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DEBATE | O PSOL frente ao Coronavírus: a saída não virá dos governadores e do Congresso

A crise do coronavírus aprofunda ainda mais as desavenças entre os diversos atores do esfacelado regime brasileiro. Divergências na superfície de como lidar com o imediato da crise e qual discurso diante das massas, mas, de fundo, essas diferenças estão somente no campo de quais setores patronais privilegiar e qual política imperialista adotar. O que a realidade mostra mesmo é que nem bolsonaristas, nem congressistas, nem governadores, nem militares oferecem saída à enorme crise que já afeta e afetará ainda mais a classe trabalhadora. A política do PSOL, não consegue apresentar uma alternativa à esse marco.

Thiago FlaméSão Paulo

segunda-feira 30 de março de 2020 | Edição do dia

Diante desse cenário conturbado é que se expressam diferenças internas que atravessam o PSOL, no que diz respeito ao combate à pandemia. Enquanto a política do PSOL de conjunto para enfrentar a crise do coronavírus se resume à proposta das quarentenas massivas traduzidas na consigna #FiqueEmCasa, Marcelo Freixo aponta os limites em comunidades como o Rio de Janeiro. Independente das diferenças que temos com Freixo, nesse ponto específico, sua posição é mais coerente que a do conjunto do partido. Centrar o discurso no “Fique em Casa” definitivamente não responde aos problemas das famílias que vivem amontoadas em um cômodo. Inclusive, corretamente, Freixo defende a suspensão das contas de água, luz e telefone – com os limites de que, na sua proposta, não seriam canceladas as cobranças, mas pagas em prestações depois da epidemia, além de não apontar uma saída para a difícil situação das comunidades e favelas do Rio de Janeiro e de todo o país.

O que nenhum setor do PSOL coloca no centro do debate político nacional é a exigência de testes massivos para identificar quem está com coronavírus. Sem testes massivos, nenhum tipo de quarentena será eficiente. A situação na Alemanha e na Coreia do Sul demonstram isso. Se conseguimos identificar rapidamente quem está com o vírus, mesmo as pessoas assintomáticas, as políticas de quarentena e isolamento social poderiam ser aplicadas de forma mais eficiente e precisa. A grande disputa política entre Bolsonaro e os governadores, que prejudica enormemente o combate à epidemia, também passa por fora da questão dos testes. A falta de testes, além de impedir o eficiente combate à epidemia, serve para que tanto Bolsonaro como os governadores mascarem sua real amplitude. O ponto de partida de uma política independente de ambos os setores da elite é a exigência de testes massivos já. Enquanto o governo anuncia milhões de testes, a realidade na ponta do sistema de saúde é muito diferente: convivemos com milhares de casos não notificados e inclusive óbitos imputados a outras enfermidades por falta de testes.

Também nenhuma das alas internas do PSOL dá nenhum tipo de resposta pro amplo setor da classe trabalhadora que segue nos locais de trabalho e que deveriam ser eles próprios a assumir a produção para evitar uma catástrofe maior frente à pandemia, quando os governos e estados estão mais preocupados em salvar os capitalistas do que enfrentá-la. Nesse momento, vemos o quão estratégica é a classe trabalhadora para o funcionamento da sociedade, especialmente os que trabalham nesses setores, sem os quais a vida se tornaria impossível. Desde os trabalhadores e trabalhadoras da saúde, transportes, energia, telecomunicações, produção de alimentos e de insumos hospitalares. Esses trabalhadores não podem ficar reféns dos governos e das patronais, mas para garantir sua própria saúde e o efetivo combate à pandemia, devem assumir o controle.

Em relação às respostas políticas frente a crise do governo Bolsonaro, o PSOL também se dividiu. Na última semana se abriu uma crise quando três deputados federais deste partido, ligados ao Movimento Esquerda Socialista, entraram com um pedido de impeachment contra Jair Bolsonaro. A Executiva Nacional então saiu com uma nota condenando tal ação, para depois soltar outra, em que defende que Bolsonaro deveria sair o quanto antes da presidência por qualquer via que fosse democrática. Marcelo Freixo insiste que não seria o momento de afastar Bolsonaro, mas de buscar um grande consenso que o isole.

