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TRIBUNA ABERTA | O grande ausente e os problemas da educação

Há um fato indiscutível: a classe trabalhadora está ausente, como classe com um projeto próprio, da direção do processo de transformação social. Alguns interpretam essa ausência como expressão do fim da classe trabalhadora como sujeito fundamental do processo de superação do capitalismo. Outros entendem que essa ausência é momentânea e que essa classe poderá voltar a assumir essa liderança.

sexta-feira 20 de maio de 2016 | Edição do dia

Introdução

Há um fato indiscutível: a classe trabalhadora está ausente, como classe com um projeto próprio, da direção do processo de transformação social. Alguns interpretam essa ausência como expressão do fim da classe trabalhadora como sujeito fundamental do processo de superação do capitalismo. Outros entendem que essa ausência é momentânea e que essa classe poderá voltar a assumir essa liderança.

Não discutiremos a primeira posição. Em outros textos (Descaminhos da esquerda; Proletariado e sujeito revolucionário; Trabalho associado e revolução proletária) já tomamos posição contrária a ela. Concordamos com a segunda posição, por razões que exporemos mais adiante. Todavia, julgamos da máxima importância entender as causas que levaram a classe trabalhadora a estar, hoje, nessa situação de ausência. A partir daí poderemos, então, buscar entender as consequências que essa ausência tem para a situação atual da educação.

Esse texto não tem a pretensão de dizer nada de propriamente novo. Seu objetivo é articular duas questões que foram tratadas de maneira separada: a questão da ausência da classe trabalhadora e a questão das possibilidades e limites da educação na situação atual.

1. A ausência da classe trabalhadora

1.1 – A teoria marxiana

Para compreendermos a origem, a natureza e o caráter da ausência da classe trabalhadora no momento histórico atual, teremos que recorrer à teoria marxiana, que
julgamos a mais pertinente e, obviamente, ao processo histórico.

De acordo com Marx, o trabalho é a categoria que funda o ser social. O trabalho, entendido como transformação intencional da natureza para produzir os bens materiais necessários à existência humana, é a categoria responsável pelo salto ontológico, vale dizer, por aquela transformação essencial que, rompendo com a legalidade da natureza, dá origem a um novo tipo de ser que é o ser social.

O desenvolvimento das forças produtivas, que resulta da capacidade do trabalho de produzir sempre algo novo e não simplesmente reproduzir o mesmo, teve como consequência, há uns dez mil anos, o surgimento da propriedade privada e das classes sociais. De lá para cá, como afirmam Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista, a história da sociedade tem sido a história das lutas de classes.

A análise da anatomia da sociedade burguesa permitiu a Marx constatar que nela se defrontam duas classes fundamentais: a burguesia e o proletariado. Mas, também lhe permitiu constatar que, pela primeira vez na história, ambas as classes tinham a possibilidade de propor à sociedade um projeto de caráter universal. Havia, no entanto, uma diferença essencial entre os dois projetos. O primeiro – da burguesia – implicava a articulação entre a igualdade formal e a desigualdade real. O segundo – do proletariado
– ao contrário, implicava a efetiva igualdade real e, portanto a supressão da desigualdade e do seu corolário, a igualdade formal. Deste modo, ficaria evidente a superioridade do projeto do proletariado sobre o da burguesia, pois aquele possibilitaria a mais plena realização de todos os indivíduos.

Em meados do século XIX a burguesia, através de sucessivas revoluções, transformava em realidade o seu projeto. O proletariado, por sua vez, desde que, através de um processo complexo, teórico e prático, deixou de ser apenas uma classe em-si e se tornou uma classe para-si, isto é, consciente dos seus interesses e dos interesses das outras classes, também foi lutando para construir, tanto teórica como praticamente, a um outro projeto de sociedade. Projeto este que implicava a eliminação total da propriedade privada, das classes sociais, do Estado e, como consequência, de toda forma de exploração do homem pelo homem.

