branca”, que está miserável e que grandes parcelas vem apoiando Trump, pressionada pelo desemprego e a miséria das regiões dos “cinturões da ferrugem” (rust belt, se referindo à desindustrialização decorrente das políticas neoliberais a partir dos anos 80) e sob a direção do “estabilishment evangélico” (um dos poucos a estar com Trump) na região do “cinturão bíblico” (bible belt, região conservadora do sudeste americano). E pela esquerda estaria movimentos como o Occupy Wall Street, que contesta a plutocracia financeira, e o Black Lives Matter, que questiona o racismo estatal histórico nos EUA. É fundamental para um futuro governo, após eleições tão questionadas que expressões radicais à esquerda, mas também à direita que podem polarizar “além da conta” para os burgueses, precisam ser contidos de alguma forma.

Na política externa a eleição da democrata pode ainda trazer a possibilidade de que conflitos diplomáticos sejam maiores com Europa, devido à crise migratória e a relação que coloca em evidência a figura de Hillary e sua ligação com governos de ditaduras árabes. Os vazementos de e-mails pelo site WikiLeaks envolviam acordos de vendas de armas bilionários que ligariam a fundação do próprio Estado Islâmico (ISIS) a interesses econômicos destes governos e por sua vez aos interesses econômicos da indústria armamentista americana. Como efeito colateral existiria um interesse oculto da democrata em seguir a guerra contra o ISIS, que é parte da crise huminitária e migratória que vem levando centenas de milhares de imigrantes à Europa. E parte destas investigações estão nas mãos do FBI.

Então, a crise de representatividade pode se aprofundar e neste caso uma aparição do FBI nas eleições pode representar apenas um primeiro sintoma que indique no sentido de que o governo vai ter que dar mais suporte para este órgão da reação oficial do estado americano. No caso específico das eleições esta reação fica evidente se tratando do jogo de poder “nas alturas”, entre as instituições e representantes do estabilishment, como é Hillary. Mas se o que quer o FBI for, ou forjar um pacto de fortalecimento desta instituição, ou uma demonstração de que vai “mostrar serviço” como oposição a um governo democrata, ou as duas coisas; então, o que inclusive já mostra o Black Lives Matter, é que os métodos violentos do aparato repressivo de estado americano é brutal com os trabalhadores, e é racista, sobretudo brutal com os negros. Então, a eleição, seja de Hillary ou Trump, no marco do fortalecimento deste tipo de intervenção de “polícia política” do FBI indica um endurecimento interno ainda maior para os próximos anos contra os movimentos sociais e as lutas dos trabalhadores.

Como se desenvolverá esta correlação de forças depende da capacidade dos movimentos sociais e de luta da classe trabalhadora imporem derrotas aos pilares repressivos do regime de poder dos capitalistas americanos e ganharem espaço no imaginário das massas trabalhadoras americanas. Os métodos da luta de classes, as mobilizações por parte do Black Lives Matter (um movimento heterogêneo com contradições e distintas tendências internas, mas que pode avançar se decide se ligar fortemente com a classe trabalhadora nativa e imigrante, negra ou branca), e os questionamentos da oligarquia financeira imperialista, levantado pelo popular Occupy Wall Street, que se somam a uma abertura sem precedentes dos jovens americanos à ideia do anticapitalistmo, ou à ideia do socialismo, são substratos importantes que a depender de como se combinarão podem definir o quanto esta eleição marcado por crises pode vir a se tornar nos próximos anos episódio de uma tragédia, ou um novo momento de lutas e questionamentos do capitalismo Ianque e os interesses de sua burguesia reacionária




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