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Coluna | O mundo das mentiras do outdoor bolsonarista

Painéis com peças publicitárias foram espalhados em várias partes do país associando o "comunismo" ou o Lula ao "aborto", "bandido" e "censura" e fazendo uma contraposição ao que defenderia Bolsonaro em uma almágama de mentiras com o intuito de disseminar as ideias da extrema direita

Juliane SantosEstudante | Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

sexta-feira 19 de agosto de 2022 | Edição do dia

(Outdoor na região de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Reprodução/Grupo Prerrogativas)

Painéis com peças publicitárias foram espalhados em várias partes do país associando o "comunismo" ou o Lula ao "aborto", "bandido" e "censura" e fazendo uma contraposição ao que defenderia Bolsonaro.

(Foto: Reprodução/Instagram)

O lado da coluna referente as cores brasileiras, ou a imagem de Bolsonaro com uma expressão "angelical", destaca inúmeros discursos mentirosos, distorções e dizeres absurdos. A coluna tem início com a “defesa da vida” em contraposição ao direito ao aborto e a "ideologia de gênero". Nem precisamos fazer esforço para lembrar que Bolsonaro e toda a extrema direita, bastante expressada pela ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves, possuem um diálogo demagógico e mentiroso em relação a esses temas, pois o que querem é manter o controle do estado sobre as mulheres aprofundando o patriarcado e o machismo, retirando direitos, em especial das mulheres trabalhadoras. Já a defesa da vida… é mais uma mentira sem tamanho, basta ver a defesa do caráter assassino e racista da polícia, que é reivindicado e aprofundado no governo Bolsonaro, instituição que assassinou tantos jovens negros nas favelas e comunidades do país, ou todo discurso de ódio que dá bases para mortes inacreditáveis como a do jovem trabalhador congolês Moise Kabagambe, brutalmente assassinado por defender o direito de receber seu salário atrasado. Essa é a "defesa da vida" de Bolsonaro, que também permite que inúmeras mulheres morram ou tenham sequelas causadas por abortos clandestinos quando optam por não ser mães, já que o direito ao aborto seguro é uma questão de classe, pois se você tem dinheiro consegue pagar um procedimento seguro, já se não tem o cenário é outro, o que leva a que as mulheres pobres e negras sejam as que mais sofrem e morrem em mesas de cirurgias clandestinas. E mesmo no caso de crianças que foram estupradas, situação que o aborto é permitido por lei, Bolsonaro se colocou contra esse direito, querendo impor uma enorme violência contra uma menina de 11 anos.

O racismo expresso no outdoor não acaba aí. A defesa por "bandido preso" é o slogan da direita e da extrema direita para manter uma repressão sistemática contra a população negra e trabalhadora. Enquanto isso, são inúmeros os escândalos de corrupção envolvendo seus fiéis aliados, os militares, com inúmeros casos na época da ditadura militar e na história recente. Além disso, toda a família Bolsonaro, proprietários e moradores de grandes mansões, cheios de "funcionários fantasmas", possuem ligação direta com milicianos de todos os tipos. Mas os "bandidos" a que a extrema direita se refere nós sabemos que são os jovens, negros e moradores das periferias que são assassinados pela polícia que julga e executa à bala para tentar subjulgar os trabalhadores e a população negra e manterem o sistema como ele é. Tudo isso para legitimar o sistema carcerário brasileiro, que em sua maioria é composto por negros e pobres que chegam a passar anos encarcerados sem sequer ter direito a um julgamento.

Em relação a defesa de armas já podemos suspeitar para que seria, já que os discursos de ódio da extrema direita contra as mulheres, negros, LGBTQIAP+, indígenas e demais setores oprimidos, assim como aos trabalhadores de conjunto e a esquerda, é o que nunca deixa de ser inflado. A defesa das armas é aqui para armar os grandes latifundiários, milicianos, grileiros e garimpeiros para seguirem matando os indígenas, ativistas do meio ambiente e os sem terra. Os valores cristãos são outro ponto que nem deveria precisar ser debatido pois é um total absurdo a junção de política e religião, o que é utilizado por grupos que, aí sim, querem censurar na maioria das vezes religiões de matrizes africanas ou outras crenças que não sejam as "cristãs" defendidas por eles, e buscar formatar um regime cada vez mais vinculado às igrejas.