Para atingir esse objetivo, a classe trabalhadora precisaria realizar uma ruptura de raiz com a sociedade burguesa. Vale dizer, teria que erradicar os fundamentos desta sociedade, isto é, realizar uma revolução. Assim como a burguesia, para efetivar o seu projeto, teve necessidade de fazer uma revolução, do mesmo modo o proletariado teria que realizar uma ruptura desse tipo. Vale a pena, no entanto, enfatizar: ainda que a revolução seja um processo complexo, sua essência não consiste na tomada do poder

mas na mudança na forma do trabalho. Assim, a essência da revolução burguesa não foi a eliminação do Estado feudal e sua substituição pelo Estado burguês, mas a substituição do trabalho servil pelo trabalho assalariado. Esta é uma decorrência do fato de que o trabalho é a categoria que funda o ser social. No texto Glosas críticas ao artigo O rei da Prússia e a reforma social. De um prussiano, de 1844, Marx já demarcava claramente a diferença entre revolução burguesa e revolução proletária deixando claro que a primeira, apesar de ser uma mudança na forma do trabalho, apenas significava a substituição de uma forma de exploração do homem pelo homem por outra forma. Por isso mesmo tinha necessidade, também, de um instrumento político de dominação do homem pelo homem, o Estado. A segunda, ao contrário, implicava a supressão de toda forma de exploração do homem pelo homem, pois teria como seu fundamento a forma do trabalho mais livre possível, o trabalho associado. Por isso mesmo, o momento político apenas entraria como mediação para abrir caminho para a eliminação da última forma de trabalho alienado.

Consideradas as tarefas a serem realizadas: fundar uma forma de sociabilidade igualitária e onde todos os indivíduos pudessem ser efetivamente livres e desenvolver amplamente as suas potencialidades, a revolução proletária implicaria a existência de um alto desenvolvimento das forças produtivas e seu caráter teria que ser, necessariamente universal. O nível de desenvolvimento e a interconexão das forças produtivas implicavam que os problemas não poderiam ser resolvidos apenas de modo local ou regional.

A classe trabalhadora é, pois, para Marx, o sujeito fundamental da revolução. Não o único, pois nenhuma revolução é obra apenas de uma classe, mas, certamente, o mais importante uma vez que é ela a única que tem uma contradição absolutamente radical com o capital.

1.2 – O que aconteceu na história?

Variadas foram as tentativas que pretenderam superar o capitalismo. Tanto aquelas que buscaram superá-lo pelo caminho das reformas como aquelas que tomaram a via da revolução, ou seja, do confronto direto e violento com a ordem burguesa. Nenhuma dessas tentativas obteve êxito. É fácil compreender o insucesso da via reformista. No caso do caminho trilhado pela social-democracia alemã, esta pressupunha que o próprio desenvolvimento do capitalismo, cada vez mais monopolizado, estabelecia a base econômica para a chegada ao socialismo. Caberia,

então, à classe trabalhadora, numerosa e bem organizada, tomar conta do Estado, por intermédio do sistema democrático e, através do Estado orientar as transformações que impulsionassem a sociedade em direção ao socialismo. Todas as outras tentativas reformistas também pressupunham e continuam a pressupor que é possível chegar ao socialismo através do jogo democrático. Contrariamente ao que era preconizado por Marx, atribuía-se, deste modo, ao Estado a tarefa de liderar o processo de construção do socialismo.

A dependência ontológica do Estado em relação ao capital e, portanto, a absoluta impossibilidade de o Estado controlar o capital levaria, como de fato levou, ao insucesso de todas as tentativas reformistas.

Também não é muito difícil compreender o insucesso das tentativas pelo caminho revolucionário. Faltavam a elas as duas condições mais fundamentais para sua efetivação: um alto desenvolvimento das forças produtivas e a universalização da revolução. Na ausência dessas duas condições, o máximo que se podia realizar era o primeiro momento da revolução, o momento político, isto é, a destruição do Estado burguês, a retomada do poder político pelos revolucionários11. Todavia, como já vimos, este seria apenas uma mediação para a realização de transformações econômicas que iriam, aos poucos, superando o trabalho assalariado e instaurando o trabalho associado, fundamento do comunismo.

