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O Brasil depois do 7 de Setembro

Thiago Flamé

O Brasil depois do 7 de Setembro

Thiago Flamé

Bolsonaro mobilizou seus apoiadores neste 7 de Setembro, dia da independência, e esticou a corda o máximo que pode nas suas ameaças ao STF. Apesar da forte mobilização em seu favor, não foi o suficiente para se impor às demais instituições e a resposta do mercado financeiro e do centrão impuseram um recuo com notas de humilhação, que pela primeira vez levou desmoralização para sua base social mais dura.

A disputa entre o Bolsonaro e o STF chegou no grau máximo de tensão na última semana, com o STF acelerando os processos contra os operadores das redes sociais bolsonaristas, com o presidente Bolsonaro ameaçando descumprir determinações do STF que abriria um novo capítulo da crise política com consequências imprevisíveis.

O recuo de Bolsonaro e um governo mais débil

Frente a escalada da retórica golpista de Bolsonaro, o mercado financeiro reagiu. Primeiro com um alerta através da carta da Febraban, representando todos os grandes bancos nacionais e o capital estrangeiro, colocando um limite para a ofensiva desestabilizadora do bolsonarismo. No dia seguinte o mercado financeiro usou sua arma mais forte: empurrou a queda da Bolsa e a alta do dólar, acrescentando tensão a uma recuperação econômica já precária.

Com a reação do grande capital, a base do Bolsonaro começou a se erodir rapidamente no Congresso, com declarações ameaçadoras dos partidos do centrão e do próprio presidente da Câmara, Arthur Lira, que viu a pressão sobre si aumentar. A resposta de Bolsonaro veio rápido, com um recuo humilhante, mediado pelo ex-presidente Michel Temer, que levou desmoralização para sua base mais coesa e o deixou numa situação mais débil do que antes. Esse recuo, ao que tudo indica, vai apaziguar os ânimos por alguns dias ou semanas, mas a situação está longe de se acalmar e veremos momentos de maior tensionamento na medida em que vá se aproximando as eleições de 2022.

Como colocou Kassab, do PSD, depois da carta de recuo o impeachment mais uma vez perde força. No mesmo sentido foi a declaração de Mourão, indicando que seguem dando sustentação a Bolsonaro. No momento, Bolsonaro está conseguindo recompor seu apoio institucional, mas se por um lado aumentou a desconfiança do capital financeiro com o seu governo, também o recuo depois dos atos leva pela primeira vez elementos de desmoralização para sua base, que podem se tornar uma debilidade importante. Ainda que não se possa falar em uma ruptura dessa base social, que continua sendo uma base para políticas de extrema-direita.

A enorme crise social latente

O nível de acirramento das disputas políticas, o avanço de medidas bonapartistas de lado a lado, a retórica inflamada de Bolsonaro que fala de vitória ou morte, toda essa tensão parece bastante distante no nível de conflitividade social no país. Enquanto a disputa entre extrema-direita e direita chegou num ponto máximo de tensão, por baixo se desenvolvem algumas importantes greves por recuperação do poder de renda nos setores econômicos mais dinâmicos da recuperação, como a construção civil. Porém, a resposta operária e popular ainda está muito aquém no nível de ataques do governo, que tem sido bem sucedido em liquidar com as poucas conquistas sociais que restam do que foi imposto pelo ascenso operário dos nos anos oitenta à constituinte pactuada de 1988.

A crise social que se aprofunda, mas ainda permanece latente da atual situação, é o fator mais estrutural sobre o qual se apoia o aumento da temperatura nas disputas institucionais. A explosão da fome, o aumento do desemprego, o arrocho salarial, a precarização do trabalho e o crescimento sustentado da inflação, que aumenta ainda mais a pressão sobre a situação de vida da classe trabalhadora. Como se fosse pouco, paira sobre o país o risco de um apagão ou de um racionamento de energia elétrica, que terminaria de derrubar uma recuperação que já deu mostras de reduzir seu ímpeto nas últimas semanas.

É a profundidade da crise social, a maior em décadas, e a impossibilidade do capitalismo brasileiro em oferecer uma saída para essa situação de crescente miséria das massas que explica esse nível de tensão nas alturas, por parte de atores políticos altamente desprestigiados. O nível histórico de mobilização dos povos indígenas em Brasília contra o marco temporal, o setor mais atacado pelo bolsonarismo e contra quem se mobiliza um aparato paramilitar, foram nestes dias um índice da tensão social que se acumula. Se por um lado, a classe dominante brasileira sabe que está sentada sobre um vulcão adormecido que pode despertar sem aviso prévio, por outro, não pode abrir mão de avançar nas medidas que aumentem seus lucros e tornem o Brasil um mercado atrativo para o capital financeiro em busca de baixos salários.