Sobre a suposta redução de impostos que ocorreria no governo Bolsonaro então nem se fala. Poderia estar do lado dessa parte uma frase sobre o papai Noel ou sobre a fada do dente que talvez fosse mais factível. Todo trabalhador sabe o quanto o governo Bolsonaro (não sem apoio do regime do conjunto) aprovou inúmeros ataques e reformas, como a Trabalhista e da Previdência, que acabou com o presente o futuro dos setores mais empobrecidos, já diminuindo seus salários, direitos e seu poder de compra, isso se soma a uma alta inflação e a um aumento do preço dos alimentos que faz com que mais da metade dos brasileiros vivam com algum tipo de insegurança alimentar, então vemos o quanto essa promessa de "menos impostos", que diga-se de passagem não vimos ocorrer nos quatro anos passados de governo Bolsonaro, não passa de uma promessa mentirosa que deixa a ilusão de uma melhora de vida, ainda que de fundo isso não surpreende tendo em vista a crise internacional que nos encontramos e o afinco de Bolsonaro em servir aos interesses e lucros dos patrões e grandes empresários em detrimento dos interesses dos trabalhadores.

Para derrotar Bolsonaro e toda essa extrema direita nojenta precisamos confiar na força de luta dos trabalhadores aliados aos setores mais oprimidos da sociedade de forma autoorganizada. Essa é a única maneira de derrotarmos de vez a extrema direita e o bolsonarismo, e vou explicar resumidamente porquê.

Em inúmeros processos históricos foi a força da luta da classe operária aliada a juventude e aos setores oprimidos que conseguiram os direitos que temos hoje, assim como os processos históricos que expressam as tentativas de conciliação de classes pararam exatamente aí, na tentativa, pois, como já dizia Marx no século XIX, proletariado e burguesia são classes antagônicas e, ainda hoje, claramente continuam sendo e a conciliação de classes se torna, de fato, impossível, a não ser que o interesse seja usar esse termo para de fundo atender aos interesses da burguesia. Nada nos foi dado, tudo foi arrancado com a força da nossa luta. Um forte exemplo foi a greve geral de abril de 2017, que barrou a aprovação da reforma da previdência levada a frente pelo golpista Michel Temer por meio de um processo de luta que posteriormente foi traído pelas direções dos sindicatos (vamos chegar nesse debate logo mais). Outro exemplo forte foram os anos de lutas das mulheres, aliadas aos trabalhadores na Argentina, em que por meio da luta das mulheres e meninas na linha de frente conseguiu o direito ao aborto legalizado. Mas aí você poderia me perguntar: "Mas.. e a conciliação que o PT defende hoje? Com essa estratégia de conciliação vai ser possível derrotar Bolsonaro, a extrema direita, as reformas, os cortes na educação e defender os interesses dos setores mais oprimidos?"

De fato o diálogo feito nos outdoors do lado do Bolsonaro ou do Brasil são inúmeras mentiras e barbaridades, mas as mentiras dos outdoors não param aí. O lado da coluna que faz referência direta ou indireta ao PT também é no mínimo mentiroso por diversos motivos. Começando pela suposta defesa ao aborto. O PT em seus 13 anos de governo nunca chegou a levar a frente essa demanda, mas ao contrário disso vimos a presidenta Dilma assinar a "Carta ao Povo de Deus" no qual se comprometia a não levar a frente demandas como a legalização do aborto. As colunas vão sendo colocadas explicitando, portanto, uma série de mentiras como a própria associação do PT ao comunismo, algo que, como o próprio Lula e militantes do PT deixam claro, o que eles defendem definitivamente não é o comunismo mas sim defendem uma política de "conciliação de classes". Mas será possível conciliar os interesses dos capitalistas que querem lucrar cada vez mais com os interesses dos trabalhadores que querem lutar pelos seus direitos?