Na ausência dessas condições, a mais importante e expressiva tentativa revolucionária – a revolução russa – viu-se na impossibilidade de prosseguir no rumo do socialismo. O prosseguimento só seria possível na medida em que a capacidade de produzir riqueza fosse amplamente desenvolvida e a revolução fosse universalizada. No entanto, a necessidade de desenvolver rápida e intensamente as forças produtivas impunha a continuidade da exploração da classe trabalhadora e, por consequência, a necessidade de construção de um típico aparelho do Estado como instrumento dessa exploração. Por esta via, então, de novo se atribuía ao Estado a tarefa de liderar o processo de transformação social em direção ao socialismo.

Contudo, essa situação de oposição entre um pretenso campo no qual estaria sendo construído o socialismo e outro no qual continuaria a ter vigência o capitalismo teve consequências imensas. Uma primeira foi a perversão da teoria marxiana para
adequá-la à sustentação desse caminho para o socialismo e, mais tarde, da “teoria” da

possibilidade do socialismo em um só país. O resultado foi desastroso, transformando o marxismo em uma bíblia dogmática, cujo intérprete único e verdadeiro era o Partido, depois o Comitê Central do Partido e, por fim, o Secretário Geral do Partido. Uma segunda foi a transformação da União Soviética em modelo e guia para a construção do socialismo nos outros países. E, como “pátria do socialismo”, um sistema a ser defendido a todo custo.

A doutrina da coexistência pacífica entre capitalismo e socialismo implicava a necessidade, dada a fraqueza momentânea do campo “socialista”, de refrear a luta dos trabalhadores contra o capital, transformando-a em luta com o capital. Estratégia e tática, partidos e sindicatos ao redor do mundo, tudo foi orientado no sentido de obter ganhos imediatos à espera do fortalecimento, considerado inevitável, do “socialismo”. Este, fortalecido, atrairia, como um ímã, a classe trabalhadora dos países capitalistas em direção ao socialismo2.

Por este processo, certamente muito complexo e de modo nenhum linear, a classe trabalhadora e seus possíveis aliados, foram educados no sentido de limitar as suas lutas no interior do perímetro definido pelo capital e pelo Estado. O resultado mais geral foi a progressiva perda do horizonte revolucionário, isto é, da perspectiva de superação radical do capital e do Estado e sua substituição por um horizonte reformista.

Como resultado da dinâmica da reprodução do capital, ao longo desse processo, também foi se formando, no interior da classe trabalhadora, um segmento com um nível de vida mais elevado. Este nível de vida, porém, dependia da manutenção de um nível de vida mais rebaixado de outro segmento da própria classe trabalhadora. Esse fenômeno já foi observado e denunciado por Lênin como a formação de uma “aristocracia operária”. Aristocracia essa que, exatamente pelos ganhos maiores obtidos por sua posição no processo de produção, se transformou em aliada da burguesia contra os outros trabalhadores. Esse fenômeno pode ser observado, em formas diferentes, em muitos e, talvez, na totalidade dos países.

Ocorre que esse segmento – a “aristocracia operária” era exatamente o mais organizado e com maior nível de acesso à educação. Por isso mesmo, tendia a dominar todo o aparelho sindical e partidário3.

O desmoronamento do chamado “bloco socialista” foi apenas o dobre de finados de um caminho que, como caminho para o socialismo, estava fadado ao fracasso desde os seus primeiros passos.

Ao eclodir a crise atual do capital, por volta de 1970, a situação, em grandes linhas, era essa: de um lado, o capital, mesmo em crise profunda, viu seu caminho livre para descarregar sobre os ombros dos trabalhadores todo o peso do enfrentamento dos seus problemas. Não é preciso enumerar todas as formas das quais ele lançou mão com esse propósito. Sobre isso a literatura é abundante. De outro lado, a classe trabalhadora, internamente dividida entre a “aristocracia operária” e os outros trabalhadores e profundamente desamparada teórica e praticamente.

