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Política externa | O cinismo do ministro da ditadura Delfim Netto e o centrão no governo Bolsonaro

O Ministro da Fazenda da ditadura, em recente coluna na Folha sobre a indústria siderúrgica e sua relação com a segurança nacional, destilou um cinismo anti-operário velado, acadêmico e chique, mas absolutamente reacionário. Isso é reflexo de um Brasil no fogo cruzado das disputas entre EUA e China. O centrão herdeiro da ditadura procura se relocalizar dentro do regime do golpe institucional, fiel a Bolsonaro para passar os ataques, mas sem descartar uma aliança com Lula para continuar no governo.

Rosa Linh Estudante de Ciências Sociais na UnB

quinta-feira 29 de julho de 2021 | Edição do dia

A mais recente coluna do ex-ministro da Fazenda (entre 1967-1974) da ditadura militar, Delfim Netto, explicita o típico cinismo do centrão. Em “O aço e a segurança nacional”, o político do fisiológico PP esbraveja meia-dúzia de bravatas sobre a necessidade de uma “soberania nacional" no segmento produtivo do aço, mas que na verdade é uma sinalização ao capital financeiro internacional, em especial estadunidense, de que há setores da burguesia brasileira dispostas a sustentar a continuação de sua própria submissão. Vamos ver o que ele diz:

“Nosso parque siderúrgico é tecnologicamente atualizado e bem posicionado em termos de produtividade relativa (homem/hora por tonelada) frente aos principais competidores. Somos o nono produtor mundial, com capacidade instalada de 51 milhões de toneladas e apto a suprir plenamente a demanda doméstica — e ainda exportar. O consumo de aço no Brasil se expande com a intensidade de uso e, principalmente, com o crescimento econômico, uma das razões pelas quais o setor enfrenta dificuldades desde a recessão de 2015/2016."

Esses dados são fundamentais para entendermos o sentido político dessa coluna. O texto se situa em um momento econômico no qual a siderurgia se coloca de forma mais importante na pequena e relativa retomada econômica. A COVID-19 intensificou o impacto no setor, enquanto trabalhadores do setor morriam pelas péssimas condições de trabalho, fruto dos ataques do regime do golpe institucional de 2016.

Mas hoje, vivemos um novo boom das commodities, o que impulsiona o mercado de aço. Em maio, a produção brasileira de aço bruto atingiu 3,1 milhões de toneladas, a maior desde outubro de 2018. A produção brasileira de aço bruto cresceu 24% no primeiro semestre deste ano, em comparação a igual período do ano passado, atingindo 18,1 milhões de toneladas. As vendas internas (12,09 milhões de toneladas) subiram 43,9% e o consumo aparente (14,03 milhões de toneladas), 48,9%. O balanço revela, porém, que as exportações tiveram retração em quantidade (-13,7%), com total de 5,2 milhões de toneladas, e aumento de 28,3% em valor (US$ 3,8 bilhões) em relação ao mesmo período de 2020.

É nesse contexto que se expressa a necessidade do centrão emitir opinião sobre o assunto. A grande questão é como se posicionar no mercado internacional diante das recentes disputas entre EUA e China - o que é uma questão crucial para o centrão, com suas diferentes frações procurando se relocalizar diante dos efeitos dessa disputa na política interna:

“É preciso, portanto, ter cuidado com soluções simplistas para um problema complexo, principalmente num contexto global que reforçou os protecionismo existentes para enfrentar as consequências da pandemia. Os EUA, por exemplo, expandiram a taxação e o regime de cotas das importações de aço. A Europa implantou salvaguardas.

O imposto de importação do aço no Brasil deve, portanto, ser analisado neste quadro conjuntural e sem que se perca de vista a importância estratégica do setor no longo prazo. Não se pode comprometer a sua competitividade, já prejudicada pelos demais custos com os quais a indústria nacional convive.”

