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POSSE DO NOVO PRESIDENTE ARGENTINO | O 1º Dia da "Revolução da Alegria"

O novo presidente assumiu em um Congresso semivazio e com um discurso de frases feitas. Cantou e bailou no balcão da Casa Rosada. A alegria que encobre o ajuste que virá. Pela tarde juraram os CEOs de seu gabinete. Os empresários festejaram. Os interrogadores ofuscam a alegria.

Fernando ScolnikBuenos Aires | @FernandoScolnik

sábado 12 de dezembro de 2015 | 00:26

A sacada da Casa Rosada está associado na história nacional a grandes
acontecimentos, desses que deixam impressão. Juan Domingo Perón, Raul Alfonsín ou Leopoldo Fortunato Galtieri foram alguns dos protagonistas de momentos chaves da política argentina desse lugar. Nos referimos ao 17 de Outubro de 1945, a expulsão dos Montoneros da Plaza de Mayo, ao anúncio dos ingleses de que "se querem vir, que venham, apresentaremos batalha", ou à sentença de que "a casa está na ordem" do ex presidente radical, entre outros momentos dramáticos da história argentina.

Porém, ontem se abriu um novo ciclo da política nacional, acompanhado também de um novo estilo. Do famoso balcão a nova vicepresidenta Gabriela Michetti cantou o hino nacional sem algum sentido de discurso, senão as letras de Gilda, " Não me arrependo deste amor". Por sua parte, Maurício Macri, além de dançar, gritou "os amo, amo este país e amo cada um de vocês... Obrigado, obrigado, obrigado".

Essa foi uma das marcas que deixou o 1º Dia da "Revolução da Alegria" que havia anunciado o então presidente após a primeira volta eleitoral de 25 de Outubro.

A cena foi, após o juramento no Congresso Nacional e a polêmica recepção dos atributos de mandato da Casa Rosada, depois de uma grande tensão com a ex-presidenta pela transferência, que teve entre suas consequências o juramento de Macri num Congresso semivazio. Entre um e outro lugar, milhares de simpatizantes do novo governo, em sua maioria de classe média, o acompanharam ao grito de "sí, se puede" [“sim, podemos”, em espanhol].

Na primeira dessas instâncias, Macri havia falado de unidade, dizendo que "pode se sonhar o incrível depois de tantos anos de enfrentamento inútil", e disse que "queremos a ajuda de todos, da gente que se sente de direita e da gente que se sente de esquerda, dos peronistas e dos anti peronistas, dos jovens que estão na idade da transgressão e dos maiores".

Prometeu também que "vamos cuidar de todos, o Estado vai estar onde seja necessário para cada argentino, em especial para os que menos têm. Vamos universalizar a proteção social, para que nenhuma criança fique desprotegida, vamos trabalhar para que todos possam ter um teto com água corrente e esgoto, e urbanizar as vilas, para normalizar a vida de milhares de famílias".

Ainda que o discurso tenha sido muito mais curto que o habitual de Cristina Fernandez, Macri também teve tempo para prometer "pobreza zero", e disse que precisamos gerar trabalho, ampliar a economia, aproveitar os enormes recursos naturais e humanos. "Vamos cuidar dos trabalho que hoje existem, sobretudo produzir uma transformação para que se multipliquem as forças de trabalho".

Entre a "Revolução da Alegria" e a realidade que vem

Depois de cantar e dançar, a nova equipe de governo saudou, no Palácio San Martín, as delegações estrangeiras que foram ao país para participar da posse.

Primeiramente, Maurício havia anunciado entrelinhas um giro da política internacional, mais amigável com os países imperialistas e com o capital financeiro internacional.

"Temos uma visão nova da política, somos filhos desse tempo e tratamos de compreendê-los sem juízos e rancores (...) por suposto que sustentaremos todos os nossos apelos soberanos e nossos valores, sem que ele impeça um relacionamento normal com todos os países do mundo". A ênfase está posta neste último e, por isso, entre outras coisas, já começou a negociação com fundos oportunistas.

Avançada a tarde, Macri fez juramento a seu gabinete, que anuncia que estamos de frente a um novo governo atendido diretamente pelos grandes donos do capital. "Está jurando um gabinete com mais representantes diretos do grande capital da história nacional", antecipava, no Twitter, Christian Castillo, e assim foi.

Entre outros, juraram pelos santos evangelhos ou as sagradas escrituras Ricardo Buryale a Confederação Rural da Argentina, Juan José Aranguren da Shell, Francisco Cabrera ex CEO de distintas empresas, Pablo Avelluto ex gerente do Editorial Planeta e responsável dos negócios de Torneios e Competências, entre outros ex CEO, representantes do campo e políticos reciclados que serão parte do novo gabinete junto a homens das finanças, como Alfonso Prat Gay ou Rogelio Frigerio, representantes dos interesses empresariais na educação, como Esteban Bullrich, e outros.