Por trás dessa polêmica estão duas políticas que terminam confiando no regime político brasileiro e tirando qualquer protagonismo da classe trabalhadora para enfrentar essa crise. O MES, desde antes da crise, vinha agitando a consigna de "Fora Bolsonaro", que já havíamos debatido, que significava na prática a entrada do General Mourão como presidente. Se antes isso era um tema que não se debatia, agora a linha do impeachment diretamente assume que o resultado será esse. A política de buscar institucionalmente um impeachment, ao mesmo tempo que a orientação política é ficar em casa, coloca nas mãos do Congresso e dos governadores, de Mourão e de Mandetta a resposta para a epidemia e a crise econômica.

Toda essa busca pela alternativa nas "autoridades" fica clara no artigo do sociólogo Vladmir Safatle quando diz "Aos que dizem nada adiantar trocar Bolsonaro por seu vice gostaria de dizer que o foco de análise talvez esteja equivocado. A questão coloca pelo impeachment não é “quem assume”. (...) Bolsonaro é um agitador fascista e um chefe de gangue narcísico que zombou do povo brasileiro e de sua vulnerabilidade no momento em que devia ter baixado as armas, convocado um governo de união nacional, sentado com a oposição e convergido forças para colocar a sobrevivência das pessoas à frente das preocupações econômicas imediatas e das preocupações políticas de seu grupo". Safatle formula abertamente o que está implícito na política do MES. Quem dizia que a esquerda morreu, agora defende uma unidade nacional com todos os setores inclusive da elite não bolsonarista para enfrentar um vírus, quando a pandemia vai escancarar o que significa o capitalismo. Mas a pandemia não faz parar a luta de classes, ao contrário tende a agudizá-la.

A resposta da Executiva Nacional, que Marcelo Freixo ainda mantém, é de não gerar instabilidade no governo em um momento de crise. Para além do debate metodológico dentro do PSOL, que chama atenção já que é um partido onde os deputados fazem a política que querem, o que está colocado são duas saídas e duas políticas equivocadas frente a essa crise, que parecem mais transmitir, com “ares de esquerda”, a própria orientação dos governos Dória, Witzel, entre outros, de "fiquem em casa". Não há nenhum questionamento, por exemplo, às medidas de exceção e repressivas que podem ser tomadas em uma situação como essa. Mas, como dissemos, a Executiva Nacional soltou nova nota, onde afirma:

“O PSOL buscará a construção de um movimento político-social que seja capaz de derrubar Bolsonaro de fato. São as panelas, os gritos, a resistência nas fábricas, nas favelas, as paralisações do telemarketing, que fortalecerão a luta. Um amplo movimento que derrube Bolsonaro e a agenda ultra neoliberal.”

O caminho passa por aí e é preciso ir até o final nele e romper com toda a política de adaptação ao Congresso e aos governadores no combate à pandemia. Os setores mais destacados da mobilização podem e devem ser aquela parcela da classe trabalhadora que está na linha de frente, enquanto os mais atingidos pelo vírus e pela paralisação da economia serão os moradores das periferias e favelas. Não são os governadores, nem o Congresso que vão dar uma resposta alternativa em defesa dos interesses da classe trabalhadora e do povo.

Frente a essa situação, portanto, a única política capaz de dar alguma saída efetiva contra um sistema que está mostrando sua total falência é que os trabalhadores assumam para si o controle da produção e mostrem que a irracionalidade capitalista produz mortes, mas quando a produção é colocada a serviço da maioria da população, é possível evitar a catástrofe. Reorganizar a produção para que sejam feitos testes massivos, álcool gel, máscaras e todo instrumento necessário. É preciso fazer testes massivos a partir de testar todos que tem quaisquer sintomas e seguir todas as pessoas que tiveram relação com esses sintomáticos, além de testar todos os trabalhadores da saúde e todos os trabalhadores que seguem trabalhando também em outras funções (que são muitos e incluem muita gente sem sintomas) ou que voltem ao trabalho. É preciso de testes massivos imediatamente, seguindo a "mancha" de contaminação para que as quarentenas tenham racionalidade e possam se enfrentar o problema subjacente: o verdadeiro caos da saúde, que vai se colapsar ainda mais em poucos dias.