Não é preciso muito esforço para saber quem foi mais prejudicado nesse processo. Mais grave ainda: a aliança da “aristocracia operária” com a classe burguesa foi um dos elementos importantes para o aumento do prejuízo do restante dos trabalhadores. De uma defesa dos interesses dos trabalhadores no período da intensificação da reestruturação produtiva e do neoliberalismo, passou-se, especialmente na Europa e nos países periféricos, a uma aliança da “aristocracia operária” com parte da burguesia com a pretensão de trilhar um caminho que não fosse nem capitalista (neoliberal) nem socialista (de tipo soviético), mas uma “terceira via”, um capitalismo de “face humana” ou, até, um “socialismo com liberdade”.

Tudo isso configurou uma situação em que, no confronto entre capital e trabalho, este último estava atrelado, em grande parte por obra e graça daquela estratégia e daquelas táticas, do trabalho dos partidos e sindicatos ditos de esquerda, à perspectiva burguesa. O horizonte revolucionário tinha praticamente desaparecido. A classe trabalhadora estava ausente como oponente radical do capital. Vale dizer, a classe trabalhadora, com um projeto próprio que implicaria, como objetivo maior, a destruição do capital e do próprio Estado, estava ausente. Não significa que não houvesse, nesse período, muitas lutas. Todavia, todas essas lutas tinham como objetivo apenas a defesa ou a obtenção de ganhos limitados e parciais. Não eram lutas que acumulassem forças no sentido revolucionário, isto é, de formação de uma consciência e de uma organização independente do capital e do Estado e, mais ainda, contra o capital e contra o Estado.

Ora, como vimos antes ao sumariar a teoria marxiana, a classe trabalhadora é o sujeito fundamental da revolução. É inegável que essa classe sofreu inúmeras alterações. Todavia, dada a posição que ela ocupa no processo de produção da riqueza material – sem a qual a humanidade deixaria de existir – e dada a oposição,

absolutamente inconciliável com o capital, ela continua a ser o sujeito a quem cabe a direção do processo revolucionário. Todas as tentativas de retirá-la desse lugar e substituí-la por outros sujeitos – movimentos sociais, multidão, oprimidos, pobres, etc.
– sempre levaram e levam, independente das intenções, ao reformismo. Não se trata, pois, de buscar outro sujeito, mas de que o único e verdadeiro sujeito revolucionário volte a ocupar o seu lugar.

A amplitude e a profundidade que teve e continua tendo essa ausência da classe trabalhadora como protagonista do processo de luta contra o capital e contra o Estado é dificilmente imaginável. Em todos os aspectos, tanto teóricos como práticos. Limitar- nos-emos a referir apenas alguns desses aspectos. No âmbito teórico, é essa ausência a responsável pelas inúmeras deformações sofridas pela teoria marxiana, em especial pela perda da centralidade do trabalho em favor da centralidade da política44. Mas, é também responsável pelos descaminhos da cientificidade, tornando a ciência social e a filosofia cada vez mais comprometidas com a manipulação da realidade, com o irracionalismo, o ecletismo, o pluralismo metodológico, o empirismo e o mal chamado pós-modernismo.

No âmbito prático, é ela responsável pelo atrelamento da classe trabalhadora à perspectiva burguesa, pelos gravíssimos problemas que o capital vem causando à humanidade, pelo predomínio do reformismo, pela ilusão de que o Estado poderia ser tomado e posto a serviço dos interesses da classe trabalhadora, pela crescente perda de sentido da vida humana, pelo individualismo exacerbado e, por último, mas não menos importante, pelo ressurgimento do fascismo, do nazismo e de toda sorte de fundamentalismos.

2. A ausência do sujeito revolucionário e os problemas da educação

2.1 – Capital, Estado e educação

Partimos do pressuposto de que o trabalho é a categoria que funda o ser social. Em consequência, qualquer forma de sociabilidade terá, sempre, como seu fundamento, uma determinada forma de trabalho. No caso da sociabilidade burguesa esta forma de trabalho é o trabalho assalariado. É a partir dele que se configura todo o edifício da
sociedade burguesa. Observemos, de passagem, que, entre o trabalho e as outras dimensões sociais existem três tipos de relação. Primeira: uma relação de dependência ontológica de todas as dimensões em relação ao trabalho. Segunda: uma relação de autonomia relativa de todas as dimensões em relação ao trabalho. Terceira: uma relação de determinação recíproca entre todas as dimensões, incluindo, aí, o trabalho. Portanto, nenhum mecanicismo, nenhum economicismo.

