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Análise | O que esperar dos atos bolsonaristas do dia 7?

O 7 de setembro vem sendo construído como uma espécie de “redenção” do bolsonarismo. Que esperar dessa jornada e quais os cenários abertos?

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

segunda-feira 6 de setembro de 2021 | Edição do dia

O 7 de setembro vem sendo construído como uma espécie de “redenção” do bolsonarismo. O governo de extrema direita joga suas fichas para uma importante demonstração de forças, que dê fôlego a suas perspectivas políticas num momento difícil. São repudiáveis suas ameaças às liberdades democráticas e aos direitos da classe trabalhadora e do povo pobre. Sua retórica golpista, a despeito das aparências, se dirige primordialmente a degradar as condições de vida de dezenas de milhões de trabalhadores.

Os lugares chave serão Brasília e São Paulo, cidades a partir das quais se medirá o êxito ou fracasso da jornada convocada, à luz dos acontecimentos nacionais. A jornada se inscreve no interior de um longo ciclo de embates entre frações da burguesia e suas representações nas instituições do Estado. Um conflito entre a direita (apoiada nos governadores, no Supremo Tribunal Federal e no Congresso) e a extrema direita bolsonarista que, compartilhando os mesmos interesses em aplicar duros ajustes contra os trabalhadores e a população arruinada pela crise que os capitalistas criaram, buscam impor a sua própria maneira de organizar os assuntos do regime bonapartista no Brasil.

Fissuras interburguesas e internacionais obstaculizam “golpe”

De início, é preciso distinguir uma movimentação que busca ser uma demonstração de forças da extrema direita, de uma movimentação que tenha em mira “aplicar um golpe”. São questões diferentes. As ameaças proto fascistas de Bolsonaro, insuflando a possibilidade de um golpe, são conhecidas. Em não pouca medida, entretanto, a demonstração de forças que Bolsonaro pretende dar revela um caráter reativo. Bolsonaro se defende, reagindo diante das limitações dentro das quais seus adversários no interior do regime burguês buscam circunscrevê-lo. Sua situação institucional, econômica, no interior da classe dominante e aos olhos do imperialismo, não é nada simples. É contraditória o suficiente para debilitar qualquer tipo de aventura golpista, mesmo com a possibilidade real de extrapolações por sua base reacionária (que inclui a polícia militar).

É reativo em relação ao Poder Judiciário. O Supremo Tribunal havia aceito em agosto, através do ministro Alexandre de Moraes, notícia-crime enviada pelo Tribunal Superior Eleitoral (presidido pelo ministro Luís Roberto Barroso), incluindo Bolsonaro no inquérito das “fake news”. Posteriormente, Roberto Jefferson, aliado íntimo de Bolsonaro, foi preso a mando do próprio Moraes; o mesmo ministro que emitiu mandado de prisão contra o blogueiro bolsonarista Wellington Macedo. Na esteira da convocatória para o dia 7 de setembro, que Bolsonaro considera um “ultimato ao STF”, vimos a os bolsonaristas Sérgio Reis e Otoni de Paula serem alvo de mandados de busca e apreensão pela Polícia Federal, e agora, às vésperas do dia 07, a prisão do blogueiro bolsonarista Wellington Macedo de Souza. Em nome de seus próprios interesses, o autoritarismo judiciário tenta cercear a nefasta extrema-direita que ajudou a alimentar desde o golpe institucional de 2016 e as eleições de 2018, derrubando aliados menos conhecidos, mas importantes, do governo, “cercando” Bolsonaro.

Também reage diante das dificuldades que encontra no imperialismo norte-americano e na burguesia nacional. É pública a antipatia política de Biden e do Partido Democrata a Bolsonaro, pilar do trumpismo como corrente política na América Latina. O acordo do imperialismo norte-americano com as contrarreformas econômicas do governo não é estendido ao campo da política, já que o próprio establishment imperial está dividido nos Estados Unidos, e Trump segue sendo o principal personagem da oposição. John Kerry pressiona constantemente o Palácio do Planalto a adequar-se a seus planos ambientais. Em julho o chefe da CIA, William Burns, fez uma primeira visita “informal” para tratar as divergências de Washington com a linha bolsonarista, além de pressioná-lo a não ceder à diplomacia chinesa no tema do 5G. A “desinteligência” chegou a tal ponto que ninguém menos que Jake Sullivan, assessor de segurança nacional de Biden, veio ao Brasil para disciplinar Bolsonaro a não buscar repetir no Brasil o questionamento de Trump à idoneidade eleitoral, afirmando que os EUA “depositam grande confiança na habilidade das instituições brasileiras de realizarem eleições livres e justas, com salvaguardas para evitar fraudes”. Embora o fracasso de Biden e dos EUA no Afeganistão tenha desluzido o peso da ameaça, as disputas seguem, e nada parece indicar que Washington apoiaria uma tal aventura.