Os testes massivos permitiriam identificar quem deve entrar em quarentena imediata, isolando apenas as pessoas contaminadas. As outras devem se manter com todos os cuidados preventivos. Isso deveria ser organizado por profissionais da saúde que, para dar conta, precisam da contratação imediata de novos profissionais, treinamentos e o afastamento dos funcionários da saúde que sejam grupo de risco, pois podem colocar em risco o próprio atendimento. Essa seria a única forma de abrir novos leitos, o que depende de centralizar todo sistema de saúde público e privado, rechaçando qualquer lucro aos capitalistas. Somente com uma política assim é possível enfrentar essa situação, potencializar o papel da classe trabalhadora e se colocar na perspectiva de assumir o controle da produção contra Bolsonaro, todos os governos e os capitalistas.

É preciso acompanhar o sentimento de “Fora Bolsonaro” e ajudar a conduzi-lo à independência de classe, pois nada de progressista pode vir no fortalecimento de Maia, Mourão, Doria ou Witzel. Também deve ser parte desse mesmo ódio o questionamento e a luta contra todos os golpistas e os militares. Esses golpistas se fortalecem como alternativa frente ao negacionismo de Bolsonaro, mas não se diferenciam em nada ao buscar fazer a classe trabalhadora pagar pela pandemia e pela crise econômica (basta lembrar que Doria aplaudiu a MP da Morte de Bolsonaro, além destes setores não moverem um dedo por medidas elementares que poderiam salvar vidas e dar maior eficácia para as quarentenas, como garantir testes massivos).

As batalhas pela independência de classe, para que os trabalhadores garantam as condições sanitárias a quem segue trabalhando, pela imediata aplicação de testes massivos, para denunciar os descasos de governantes que fazem vidas humanas serem perdidas, etc, não são batalhas para o momento posterior da crise. O que fazemos agora, nessa que é uma crise que a própria burguesia fala que é histórica, traça que caminho é que preparamos para contribuir a humanidade a livrar-se não somente da pandemia, mas do que contribui a que ela tire mais e mais vidas, a que ela seja aproveitada para gerar miséria, desemprego, aumento da exploração: o capitalismo. A luta pelo objetivo de uma sociedade sem exploração e sem toda forma de opressão é para agora.

Na medida de nossas forças, estamos colocando toda a nossa energia para desatar essa força independente, caminho ao qual o PSOL deveria começar a trilhar imediatamente. A luta anticapitalista, posto que a pandemia não para a luta de classes, é parte do combate cotidiano que o Esquerda Diário, como parte da Rede Internacional de Diários em 12 países e 8 idiomas busca fazer e tendo levado a um grande aumento no seu acesso e interação. Um combate, que nas condições atuais é virtual, e para isso o Esquerda Diário chama quem se interessa a contribuir e participar nos comitês virtuais que estamos construindo, e é por outro lado uma batalha nos locais de trabalho essenciais, é para controlar a produção para que tenhamos artigos de primeira necessidade no combate ao vírus e não para os lucros capitalistas, como mostra o exemplo da Airbus na França, ou da gráfica Madygraf, controlada pelos trabalhadores na Argentina, que reestruturam sua produção para produzir álcool gel e máscaras. Essa batalha por uma resposta dos trabalhadores contra o capitalismo na pandemia ganha expressão política na atuação do PTS na Frente de Esquerda e dos Trabalhadores (FIT) na Argentina e é parte da batalha internacional de todos grupos da Fração Trotskista – Quarta Internacional para enfrentar os lucros e governos, pois nossas vidas valem mais do que os lucros deles.




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