Deste modo, o capital, que é uma relação social e não uma coisa, é a matriz da sociabilidade burguesa. É a lógica da sua reprodução que comanda, em última análise, todo o movimento da sociedade burguesa. E, como já tinha sido esclarecido por Marx, e como foi ampliado e aprofundado por Mészáros, esta lógica é incontrolável55. Porém, ele não poderia se reproduzir sem a existência do Estado como força mantenedora da ordem que o favorece. Assim, o Estado – moderno – nasce a partir das exigências postas pela produção do capital e tem como tarefa precípua defender a sua reprodução.

Um dos grandes instrumentos de que se serve o Estado para garantir a reprodução do capital é, exatamente, a educação escolar. É, especialmente, através dela que se prepara, por um lado, a força de trabalho que servirá de insumo para o processo de produção e, por outro, o indivíduo, através da assimilação de ideias, valores e comportamentos, para integrar à sociedade burguesa. Este instrumento, sem dúvida, não é o único, mas é um dos mais importantes. Por isso, a organização e o controle da educação escolar são tarefas das quais o Estado não pode se desfazer. É uma ilusão pretender organizar um processo educativo que não atenda, mesmo que em formas diversas, os interesses do capital.

Contudo, é sabido que o capital é uma relação contraditória. É de sua natureza haver, nele, uma oposição entre os interesses da classe burguesa e os da classe trabalhadora. O ato que funda a sociedade burguesa garante, pois, tanto aos capitalistas quanto aos trabalhadores o direito – aqui entendido em sentido ontológico e não jurídico
– de lutar pelos seus interesses.

Como vimos, o interesse fundamental da classe trabalhadora é a supressão, pela raiz, de toda exploração do homem pelo homem. Somente com essa supressão será possível produzir a riqueza em forma e em quantidade e qualidade que possam permitir
a todos os indivíduos o acesso àquilo que lhes é necessário para se tornarem membros
plenos do gênero humano. Por isso mesmo, a classe trabalhadora tem necessidade de uma educação que lhe forneça uma concepção de mundo radicalmente diferente e superior àquela que é oferecida pela educação burguesa tradicional. Para a classe trabalhadora não basta ter acesso à educação tradicional, por mais elevado que seja o seu nível. Ela precisa de uma educação revolucionária6.

Ora, o controle da educação formal pelo Estado, com o objetivo de garantir a reprodução do capital, jamais permitirá que a educação, como processo hegemônico, ganhe um sentido revolucionário. O máximo permitido, e isto não por uma questão de decisão subjetiva, mas por causa daquele fundamento objetivo da sociedade burguesa ao qual fizemos alusão anteriormente, é tanto a luta prática dos trabalhadores da educação na defesa dos seus interesses como a luta teórica dos revolucionários, mesmo no interior da educação formal, pela disseminação da perspectiva da classe trabalhadora. Vale lembrar, no entanto, que a luta prática, na medida em que estiver isolada de uma perspectiva mais ampla, terá sempre um caráter parcial e, portanto, reformista. A luta teórica, por sua vez, terá sempre um caráter minoritário que poderá ser mais ou menos amplo de acordo com determinadas conjunturas.

2.2. – Situação atual

Consideradas as coisas de um ponto de vista essencial, a relação entre capital, Estado e educação não sofreu alterações substanciais ao longo de todos os embates entre capital e trabalho desde que a classe trabalhadora entrou no cenário histórico com uma proposta societária própria. Todavia, de um ponto de vista fenomênico houve mudanças importantes. Uma dessas mudanças foi precisamente aquela que culminou na eclosão da crise atual com todas as suas consequências. Em todos os momentos anteriores, a presença, embora de modo muito variado, do horizonte revolucionário socialista exercia uma forte atração sobre a reflexão e as lutas do campo educativo.