Ser marxista é ser um estudioso da sociedade como ela é, com todas suas contradições, se apropriar de todas as experiências históricas e refletir como usar de tudo isso para avançar em uma atuação na realidade com o objetivo de ser parte da construção de um novo mundo em que a maioria das pessoas não sejam exploradas e oprimidas por um punhado de gente que faz isso para lucrar e ganhar tanto dinheiro que não consegue nem gastar durante uma vida inteira (e disso surge as heranças). Para isso ocorrer é necessário se enfrentar com todo o sistema capitalista e suas defesas, e tendo isso em vista inúmeras análises e experiências históricas descritas por Marx, Lênin, Trotsky, Rosa Luxemburgo dentre outros revolucionários estão aí com seus debates fundamentais para que isso seja possível. Então não, o PT não defende o comunismo.

A política petista fica bastante explícita quando analisamos os governos de Lula e Dilma, que concederam créditos e programas sociais ao mesmo tempo em que os banqueiros lucravam como nunca antes; aumentaram o número de empregos em base a triplicação da terceirização que fez com que principalmente mulheres e negras trabalhassem em condições mais precárias e com menos direitos, algo que com certeza favoreceu o bolso dos patrões, ou então permitiu que muitos estudantes entrassem em universidades privadas por meio do ProUni ou Fies e o sonho de entrar em um curso superior serviu para encher de lucro os grandes tubarões da educação que tratam a educação como mercadoria, sem falar das dívidas que muitos alunos contraíram.. então, essa seria, na prática, a "conciliação" defendida pelo PT, mas ao que vemos teve um lado que foi infinitamente mais favorecido e não foi o lado dos trabalhadores e dos estudantes pobres.

A linha de conciliação petista fortaleceu inúmeros setores reacionários como o agronegócio e a bancada da Bíblia, que por sua vez foram setores que estiveram na linha de frente do impeachment do próprio PT. E agora, mais uma vez, o PT vai inclusive além e se alia com o reacionário da Opus Dei Geraldo Alckmin, ninguém menos que um político que para levar a frente o projeto neoliberal no país atacou greve de professor, deu ordens para a polícia atacar ocupações com mulheres, idosos e crianças como a do Pinheirinho e a reprimir estudantes nas suas mobilizações como em 2013 (diga-se de passagem Alckmin reprimiu as manifestações de 2013 ao lado de ninguém menos que Fernando Haddad, prefeito de São Paulo na época).

Mesmo com todas essas experiências históricas grande parte da esquerda, como o PSOL, se adapta fortemente à estratégia de conciliação petista, chegando no caso desse partido fazer uma coligação com o partido burguês Rede, que foi a favor de ataques anti-operários e expressando com isso toda sua adaptação à burguesia. O PCB e a UP, que possuem uma estratégia stalinista - que representa uma forte deturpação do marxismo - tem uma política que na prática se separa organizativamente do PT em momentos, como com suas candidaturas próprias para presidente, por exemplo, mas de fundo também defendem uma estratégia e política de conciliação de classes, retomando a linha histórica stalinista

Tudo isso demonstra que o caminho para derrotar Bolsonaro, a extrema direita e todos os ataques, conseguindo a revogação das reformas e abrir caminho para a construção de uma outra sociedade só ocorrerá por meio da autoorganização dos trabalhadores em unidade com os setores oprimidos, retomando para suas mãos as ferramentas de luta como os sindicatos que hoje no Brasil são dirigidos por burocracias, muitas de partidos de conciliação como PT e PCdoB como é o caso da CUT e CTB, duas das maiores centrais sindicaisdo país, então podemos imaginar para que direção esses partidos dirigem. A independência de classe e a autoorganização da classe operária é o caminho para conseguir nossas demandas e por mais que tentem apagar a história da luta de classes ela foi e continuará sendo o motor da história.


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