As alternativas do grande capital

A forte tensão nas instituições esteve cruzada também por uma guerra de cartas entre setores do grande capital. Em resposta à carta da Febraban com a Fiesp, a Fiemg (Federação das Indústrias de Minas Gerais) soltou uma nota a favor do governo, ao que foi respondida por outra carta de industriais de Minas contra o governo. Também o agronegócio se dividiu, com uma parte apoiando a ata da Febraban, porém com outro setor se somando com força à convocação do dia 7 e organizando um lockout parcial de caminhoneiros contra o STF.

Essas divisões entre o grande capital, ainda que a maioria se posicione pela construção da chamada terceira via para 2022, que seria uma candidatura da direita tradicional contra Lula e Bolsonaro, se devem a fatores pragmáticos pontuais em função dos ganhadores e perdedores da pandemia, mas mais do que isso, expressam diferentes avaliações sobre como prosseguir a ofensiva antipopular e até onde ela pode chegar.

O grosso do grande capital se preocupa sobre as condições de legitimidade do sistema político para evitar fraturas do tecido social e uma escalada da conflitividade que poderiam colocar em risco o conquistado pela burguesia desde o golpe institucional de 2016. A isso se soma a posição desconfortável da administração Biden, que vem aumentando sua intervenção no Brasil, pelo menos até estourar a crise no Afeganistão. Para Biden é um problema estratégico que um aliado de Trump se mantenha forte na presidência do principal país do pátio traseiro dos EUA, ao mesmo tempo que tem como prioridade máxima evitar que o Brasil se torne a porta de entrada para uma ofensiva chinesa sobre a região – uma questão muito mais complexa, pois se Lula e o PT fazem um discurso abertamente pró China, Dória, a principal alternativa da terceira via também tem negócios fortes com a China (vide a vacina Coronavac) e o próprio Bolsonaro oscila entre um discurso radical anti-China e um posicionamento muito mais pragmático do conjunto do governo. .

Deste ponto de vista, se torna uma questão crucial para a maioria do grande capital viabilizar eleitoralmente uma candidatura da terceira via neoliberal, que se imponha pela força do voto e seja capaz de recompor a legitimidade das instituições, para reprimir as lutas de resistência que muito possivelmente virão, sem voltar atrás no terreno conquistado com o golpe e nos ataques e privatizações, que são um grande consenso entre os grandes capitalistas. A dificuldade estratégica para que essa terceira via se viabilize, é um dos elementos que acrescentam incertezas e instabilidade nas disputas políticas entre direita e extrema-direita. As manifestações pelo fora Bolsonaro convocadas pelo MBL para esse dia 12 serão um primeiro teste de fogo para a viabilização de uma alternativa própria do grande capital.

O setor que segue com Bolsonaro é o setor mais radicalizado do grande capital, que está disposto a ir até fim na destruição do pacto social de 1988, que permitiu o desvio do ascenso de greves dos anos oitenta. A questão é que pela correlação de forças colocada esse caminho pode redundar em uma crise muito mais aguda, que coloque em risco todo o conquistado pelo golpe institucional e, mais grave, uma aventura militar poderia levar a uma crise estatal de consequências imprevisíveis.

A principal aposta do governo e dos generais bolsonaristas, no entanto, não é seguir pelo caminho das aventuras militares e rupturas institucionais que discurso de Bolsonaro – até agora com a sustentação militar – ameaça. Bolsonaro, com seus cerca de 20 a 25% de apoio duro é ainda o candidato da direita com mais chances de ir ao segundo turno. O acordo com o centrão, destravando o plano de Guedes que atende os interesses do grande capital de conjunto e possibilitando a ampliação do Bolsa Família ainda esperam se viabilizar como capazes de ser o representante de toda a direita contra Lula em 2022.

O plano B dos militares

Bolsonaro é, em grande medida, uma construção dos próprios generais, que se agarraram à oportunidade de voltar ao governo central pela via eleitoral. A geração de militares formada no fim da ditadura conservou intactos as visões daqueles seus instrutores que foram os protagonistas do golpe de 1964, da censura e da repressão e na medida em que a candidatura do PSDB foi mostrando que seria incapaz de se viabilizar, toda a cúpula militar se voltou para o indesejável Bolsonaro.

A identificação de Bolsonaro com o exército aos olhos das massas colocou uma oportunidade e um perigo para os generais. Depois de décadas voltaram ao governo, porém vincularam seu destino ao do governo Bolsonaro e desde a entrada de Braga Netto no ministério e depois com os militares assumindo a responsabilidade pela condução da pandemia, vêm assumindo cada vez mais a responsabilidade de que este chegue com força em 2022. Esse seria o melhor cenário para os generais, que querem se garantir nos cargos conquistados e ao mesmo tempo preservar a imagem do exército. Porém a situação econômica, os ataques do governo, e a própria retórica golpista, vão desgastando Bolsonaro que vê como cada vez mais remotas suas chances de vencer nas urnas em 2022.