O desaparecimento – teórico e prático – do sujeito dessa proposta revolucionária teve um efeito devastador para as lutas de todos os setores que, de alguma forma,
pretendiam contribuir para a construção de um mundo melhor. Por um lado porque o ideário conservador foi se tornando cada vez mais hegemônico. Por outro lado porque, para aqueles que pretendiam contribuir para a construção de outro mundo, a perspectiva revolucionária foi substituída pela perspectiva reformista. Nas hostes esquerdistas essa perspectiva reformista foi, também, se tornando cada vez mais hegemônica e orientando o conjunto das lutas dos trabalhadores.

Como não podia deixar de ser, também a reflexão sobre a problemática da educação e as lutas travadas por esse setor foram profundamente influenciadas por essa nova situação. Variadas formulações pedagógicas, nacionais e internacionais, de caráter progressista, envidaram esforços, cada uma à sua maneira, no sentido de refletir sobre a questão da educação buscando responder aos desafios resultantes dessa nova situação. Nenhuma delas, no entanto, ao que sabemos, levou em consideração, de forma explícita, essa questão da ausência da classe trabalhadora. Quando não embarcaram nas canoas do “Adeus ao trabalho”, do “Adeus ao proletariado”, dos “Novos Movimentos Sociais”, dos “Oprimidos”, dos “Pobres”, dos “Excluídos”, dos “Indignados”, da “Multidão”, limitaram-se simplesmente a afirmações muito genéricas a respeito dos trabalhadores. Não procuraram investigar o processo que levou a classe trabalhadora a estar ausente e as consequências dessa ausência.

Ora, essa não é uma questão menor, mas da máxima importância. Essa obliteração teve e continua tendo consequências enormes, tanto teóricas quanto práticas para a questão da educação. Impossível refletir seriamente sobre a educação sem levar em conta essa questão. Teoricamente, não levá-la em conta implicaria inevitavelmente alguma forma de idealismo, não obstante todas as afirmações de fé no materialismo histórico. Este idealismo se manifesta, entre outras maneiras, na crença de que alguma nova teoria educativa ou pedagógica poderia mudar a realidade da educação. Praticamente, as consequências se manifestam na luta por outra política educacional, que destinasse mais recursos para a educação e que organizasse toda a atividade educativa, ainda no interior do capitalismo, de forma a favorecer os interesses da classe trabalhadora.

Exemplos disso são, com as devidas diferenças, e para apontar apenas dois momentos relevantes, tanto a “Pedagogia do Oprimido” quando a “Pedagogia Histórico- Crítica”. Independente de contribuições genéricas e pontuais muito interessantes, ambas propõem a elaboração e a implementação de outra política educacional, de outra

pedagogia, de outra didática, etc., ainda no interior do capitalismo, que estariam a serviço dos interesses dos trabalhadores. Ademais, elas também absorveram todo um ideário reformista, calcado nas formulações de cientistas sociais e filósofos, que subjazia à chamada “via democrática para o socialismo” (cidadania e democracia como valores universais, transformação social por intermédio de reformas graduais). Não obstante ressalvas de que a solução dos problemas da educação implicaria a articulação com as lutas mais gerais dos outros trabalhadores, ao ignorarem a ausência do sujeito fundamental dessas lutas, aquelas propostas tendiam a cair no vazio como o atestam as várias tentativas de aplicá-las.

Ao não levar em conta essa ausência da classe trabalhadora como sujeito fundamental da transformação social, essas teorias educativas e pedagógicas não conseguem perceber os limites que isso impõe à atividade educativa. Esses limites não podem, de modo nenhum, ser superados pela vontade dos educadores e nem pela atribuição à educação de tarefas que ela não pode executar.

A nosso ver, a ausência da classe trabalhadora como sujeito fundamental da revolução impõe a todas as outras lutas, no caso em tela às lutas dos trabalhadores da educação, independente das intenções dos indivíduos, um caráter reformista. Essa afirmação não implica nenhuma desvalorização dessas lutas, mas apenas a compreensão da sua intrínseca limitação. Somente sua articulação com as lutas mais gerais, que estivessem marcadas por um caráter anticapitalista, poderia fazer com que elas contribuíssem com a acumulação de forças revolucionárias. Na falta disso, o máximo que podem conseguir são ganhos parciais e limitados.

Mais grave ainda é o fato de que salta à vista o fato de que, apesar de todas as tentativas de resistência, os avanços do capital continuam a produzir-se de modo avassalador e constante.