Já a classe dominante nativa se encontra bastante dividida, e os atritos dentro de seus setores obstaculizam enormemente uma “saída unificada” do embaraço político junto aos planos do governo. A Febraban havia anunciado em carta sua oposição às investidas bolsonaristas, uma antipatia no interior do capital financeiro que já havia surgido na “carta dos 500” encabeçada pelo Itaú (naquela ocasião, bancos como o Bradesco, Safra, entre outros, haviam se oposto ao Itaú). No setor industrial, a patronal golpista da Federação das Indústrias do Estados de São Paulo (FIESP), encabeçada por Paulo Skaf, articulou uma carta contrária à política de Bolsonaro contra os demais poderes, cuja publicação foi adiada em função do papel que cumpriu Arthur Lira, enquanto a FIEMG (entidade patronal de Minas Gerais) se posicionou ao lado do governo (a patronal industrial carioca, mais próxima a Bolsonaro, não quis se posicionar), mas logo viu uma carta de seus pares, com mais de 200 assinaturas, oposta à declaração oficial da federação patronal mineira. Essas divisões chegam inclusive ao setor agrário, eminentemente aliado de Bolsonaro, como vimos na carta de sete entidades do setor agroindustrial, com grande impacto exportador, além das declarações públicas de um dos seus maiores nomes, Blairo Maggi, desaprovando os choques buscados por Bolsonaro (ainda que apoie a esmagadora maioria de suas políticas contra os trabalhadores rurais, indígenas, sem-terra e o meio ambiente).

Por fim, a economia brasileira está em uma situação difícil. O PIB recuou 0,1% do 2º trimestre. O desemprego já atinge 14,4% da população, mais de 14 milhões de pessoas, parte de um universo ainda maior que se depara com preços altíssimos do gás de cozinha, dos combustíveis, e com a inflação em produtos básicos de consumo. As medidas ultraliberais e entreguistas de Paulo Guedes aprofundam o curso de decadência de uma economia atrasada e dependente, que perdeu o posto dentre as 10 principais do mundo. As pesquisas de opinião registram desaprovação crescente do governo. Não é um acidente que Bolsonaro tenha de se valer, para sua medida de força no dia 7, majoritariamente da base reacionária da polícia militar, de setores evangélicos e do agronegócio. A inclusão na Casa Civil de Ciro Nogueira, chefe do PP (partido do presidente da Câmara, Artur Lira) e articulador do conglomerado do Centrão na base do governo, é no âmbito parlamentar um mecanismo de defesa, embora pouco fiável; implica também concessões importantes de Bolsonaro, já que os parlamentares do Centrão vêm se opondo a “radicalizações” no dia 7.

Assim, como dizíamos, é preciso distinguir uma tentativa de demonstrar força nas ruas, para sair de uma posição mais defensiva, de aventuras golpistas. Não existe correlação de forças para Bolsonaro aplicar um “golpe”.. Podemos dizer que isso atuaria contra seus próprios planos, de preservar-se na posição de vítima acossada que tenta reunir, através da “injustiça sofrida”, maior volume de apoio para as presidenciais. Não está desacatado que a base bolsonarista de extrema direita tome medidas radicalizadas por fora da correlação de forças; essa é uma possibilidade dada pelo frenesi da convocatória direitista. Mas não respondem a uma planificação fundada nos fatores reais de poder.

Atos pró e contra Bolsonaro serão imagem distorcida dos humores políticos no país

Dito isso, é alta a probabilidade de que os atos pró-Bolsonaro sejam significativos. A provável força dos atos em apoio ao presidente deriva da concentração dedicada pelo Planalto na convocatória para os atos que, em São Paulo e em Brasília, contarão com a presença de Bolsonaro. O apoio de segmentos ruralistas, o ativismo dos pastores evangélicos amigos do governo e a mobilização de policiais militares geram mais expectativa, embora seja preciso verificar na realidade em quanta massividade se traduzirá. Atos fortes por parte do governo, embora dificilmente sejam suficientes para remover Bolsonaro da complexidade dos problemas que enfrenta, podem alterar o grau de debilidade em que se encontra na conjuntura. Uma sobrevida auxiliaria o governo a negociar em outra posição com as outras instituições do regime político.

Massividade é importante para demonstrar força. E não está garantido para Bolsonaro. Segundo levantamento feito pela Quaest Consultoria e Pesquisa com o banco Genial Investimentos, 51% dos entrevistados não sabem que há uma manifestação marcada para o feriado, contra 41% que sabem. Apenas 11% dos entrevistados afirmaram que pretendem comparecer aos atos de rua, enquanto 87% sinalizaram que não irão participar das manifestações. Ainda segundo a pesquisa, 61% dos que declararam que pretendem participar dos atos aprovam o governo de Bolsonaro, e 39% desaprovam. Já aqueles que afirmaram que não irão aos protestos majoritariamente avaliam negativamente o governo (59% do total).