O presidente, que luta não só para se manter no poder, mas também para preservar a si e sua família cada vez mais pressionados pela ofensiva do STF, está disposto a embarcar em aventuras. Mas os generais embarcariam nesse jogo de tudo ou nada do Bolsonaro? É bem pouco crível que a cúpula militar brasileira embarcaria num golpe sem o apoio da maioria do grande capital e sem o respaldo dos EUA, ou que se manteria atada a um governo que se prepara para uma derrota eleitoral ano que vem. O mesmo senso de oportunidade que levou os generais e cerrar fileiras em torno de Bolsonaro, pode condicionar sua saída num momento mais oportuno.

Crescem as especulações sobre que atitude teriam os militares caso a justiça ou o parlamento avancem numa ofensiva destituinte contra Bolsonaro. Para o PSDB e a terceira via tirar Bolsonaro das eleições seria uma garantia de que a terceira via estaria no segundo turno para enfrentar Lula. Mas eles temem, sobretudo, entrar em via de colisão frontal com os militares. Então qualquer saída destituinte teria que passar por um acordo, ou ao menos um silêncio tácito dos militares, em especial do vice Mourão.

Não se pode descartar em absoluto que caso cheguem à conclusão de que é impossível que Bolsonaro consiga se reeleger, um acordo com a terceira via pode se concretizar, no qual os generais teriam muito a ganhar. Principalmente por que seria uma forma de descolar definitivamente sua imagem da do governo Bolsonaro e, com Mourão na presidência, conduziriam a transição ao novo governo e teriam grande poder de influência na definição da candidatura favorita de grande capital para enfrentar Lula – que muito provavelmente será João Doria. De quebra, Bolsonaro afastado da presidência poderia se dedicar a manter coesa sua base de extrema-direita, que em todos os cenários se manteria como uma reserva estratégica de ultra direita para ser utilizada quando for necessária para enfrentar o movimento de massas. Essa hipótese não seria contraditória com pequenas tentativas de aventuras bolsonaristas e setores da sua base militar. Pelo contrário, levantes assim, sufocados pelo exército, poderiam ser justamente o símbolo que querem os generais para reafirmar a autonomia das forças armadas em relação ao exército. Mas isso ainda é uma hipótese, um plano B, e hoje os generais são a sustentação fundamental do governo Bolsonaro.

O beco sem saída da estratégia petista

Enquanto se agrava a disputa entre o bolsonarismo e o STF e ataques históricos vão sendo aprovados do Congresso, o fator mais atrasado da situação política é a luta de classes. O curso que o PT toma repete a história desse partido. Nenhum enfrentamento, nenhum chamado a mobilização, nenhuma greve séria contra as privatizações. Para o PT e Lula e a ordem do dia é conquistar a confiança do capital financeiro e de setores militares de que vai fazer um governo que não vai retroceder na obra econômica do golpe. A aposta é que, se mantendo Bolsonaro presidente, o PT caminha para uma vitória certa em outubro de 2022. O cálculo não resiste ao ritmo da política brasileira nos últimos anos e ainda muita coisa vai ocorrer antes das eleições. Em 2017 o PT também sustentou enquanto pode o governo Temer, traindo a enorme mobilização operária que poderia derrubá-lo, pois também contava com uma vitória segura em 2018. Depois da maior greve geral em décadas, em abril de 2017 e crise aberta com a ofensiva da Lava-jato contra Temer, estava na ordem do dia derrubar o governo através da mobilização. O PT foi fundamental para Temer ao adiar a data de uma nova greve geral em dois meses e permitir que o governo golpista se estabilizasse e aprovasse a reforma trabalhista. De uma forma ou de outra, a política petista não serve para enfrentar o bolsonarismo e a direita neoliberal.

Ainda mais trágica do que a política petista que coloca o movimento operário refém da estratégia da direita neoliberal, é a posição que as organizações de esquerda como PSOL, PCB ou PSTU adotam exigindo o impeachment já. Dessa forma o máximo que podem conseguir seria viabilizar o plano B dos militares, abrindo caminho para que um governo Mourão mais legitimado do que Bolsonaro seja responsável pela transição, como explicamos acima.

Nesse momento, algumas lutas importantes estão se desenvolvendo, como a greve da Rede TV, em setores da construção civil e metalurgia. É preciso que as organizações de esquerda rompam sua política de seguimento ao PT e de confiança nas instituições e coloquem seu peso sindical para apoiar e coordenar essas lutas, fortalecendo a exigência de que a CUT e a CTB convoquem uma greve geral contra Bolsonaro e Mourão.


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Thiago Flamé

São Paulo
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