Alguém poderia argumentar que as ideias aqui expostas teriam um caráter paralisante. Se a ausência da classe trabalhadora como sujeito fundamental da transformação social impõe limites insuperáveis aos avanços da educação no sentido revolucionário, então só restaria aos educadores sentar-se às margens do “rio Jordão”, chorar a “pátria perdida” e aguardar a libertação que virá de fora. Não cremos que seja assim. Entre o idealismo e o conformismo existe, segundo pensamos, um tertium, uma

alternativa. Esta alternativa leva em conta, exatamente, a ausência da classe trabalhadora, mas não leva, de modo algum, à paralisia nem teórica e nem prática.

É esta alternativa que propusemos no texto Atividades educativas emancipadoras. Como explicitamos nesse texto, atividades educativas emancipadoras são atividades educativas que contribuem para que os educandos compreendam a realidade social e possam fundamentar o seu engajamento em uma transformação revolucionária. Dado o momento atual, são certamente atividades limitadas e minoritárias. Todavia são possíveis e tem a sua importância no conjunto das atividades revolucionárias mais gerais. Essas atividades, articuladas com as lutas específicas, parciais e imediatas dos trabalhadores da educação poderão contribuir, de algum modo, para que a classe trabalhadora volte a assumir o protagonismo no processo de transformação radical da sociedade.

Com afirmávamos em outro texto, é melhor dar poucos passos na direção certa do que muitos passos na direção errada. Certamente, não temos nenhuma garantia absoluta de que o que estamos propondo esteja na direção certa. Somente o processo histórico confirmará ou infirmará essas nossas ideias. Parece-nos, contudo, bastante fundamentada a ideia de que há uma conexão decisiva entre a perda do horizonte revolucionário, a ausência da classe trabalhadora como sujeito principal da transformação radical do mundo e a problemática atual da educação. É absolutamente fundamental levar em conta esse fato, sob pena de atribuir à educação tarefas que ela não pode realizar.

Notas de Rodapé

1 A esse respeito, ver o nosso artigo: Trabalho associado e extinção do Estado.

2 Imprescindível, para compreender esse processo, a leitura do livro de F. Claudín: A crise do movimento comunista.

3 A esse respeito, ver o livro de S. Lessa: Cadê os operários?

4 A esse respeito ver o livro: Descaminhos da esquerda: da centralidade do trabalho à centralidade da política, de i. Tonet e A. Nascimento.

5 Importante ler, de I. Mészáros, Para além do capital para fundamentar a tese da incontrolabilidade do capital.

6 É importante esclarecer que o lugar principal de uma educação revolucionária não é, de modo nenhum, a sala de aula. Este lugar está reservado às lutas sociais concretas. Também é importante esclarecer que educação revolucionária, no interior da escola, não significa nem doutrinação nem politização direta de todos os conteúdos. Para uma melhor compreensão dessa questão sugerimos a leitura do artigo: Atividades educativas emancipadoras, de nossa autoria.

Referências bibliográficas

CLAUDÍN, F. A crise do movimento comunista. São Paulo, Expressão Popular, 2013

LESSA, S. e TONET, I. Proletariado e sujeito revolucionário. São Paulo, Instituto Lukács, 2012.

LESSA, S. Cadê os operários. São Paulo, Instituto Lukács, 2014.

MARX, K. e ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo, Cortez, 1998

MARX, K. Glosas críticas ao artigo O Rei da Prússia e a Reforma Social. De um prussiano. São Paulo, Expressão Popular, 2010.

MÉSZÁROS, I. Para além do capital. São Paulo, Boitempo, 2002.

TONET, I. e NASCIMENTO, A. Descaminhos da esquerda: da centralidade do trabalho à centralidade da política. São Paulo, Alfa-Omega, 2009.

TONET, I. Trabalho associado e revolução proletária. In: Novos Temas, n. 05/06, 2012.

TONET, I. Atividades educativas emancipadoras. In: Práxis Educativa, v. 9, n. 1, 2014

TONET, I. Trabalho associado e extinção do Estado. In: www.ivotonet.xpg.com.br


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