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ANÁLISE NACIONAL | O abraço do regime golpista e a necessária nova Constituinte

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

segunda-feira 5 de outubro de 2020 | Edição do dia

"As coisas têm limite", "ordens absurdas não se cumprem", dizia Bolsonaro em maio ao Supremo Tribunal Federal. "Não é mais possível, e aqui dialogo com presidentes de Poderes, em especial ao presidente Jair Bolsonaro, atitudes dúbias", rebatia Toffoli, ex-presidente do STF. Gilmar Mendes endossava, “É vergonhoso - para não dizer ridículo - que agentes públicos se prestem a alimentar teorias da conspiração”. As farpas trocadas entre Bolsonaro e o Judiciário golpista bailavam nas páginas dos jornais no primeiro semestre. Empurravam-se para saber quem tomava mais firmemente o pincel que desenha os novos contornos do regime antidemocrático que foi germinando no país depois do golpe institucional de 2016.

Mas, simultaneamente, a algazarra no palco escondia a comunhão de interesses na agenda econômica ultraliberal: STF e Bolsonaro, junto ao Congresso e com o apoio dos militares, fizeram de tudo para jogar nas costas dos trabalhadores os custos da crise. Ou alguém esqueceu a aprovação da terceirização generalizada do trabalho pelo STF, em 2018? O próprio Toffoli nos refresca a memória, tendo chefiado a votação que autorizou a venda das subsidiárias das estatais, ao gosto do governo (o que permitiu a entrega de 90% da Transportadora Associada de Gás, TAG, que era da Petrobras). Ainda mais entusiasmante para Bolsonaro foi a autorização, também pelo STF, agora sob a batuta do lavajatista Luiz Fux, para a venda das refinarias da Petrobras. Bolsonaro não se conteve e se derramou nas redes sociais.

O pacto golpista por atacar os trabalhadores é o fio que atravessa todo esse período de rusgas. Tudo isso está simbolizado no alegre abraço entre Bolsonaro e o ex-presidente do STF, Dias Toffoli. A amizade que juram um pelo outro foi forjada na fornalha da destruição dos direitos trabalhistas e sociais de milhões de trabalhadores. Esse afeto entre Bolsonaro e Toffoli foi testemunhado pessoalmente pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e pelo desembargador Kassio Nunes Marques, que foi indicado ao Supremo no último dia 2/10, ambos ligados ao Centrão. Kassio Nunes, em especial, tem vínculos diretos com Ciro Nogueira, do PP do Piauí, base de apoio de Bolsonaro e protagonista do fisiologismo tradicional dos partidos do regime.

O abraço representa o trabalho comum do regime do golpe institucional na violação dos direitos mais elementares, na conspiração contra a vontade popular, e no avanço da precarização do trabalho ao sabor dos interesses capitalistas.

Os dissabores de algumas figuras, tão golpistas quanto Toffoli, porventura surgem. Fux, atual presidente do STF, torceu o nariz à indicação de Kassio Nunes. Como lavajatista que recebeu de Moro a tão norte-americana sentença "In Fux We Trust", Fux preferiria um agente mais direto do Departamento de Estado de Washington a seu lado. Mas não se fez de rogado quando o assunto é despedaçar as condições de vida dos trabalhadores (como mencionamos no caso da venda das refinarias), ou proteger o mesmo Bolsonaro. Fux já prestou bons serviços ao presidente e seu clã familiar, ao suspender em 2019 duas ações nas quais Bolsonaro é réu, mesmo momento em que havia suspendido as investigações sobre Fabrício Queiroz.

Independente das rusgas eventuais, conspiram contra todos os trabalhadores, para que paguemos pela crise dos empresários e banqueiros.

Já a ira infantil dos bolsonaristas é injusta. Junto ao STF e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Toffoli foi um protagonista de toda a arquitetura do golpe institucional de 2016, e da cassação do direito de voto de milhões em 2018, além da prisão arbitrária de Lula, todos procedimentos que facilitaram o caminho ao triunfo de Bolsonaro naquelas presidenciais manipuladas. O poder Judiciário militou como primeiro violino do autoritarismo estatal, e colaborou com a pró-imperialista Lava Jato, de Sérgio Moro, para abrir o terreno da reforma trabalhista de 2017, da reforma da previdência de 2019, e atualmente para a reforma administrativa que concentra ataques históricos aos trabalhadores da saúde e da educação públicas, aprofundando o clientelismo e deixando intactos os privilégios do alto escalão.