Para além de uma discussão “técnica” e puramente econômica, essa declaração possui um conteúdo político bastante importante. A posição de “é preciso ter cuidado” é uma sinalização de que o PP e seus aliados não serão facilmente convencido da “solução simplista” e protecionista de salvaguardar a produção nacional - a depender, claro, em qual pé esteja a intensidade da guerra comercial sino-americana, o que leva Delfim a não se comprometer integralmente com um taxativo não. Por um lado, a salvaguarda dos produtos derivados de aço nacionais estimulariam as vendas internas que estão crescendo consideravelmente, ao mesmo tempo que isso seria um entrave para as relações com os EUA (US$ 2,57 Bilhões em 2019) - o principal comprador de produtos manufaturados derivados do aço do Brasil, sendo que a exportação brasileira ainda é bem maior que as importações (um pouco mais que o dobro).

Contudo, a China estuda impor mais tarifas sobre as suas exportações de aço para atingir o duplo objetivo de reduzir a produção doméstica e controlar a alta dos preços que reforça a preocupação com a inflação. A China é o principal exportador de aço para o Brasil. Portanto, a proteção do aço nacional seria muito favorável à China, visto que o principal comprador de aço brasileiro, os EUA, sairiam prejudicados e o Brasil foca em um “auto-abastecimento” - e certamente existem setores da burguesia nacional muito interessados nessa alternativa. Pela resposta de Delfim e à luz da destrumpização do governo Bolsonaro e a extrema pressão exercida a ele, como sinalizam a CPI da COVID, a queda dos ministros mais ideológicos do bolsonarismo e a última reforma ministerial - a alternativa mais viável é não optar por uma via mais agressiva com a taxação, o que contudo seria bastante contraditório.

Tudo, no final das contas, não resolverá em nada os problemas econômicos brasileiros e ambas as saídas gestam contradições importantes. O fato, no entanto, é que Delfim e o centrão - que de centro não tem nada - estão mais preocupados em pagar a dívida pública fraudulenta (a especialidade do “milagreiro da ditadura”) e estar junto de Bolsonaro e o conjunto do regime golpista para passar mais ataques contra os trabalhadores.

Delfim manifestou, meses atrás, sinal de que poderia votar em Lula em 2022. Nada de novo, visto que o PP (ex-partido de Bolsonaro, aliás), foi base aliada dos governos do PT até o golpe institucional. O próprio Ciro Nogueira, agora ministro da Casa Civil de Bolsonaro e também do PP, fez campanha para Haddad em 2018. Revela-se com toda a crueza a total incapacidade da estratégia petista de conciliação de classe, aliança com o que há de mais podre da direita e que nos levaram até aqui, somada a uma espera passiva até as eleições de 2022.

Essas movimentações, diante do cenário de disputas entre Biden e Xi Jiping, colocam para setores do centrão, como o PP de Delfim Netto, fruto de setores historicamente alinhados com o Pentágono e herdeiro direto da ditadura militar pró-imperialista, a necessidade de dar sinais para se darem bem nas eleições do ano que vem. Estão com Bolsonaro, e melhor seria se este fosse mais bem disciplinado por Biden, e continuar passando os ataques - o que também não ocorreria sem contradições importantes. Justamente nesse sentido, Bolsonaro e sua recente reforma ministerial representam um avanço na aproximação com o centrão - com o fascistóide dando sinal de que quer entrar no PP. Contudo, na falta de uma terceira via possível, não está descartado ao centrão, caso Bolsonaro não seja disciplinado o suficiente, de se aliar com Lula - esse que quer administrar um regime do golpe institucional com todas as reformas intactas e com uma cobertura consensual de esquerda, mas justamente por isso com um limite maior para passar ataques maiores.

No mínimo cínico, partindo de um capacho histórico dos EUA, fala de “soberania industrial do aço” sendo esse o segmento produtivo cujos trabalhadores realizaram greves históricas no ABC paulista e deram os passos mais contundentes para derrubar a ditadura. A história dá voltas curiosas. O caminho para romper com essa , é a mobilização. Os metalúrgicos com os métodos históricos da luta da classe operária foram a vanguarda da derrubada da ditadura; para derrubar Bolsonaro, Mourão e os militares, sigamos o legado da história da classe operária, que as centrais sindicais rompam com sua paralisia e convoquem assembleias de base por cada local de trabalho para organizar uma uma greve geral já!

Leia nosso editorial: Fila do osso é símbolo da barbárie capitalista: por um plano de luta já




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