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SYRIZA, PODEMOS, IC-EUIA | O dogmatismo da ‘utopia reformista’

Já estamos há meses vendo grande parte da esquerda espanhola apoiando o governo do Syriza. Depois de sua vacilação ante a chantagem da Troika se faz necessário perguntar-se qual é o pano de fundo deste fracasso e ver quais são as reações do reformismo ibérico depois da aprovação do terceiro memorando grego.

sábado 25 de julho de 2015 | Edição do dia

“Pedindo desculpas aos marxistas de todo o mundo pelo fato de a Grécia ter rechaçado cometer suicídio ritual para o avanço da causa. Vocês sofreram desde seus sofás.” Assim se pronunciava Raimundo Viejo Viñas, mão direita de Pablo Iglesias na Catalunha e membro destacado de Barcelona En Comú.

O cinismo de Raimundo parece que lhe dá uma rasteira. Para milhões de gregos as medidas acordadas com a Troika supõem um “suicídio” nada “ritual”. Esquece que o memorando não se sofre nem se está combatendo desde o sofá. Esquece as mobilizações e greves que houve na Grécia contra o memorando de Tsipras e as convocatórias para dar apoio ao povo grego no Estado espanhol. Deixa assim em evidencia quem “viu desde o sofá” este processo, avalizando a capitulação. Quem tranquilamente em nome do “realismo” e de rechaçar supostos dogmas ideológicos – neste caso marxistas – pede aos gregos que se resignem ao pior pacote de medidas aprovado até hoje por seu Parlamento.

Quem alentava o caminho da mobilização popular quando estas medidas eram aprovadas pelo PASOK ou o Nova Democracia se nega a fazê-lo agora que o executor é Tsipras. Se há alguma mostra de dogmatismo é esta: apoiar os “nossos” façam o que fizerem, defender o indefensável.

O eurodeputado de ICV-EUiA – formação com a qual Podemos se coligou una Catalunha – Ernest Urtasun reconhecia que “o acordo de ontem não é o que quer o governo grego, que se viu obrigado a aceitá-lo para evitar maiores danos”.

Nenhum dirigente desta organização ou seu referente no resto do estado, Izquierda Unida, realizaram a mais mínima crítica à estratégia do Syriza que levou ao fracasso. Sem dúvida foi a Troika que impôs as novas medidas. Mas não há nenhuma responsabilidade na estratégia empreendida desde o Syriza que o levou a não poder fazer frente a essa chantagem, totalmente previsível desde o início?

O argumento esgrimido por Urtasun é o mesmo que há muito tempo defende a CiU na Catalunha: não há margem para levar a cabo maiores políticas sociais. É a velha cantilena expressa tanto pelos conservadores como socialdemocratas desde que começou a crise e que se pode resumir em “a ditadura dos credores é invencível”. Não é nada paradoxal que ICV-EUiA e o Podemos a reproduzam para justificar Tsipras. Mais ainda quando pretendem basear sua campanha eleitoral do 27S em uma frente contra os cortes de CiU. Que faria a Generalitat governada por “Catalunha sim” quando esbarre com a Lei de Estabilidade Orçamentária? Seu balanço dos seis meses de governo do Syriza responde a esta pregunta.

Há décadas, se falamos de Izquierda Unida, e meses, se levamos em conta o Podemos, vem-se fazendo bandeira da volta da socialdemocracia. Uma socialdemocracia que vendem como a “original”, a que fazia reformas sociais e foi padrinha do Estado de Bem-Estar. Mas sempre sem renunciar à essência do programa socialdemocrata: não questionar o capitalismo nem suas instituições.

Em determinados momentos históricos estes marcos permitiram outorgar concessões para amplos setores da classe operária dos países imperialistas. A crise capitalista reduziu até a inexistência limites que já diminuíram brutalmente nas últimas décadas da ofensiva neoliberal. A socialdemocracia e sua gestão “humana” do capitalismo é mais “gestão” do que “humana”. E “geri-lo” acaba supondo aplicar as mesmas medidas contra o povo e a classe trabalhadora que a direita. Assumir os marcos do capitalismo e suas instituições pressupõe assumir que o poder real estará nas mãos do capital e não do governo.

Os novos reformismos do Syriza e do Podemos retomam a velha ideia de pretender fazer reformas sem um vestígio de medidas anticapitalistas em seu programa. Na Grécia acabamos de ver como a tentativa de resolver os graves problemas sociais sem tocar um átomo dos interesses dos grandes capitalistas demonstrou-se uma grande utopia reformista. Por que estas formações não realizam uma autocrítica e mudam seu posicionamento depois de ter presenciado o fracasso de sua estratégia em primeira pessoa? Porque descartam a única opção que resta: a de lutar por uma saída revolucionária, que rompa com os regimes políticos da democracia para ricos e imponha um programa anticapitalista.

Uma saída assim está totalmente por fora de suas coordenadas. Sem dissimular nada, Pablo Iglesias já assinalou que para ele ‘não há alternativa para a economia de mercado’. Empregou-se a fundo para deixar claro que longe de qualquer vestigio esquerdista, seu projeto descarta por completo a opção de socializar os meios de produção, a única via realista para uma verdadeira partilha do trabalho e que a riqueza que se gere se reverta para toda a sociedade.

Sem pestanejar descarta a única alternativa que pode acabar com o desemprego e a miseria das classes trabalhadoras. Contra isso, propõe um programa de cada vez mais tímidas reformas mas para cuja aprovação debe contar com a permissão dos capitalistas e suas instituições, como aconteceu ao Syriza. Ao negar-se a tocar a base real de seu poder, se converte nele refém de suas chantagens.

Os novos reformistas estão há muito tempo desacreditando a ideia da revolução. Mas ao mesmo tempo vemos que qualquer alternativa ao sistema capitalista imperante que não pretenda acabar com ele não consegue nem sequer pequenas melhoras para a classe trabalhadora e os setores populares.

Pablo Iglesias defendeu continuamente a necessidade de afastar-se dos símbolos da esquerda, escondendo que o que está fazendo é afastar-se das ideias da esquerda. Defendeu que se tinha que escolher entre “ser maioria ou ser de esquerda”, deixando claro que seus princípios são o possibilismo e o pragmatismo. Longe de ser um projeto “realista”, em termos de dar uma solução real aos graves problemas reais, este pragmatismo se demonstra no caso do Syriza uma fraude de muito curto fôlego, incapaz de realizar as mais mínimas reformas sociais.




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