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ELEIÇÕES TRABALHISMO BRITÂNICO | O que há por trás do fenômeno Corbyn?

Depois de sua desastrosa performance nas eleições gerais do Reino Unido de maio de 2015 e no referendo na Escócia, o Partido Trabalhista se dispõe a eleger seu próximo líder. No dia 12 de setembro se saberá o resultado das internas.

Alejandra RíosLondres | @ale_jericho

segunda-feira 14 de setembro de 2015 | 23:50

Andy Burnham, Jeremy Corbyn, Yvette Cooper e Liz Kendall são os quatro candidatos que disputam a difícil tarefa de recompor um partido que não consegue se recuperar desde 2010, depois de furiosos anos de blairismo, se distancia cada vez mais de sua militância de base para fazer eco aos interesses capitalistas.

Os quatro concorrentes são deputados de Westminster e salvo Corbyn os outros exercem altos postos em seu partido, no sistema britânico são chamados de “ministros na sombra”, ou seja, membros do “gabinete de oposição”.

Nessas internar se aplica pela primeira vez um sistem aberto de votação que consiste em “1 afilliado ou simpatizante = 1 voto”. Previamente os líderes se elegiam com o voto de três colégios eleitorais: um formado por deputados dos parlamentos britânico e europeu, o segundo composto pelos sindicatos filiados ao Partido Trabalhista (proporcional à quantidade de membros que apoiam o trabalhismo), e o terceiro que se constituía de militantes de base.

Para a direita do trabalhismo isso se tratou de um movimento para reduzir o peso dos sindicatos na vida partidária apelando ao voto individual da classe média e por isso decidiram passar do sistema colegiado ao individual (“um membro, um voto”). Ainda assim, o curioso é que esta mudança se tornou uma espécie de bumerangue.

Todo candidato, para participar da disputa, precisa ser nomeado como mínimo por 15% dos deputados de sua própria formação, e Corbyn conseguiu as 35 nominções necessárias. O candidato preferido pela direção atual é Burnham, que tem 68 nominações, seguidos por Cooper com 59 e Kendall com 41.

Entretanto, a candidatura de Corbyn, em contraste com as outras, despertou 250.000 filiações novas para o trabalhismo. Se alguém quisesse votar em Corbyn deveria apenas inscrever-se como “simpatizante registrado” dispendendo uma soma simbólica de 3 libras esterlinas (5 dólares).

Ninguém esperava que o novo sistema eleitoral fosse se tornar um veículo de ascensão para o veterano Corbyn, ignorado pelas altas esferas do partido mas muito carismático entre os ativistas sindicais, campanhas de imigrantes e causas pacifistas. Da velha escola do Trabalhismo, se define como socialista no estilo de Tony Benn e Michael Foot. Desde 1983 é deputado pelo distrito de Islington North em Londres e desde então não apenas manteve sua votação como vem adquirindo novos votos.

Com intenção de voto de 57% nas internas, Corbyn é o atual favorito para tornar-se o próximo líder do Partido Trabalhista britânico. A imprensa fala de “corbymania” e tratam de explicar como este candidato que anda de bicicleta e usa transporte público, preside a coalizão contra a guerra Stop the War, defende a luta do povo palestino, comparece aos piquetes e se pronuncia em quase todos os atos convocados pela esquerda e pelo movimento social e de como conseguiu conquistar o coração dos milhares de desencantados com o Partido Trabalhista.

Nas convenções de campanha se vem milhares de simpatizantes em distintos pontos do país – 2.000 em Londres, Leeds e Yorkshire, 1.500 em Liverpool. A presença do trabalhismo na Escócia se recuperou. No ato em Londres, os jovens que não puderam entrar se amontoaram nas frestas das janelas da rua para escutar o discurso.

É difícil atribuir essa reconfiguração a uma causa isolada. A candidatura de Corbyn foi tomada por dezenas de milhares de ativistas e jovens como uma via para expressar seu descontentamento com a política oficial do trabalhismo. É parte do movimento de rechaço aos cortes selvagens e o subsequente desmantelamento dos serviços públicos que no dia 20 de junho mobilizou 500 mil pessoas. Seguramente existem resquícios do enorme movimento contra a guerra do dia 15 de fevereiro de 2013 quando cerca de 2 milhões de pessoas tomaram o centro de Londres.

É certo que os sindicatos tem seu peso neste fenômeno: UNITE e UNISON, os dois maiores sindicatos do país com cerca de 1 milhão e meio de filiados cada, saíram publicamente apoiando Corbyn. O mesmo foi feito pelo PCS (trabalhadores das empresas estatais), CWU (comunicações), RMT (transporte de trens e marítimo), ASLEF (maquinistas) BFAWU (padeiros e alimentação) e FBU (bombeiros).

Também é certo que tanto a direita de seu próprio partido, quanto os políticos do establishment tem levado adiante uma furiosa campanha contra Corbyn. Alguns meios da imprensa liberal o comparam com os fenômenos Syriza e Podemos. Se levamos em consideração as origens, o partido trabalhista não é uma formação recente – foi criado pelos sindicatos em 1908 -, além disso, Jeremy Corbyn longe de ser um recém chegado é um veterano, deputado há 32 anos.

Aonda guardam semelhança é na alternativa política que defendem, ou seja, um programa reformista preenchido de uma política keynesiana. No plano econômico, Corbyn propõe duas alternativas à atual política de austeridade que vive o Reino Unido: a criação de um Banco Nacional de Investimentos, que haveria de capitalizar-se cancelando os subsídios e reduções fiscais ao setor privado, e uma proposta de “facilitação quantitativa popular”, ou seja, um programa de infraestrutura financiado pelo governo mediante fundos concedidos pelo Banco da Inglaterra. Enfim, trata-se de políticas que não rompem com a lógica da economia capitalista, pior ainda, colocam que se pode gerir o estado capitalista de forma racional.

No domingo, 30 de agosto, a onze dias do fechamento da votação de quase 600 mil membros do partido trabalhista, Tony Blair apareceu mais uma vez atacando Corbyn. O primeiro ministro, cujas simpatias com George Bush e a guerra ao terror não são nenhum segredo, já havia declarado que “aqueles que sentiam que seu coração estava com Corbyn, precisavam de um transplante”.

O turbilhão de filiações a partir da candidatura de Corbyn é, sem dúvida, uma expressão de rompimento com a classe política e as políticas de austeridade. Não há dúvida de que, se ganhasse, desataria uma hecatombe política. Ainda assim, não devemos nos enganar: para Corbyn será impossível implementar seu programa. É necessário estabelecer um diálogo de forma paciente com aqueles que tem expectativa neste projeto para colocar a necessidade de lutar por uma alternativa de independência de classe




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