Por outro lado, as manifestações antigovernamentais nos últimos meses atestam a raiva popular que poderia se expressar também no dia 7, contra Bolsonaro, Mourão e seus ataques. Mas, quando era mais necessário convocar com toda energia os atos da esquerda, as direções do movimento de massas simplesmente “tiram férias” e fazem chamados bastante fracos. Diante das ameaças bolsonaristas e o drama econômico-social, o papel do PT (assim como das centrais da CUT e CTB) é fingir de mortos e “pacificar o país” pelo bem e graça das instituições legislativas e judiciais. Lula está interessado em articular com a direita burguesa (Sarney, Kassab, FHC, líderes das oligarquias do Nordeste) sua candidatura presidencial, e que a luta de classes não o atrapalhe. Não querem lutar e fazem tudo para impedir o combate. Figuras como Marcelo Freixo (ex-PSOL, atual PSB) acata o “discurso do medo” e pede para ninguém sair às ruas. Como se derrotar Bolsonaro caísse do céu, enquanto Freixo e Cia. seguem sua rotina parlamentar reformista. Uma vergonha. O PSOL e o PSTU “decidiram” que os salvadores do país tem de ser o Congresso, o STF e os governadores; a CSP-Conlutas, dirigida pelo PSTU, assinou carta das centrais sindicais pedindo exatamente isso: que Fux, Lira e Doria se unifiquem para tomar as rédeas do país. Já estão tomando, ao aplicar os ataques anti operários e ultraliberais, ou atacando os indígenas com o reacionário Marco Temporal! Não admira, já que PSOL e PSTU chegaram a defender publicamente a presença dos “opositores” do PSDB nos atos anti-Bolsonaro. De esquerda, nem tanto. Stalinistas da UP, que bradam sobre a greve geral, seguiram ombro a ombro com Joyce Hasselman e Kim Kataguiri a política do “superimpeachment”, e da mesma maneira que PSOL e PSTU não estiveram nem com suas sombras ao lado das lutas operárias que vimos na MRV, na Carris de Porto Alegre, na RedeTV em São Paulo, ou na Sae Towers em Betim, ou mesmo junto aos indígenas em Brasília (conflitos em que o MRT e o Esquerda Diário jogaram suas forças, ganhando o reconhecimento desses lutadores).

A probabilidade de atos pequenos por parte da esquerda se dá primordialmente em função da política dessas direções e organizações, e não porque a oposição popular ao governo tenha diminuído ou seja menor do que já foi. Veremos de maneira distorcida esses espectros de apoio e oposição a Bolsonaro, especialmente em função da postura derrotista e traidora das direções de massas que se dizem “opositoras”.

Cenários

Caso Bolsonaro tenha êxito em demonstrar força, poderá servir-se de um respiro político na conjuntura, mais habilitado a pressionar o STF a desandar em certas medidas prejudiciais a seus aliados, e o Congresso a votar suas políticas. Extrapolações excessivas da base bolsonarista tendem a atrapalhar esse objetivo, na medida em que serão vistos como provocações demasiado grandes para serem admitidas, especialmente pelo bonapartismo judiciário, contra quem o dia 7 seria um “ultimato bolsonarista”.

Outro cenário é de que a radicalidade reacionária dos atos pró-governo não se traduzam em expressiva massividade, algo que minaria as forças do governo e desmoralizaria sua própria defesa. Um resultado dessa natureza revigoraria a iniciativa do STF, do Congresso e dos governadores, e poderia prejudicar seriamente a posição do governo junto ao Centrão, que foge daquilo que fareja como fraqueza. Seria o pior cenário para Bolsonaro.

Um terceiro cenário seria a realização de atos expressivos o suficiente para demonstrar forças, mas insuficientemente fortes para recolocar a iniciativa nas mãos do governo. Ou seja, uma tendência onde os atos impeçam uma dinâmica destituinte, mas ao mesmo tempo não sejam fortes o suficiente para reverter um debilitamento estrutural do governo, que se deve a fatores econômicos e sociais que “golpes de efeito” não conseguem reverter. Sendo muito improvável que os atos sejam fracos, é nesse cenário que as instituições bonapartistas anti-Bolsonaro se fiam para pensar os próximos passos da relação com o Executivo.

Como dissemos no último editorial, a política da esquerda revolucionária é ajudar no surgimento da classe trabalhadora como sujeito político independente de qualquer variante burguesa; para que os trabalhadores intervenham com seu próprio programa. Isso é completamente avesso a depositar confiança em que “assumam o leme” os que já “navegam o barco”: STF, Congresso e governadores, responsáveis junto a Bolsonaro pela crise. A frente única defensiva das organizações de classe dos trabalhadores, contra o conjunto dos capitalistas, é o fundamento de um programa de ação que imponha aos capitalistas que paguem pela crise. Para derrotar Bolsonaro, Mourão e os militares, e colocar abaixo seus ajustes econômicos, privatizações, a fome e o desemprego, a única política independente é defender a imposição, pela luta, de uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana, que acentue os choques de classe e coloque todos os problemas sócio-econômico estruturais sobre a mesa, permitindo aos trabalhadores impulsionar sua auto-organização para enfrentar os capitalistas, o que poderia abrir caminho à luta por um governo dos trabalhadores de ruptura com o capitalismo




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