Toffoli foi advogado do PT nas campanhas de Lula em 1998, 2002 e 2006. Foi um nome "irrenunciável" ao próprio Lula, quando teve oportunidade de indicá-lo ao cargo do STF. Em setembro de 2009, Toffoli assumiu a vaga do ministro Carlos Alberto Menezes, e desde então não faz mais do que seguir as instruções da realpolitik petista: a fiel administração dos assuntos capitalistas, que o PT encabeçou durante 13 anos no governo federal. Além de promover o latifúndio, o agronegócio, o aparato repressivo e as Igrejas Evangélicas, hoje sustentáculos da extrema direita, fortaleceu todos os níveis do judiciário. Robusteceu procuradores, juízes e magistrados que partilharam a santa ceia do golpismo sem maiores cerimônias. Mesmo tendo Lula encarcerado - e ainda com direitos políticos arbitrariamente retirados - o PT fez questão de se ajoelhar diante do Judiciário e manter ilusões sobre essa instituição.

Mais acertado é ouvir com prudência o velho Maquiavel, que mesmo no século XVI é uma fonte mais segura que os preconceitos da direção petista: lembra que os poucos juízes sempre agem em favor dos poucos, e que só merecem desconfiança daqueles que prezam a salvaguarda dos direitos mais elementares.

Por isso é impossível resolver qualquer problema a nível municipal sem organizar um enfrentamento nacional contra Bolsonaro e Mourão, e o regime do golpe institucional. A esquerda não pode aceitar as regras do jogo golpista, e seguir o caminho da conciliação do PT, que preparou a trilha do golpe e dos abraços do Judiciário golpista com a extrema direita.

À luz desses problemas é que defendemos uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana, em que todos poderíamos nos candidatar, e todos elegeríamos livremente nossos representantes, permitindo que a população decida os rumos do país. Uma das principais tarefas de uma nova Constituinte, que seja verdadeiramente Livre e Soberana, é acabar com toda a estrutura de privilégios do poder Judiciário. Batalharíamos nessa instância pela elegibilidade e revolgabilidade de todos os juízes, e que todo magistrado recebesse o mesmo salário médio que um trabalhador. Ademais, levantaríamos a abolição dos tribunais supremos - órgãos de conspiração da direita contra o povo - e defenderíamos os julgamentos por júri popular ("os juízes devem ser muitos", também recordava o secretário florentino).

Numa Assembleia Constituinte, imposta pela nossa luta, a população poderia discutir os grandes temas nacionais, como a anulação de todas as reformas de Bolsonaro e Temer, o não pagamento da dívida pública e a abolição da Lei de Responsabilidade Fiscal que seqüestra o orçamento público em função dos banqueiros, e para impor medidas que coloquem a estrutura econômica e social a serviço das necessidades das maiorias trabalhadoras. Essa saída, para nós, está intimamente vinculada à batalha por um governo dos trabalhadores, de ruptura com o capitalismo, no calor dos choques entre os interesses fundamentais das classes em disputa, que revelaria a necessidade de organizar nossa própria força material para fazer com que os capitalistas paguem pela crise.

Esse processo alentaria o desenvolvimento de fortes instrumentos de auto-organização dos trabalhadores, necessários para confrontar as forças materiais da burguesia, que não ficará de braços cruzados e tentará impedir a realização de nossas demandas.

O abraço entre as instituições do regime golpista seguirá de pé, se nessas eleições não levantarmos oportunamente a voz que enfrenta esse regime do golpe, para que os capitalistas paguem pela crise. Esse é um eixo fundamental das candidaturas do MRT nessas eleições, com a Bancada Revolucionária dos Trabalhadores em São Paulo (com Diana Assunção, Letícia Parks e Marcello Pablito), e as candidaturas de Flávia Valle em Contagem/MG e de Valéria Muller em Porto Alegre/RS.

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