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FLIP 2016 | O que eu vi da FLIP 2016 – de Clarice a Ana C.

Começo agora a escrever sobre algumas mesas que vi na FLIP 2016 e considerei relevante.

Gabriela FarrabrásSão Paulo | @gabriela_eagle

sexta-feira 8 de julho de 2016 | Edição do dia

“Literatura para elas [Clarice e Ana C.] era questão de vida e morte, não é coisa para se ficar falando a FLIP”

  •  Benjamin Moser

    A 14ª edição da FLIP homenageou Ana Cristina Cesar, poeta marginal, que se ainda não configura entre o cânone nacional de poesia é uma poeta considerada pela crítica como uma escritora de influência na formação de outros escritores, e principalmente, escritoras. Talvez esteja aí a principal importância dessa autora.

    Em 14 anos de FLIP Ana C. é apenas a segunda mulher a ser homenageada. A outra escritora homenageada foi Clarice Lispector na terceira edição da FLIP, há 11 anos.

    Para qualquer um que bata o olho na lista de homenageados e veja que em 14 anos Ana C. é apenas a segunda mulher homenageada na FLIP parece preocupante e pouco representativo. Na verdade esse número é apenas um reflexo do cânone brasileiro que esconde as mulheres escritoras, assim como esconde, de forma ainda pior, os negros na literatura chegando ao ponto de tentar passar por branco Machado de Assis.

    Mas tentando uma conexão entre a duas mulheres homenageadas, sem de maneira nenhuma problematizar esse baixo número, foi realizada a mesa “de Clarice a AnaC.” Questionando “O que há em comum entre as duas escritoras já homenageadas pela FLIP?”, como está presente no programa da festa.

    Para falar sobre isso foram convidados Heloisa Buarque de Hollanda e Benjamin Moser. “Dois grandes divulgadores de suas obras se reúnem para responder a essa pergunta [o que há em comum entre as duas escritoras] e traçar uma linha de continuidade entre duas sensibilidades literárias singulares”.

    “Heloísa Buarque de Hollanda (Ribeirão Preto – SP, 1939) publicou, em 1965, 26 poetas hoje, marco da Poesia Marginal. Entre os muitos outros méritos da antologia, estava uma autora de 23 anos, inédita, mas já em plena posse da sua arte: Ana Cristina Cesar. Heloisa não foi apenas sua editora de primeira hora, mas também depois de sua morte, em 1983, uma das maiores divulgadoras de sua obra. Seus ensaios abordam temas ligados à contracultura na poesia, às periferias literárias, aos estudos étnicos e de gênero. Nos anos 1990, fundou a editora Aeroplano, voltada à crítica e à história da cultura.

    “Com a biografia Clarice, (Cosac Naify, 2009) e a reedição da obra de Clarice Lispector, Benjamin Moser (Houston, Estados Unidos, 1976) renovou o interesse internacional em torno da escritora”.

    Heloísa chamou atenção ao momento em que a geração de poetas marginais surgiu e junto com ela Ana C. Foi durante a ditadura, e como a poesia dessa geração pode circular mesmo em meio a censura. A convidada conta que a poesia por não ter atenção nenhuma sobre ela conseguiu passar despercebida “por de baixo da mesa”. Se à poesia não era dada importância alguma que isso fosse usado a seu favor.

    Essa geração produzia seus livrinhos em mimeógrafos. E foi assim, de maneira caseira, em casa, que Ana C. com a ajuda de Heloísa costurou seu livro “Cenas de abril”, que se chamou assim apenas porque as duas acharam bonito o “l” de abril.

    Mas a crítica, como disse Heloísa, é tão maior que a realidade que criou várias teorias para o nome ser “Cenas de abril”.

    Heloisa quando conta sobre como conheceu Ana C. retoma a construção da importante antologia “26 poetas hoje”, e conta que foi procurar Ana C. para incluí-la porque na construção da antologia lhe veio a culpa, que sempre reaparece, de que faltava mulher; uma culpa, que aparentemente a FLIP não carrega.

    Ana C. dizia sempre que não conseguia não fazer literatura, essa obsessão, que refletia até nas mãos que estavam sempre se mexendo como se escrevesse algo, escrevia para mobilizar quem a lia.

    Clarice tinha também essa obsessão pelo fazer literatura; na época em que se queimou em um incêndio no seu apartamento não conseguir escrever foi, com certeza, um de seus maiores sofrimentos. Uma das únicas melhores que escreveu por toda sua vida retrata em sua obra o ser mulher desde menina até a senhora de idade, que se masturba escondida de seu marido.

    Benjamin deu especial importância ao falar da renúncia de Clarice a deus; um deus que matou sua mãe quando ela tinha nove anos, afirmando que não podia acreditar em um deus que deixou crianças morrerem durante o holocausto.

    Falar sobre duas escritoras exige que se discuta o que é uma escrita feminina. Para Ana C. era não escrever como homem, não escrever com início, meio e fim. O feminino, o ser mulher irá aparecer muito na obra de Ana C., assim como é tema recorrente nas personagens, quase exclusivamente, femininas de Clarice. Se as escritoras são sempre silenciadas pelo fato de serem mulheres e se há sempre essa culpa, da qual Heloisa fala, de que falta mulheres escritoras, falar sobre Clarice e Ana C. se faz sempre necessário.

    Foi, sem sombra de dúvida, uma das mesas mais deliciosas de se assistir. Ver o respeito e a admiração de Heloísa e de Benjamin pelas autoras que estudam e divulgam é encantador. Ambos são encantados pelas autoras para as quais dedicaram parte de sua vida. Seja Benjamin retomando a obra de Clarice a nível internacional, seja Heloísa sendo a companheira de Ana C. na feitura de seus livros. Chega a ser bonito ver os dois numa espécie de competição branda sobre qual das autoras era mais bonita.

    Talvez no fim da mesa chegue-se a conclusão de que não há muitas similaridades entre Ana C. e Clarice, há mais dessemelhanças e contrariedades. Ana C. com seu fingimento de intimidade, atuando o tempo todo no papel, que lhe foi posto de ser poeta, como apontou Heloísa, era o contrário de Clarice, que em toda sua literatura tinha uma sinceridade incondicional, uma exposição do sujeito que era em cada obra sua, segundo Benjamin. Mas o que ligava elas era a necessidade de fazer literatura, uma obsessão pela escrita, era o que as mantinha vivas e o que, com a mesma força, as matava, como Benjamin afirma em uma de suas falas, era questão de vida e morte, não coisa para se ficar falando na FLIP.




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