Quem celebrou semelhantes nomeações foi a poderosa Associação Empresarial Argentina (AEA), que em um comunicado sustentou que "a posse do engenheiro Mauricio Macri como presidente da nação (...) brinda uma oportunidade única para que entre todos trabalhemos por um país melhor (...) no qual o empresariado tenha um papel central para alcançar que se multipliquem os postos de trabalho".

Diga o que celebra que lhe direi quem é. Se logo acima nos referimos às promessas, vêm à memória os temas que Macri não mencionou no seu discurso de meio-dia no Congresso. Omitiu seu plano econômico, ocultando o que vem: desvalorização monetária, baixa de retenção das patronais do campo, arranjo com os fundos oportunistas, alta de tarifas. Tudo isso, enquanto a inflação já disparou e em muitas empresas já começaram a luta contra as demissões. Tampouco parece ter sido casual a "dúvida" de falar das paritárias ou tantas vezes prometidas as modificações no imposto do salário. Deixa uma interrogação sobre como será a relação com o "movimento operário organizado".

Talvez a "revolução da alegria" tenha tido ontem seu dia mais feliz, ou será que a festa será para alguns poucos. Do Twitter, Nicolás Del Caño denunciou que "em 45 minutos Mauricio Macri ocultou suas principais políticas: desvalorização e tarifaços. Nos pede ’unidade’ para que passe o ajuste. Não pode haver ’unidade’ entre os ajustadores e os ajustados. Os capitalistas que tem que pagar a crise".

Por sua vez, Myriam Bregman dizia da mesma rede social que "Macri falou de AMOR, não se sentiram assim os reprimidos do Bairro Papa Francisco e do Indoamericano. Macri é Macri". Como denunciou o Prêmio Nobel da Paz, Adolfo Pérez Esquivel, os direitos humanos foram os grandes ausentes do discurso de Macri.

Por outro lado, quando Macri fez referência ao respeito pelas instituições, temos que entender que as mesmas não são neutras. A "justiça independente" e a lei que "deve ser respeitada", não reservam nada de bom para os trabalhadores nas mãos da casta oligárquica de juízes, amigos do poder. Por sua vez, Macri quando prometeu acabar com a corrupção, basta dizer que escutava atentamente Fernando Niembro. Talvez a "ameaça" do novo presidente seja dirigida a alguns que se vão, não aos amigos, ainda que Cristina Fernandez não se deu por iludida e disse ontem que não pode "ver nada da posse". Um grupo de militantes se despediu no aeroporto, rumo à província de Santa Cruz, ao grito de "vamos voltar".

Mauricio disse ontem (10) também que "vamos dar mais prestígio e valor à votação docente, dar mais prestígio e valor a quem decide se dedicar a ela". Veremos em pouco tempo se o elogio à vocação antecipa um ataque aos docentes "vagos" que vão à greve por seus direitos. Será uma testemunha paritária.

Depois de um dia grande, o presidente encerrou com classe seu primeiro dia no Poder Executivo com a participação de uma apresentação especial no Teatro Cólon, que reuniu os integrantes de seu gabinete, funcionários e figuras do seu espetáculo.

Dúvidas que ofuscam a alegria

A vitória apertada no segundo turno, a carência de peso próprio nos sindicatos, o rol desafiante do kirchnerismo que o deixou assumir frente a um Congresso semivazio, e a predisposição da classe trabalhadora a não retroceder em suas condições de vida frente a um panorama de ajuste, abrem interrogações sobre a situação.

Esso explica em parte a cautela e o pragmatismo de Macri para anunciar seus planos de governo. Ontem a Bolsa do Comércio abaixou 1,47%, e alguns analistas o atribuem à falta de anúncios concretos sobre a política econômica no discurso inaugural. Entretanto, o grande capital tem intenção de fazer negócios e sustentar o governo ajudando o financiamento e liquidando grãos do campo. Assim conseguiria o governo estreante alguns dos dólares que necessita com urgência.

Porém esses dólares não conseguirão que a alegria do 1º Dia e as promessas se tornem realidade. Começa um plano de ajuste, e do outro lado um plano de resistência. Nesse sábado, um importante encontro do sindicalismo combativo da Zona Norte da Grande Buenos Aires se reunirá na ex-Donnelley para coordenar as lutas. Terminam as promessas, começam a realidade.




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