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Minas Gerais | Nossa greve em uma encruzilhada: confiar na justiça ou garantir a vitória com a força da greve?

Nossa greve mostrou a força dos trabalhadores da educação e se tornou um fato político estadual. Agora, encontra-se numa encruzilhada: apesar da votação favorável ao nosso reajuste na ALMG, o governador Romeu Zema efetivou seu veto e já prometeu a judicialização. A condução da greve por parte da direção do Sind-UTE/MG nos levou a uma situação em que temos o risco de votar o fim da greve como uma vitória temporária, que pode ser retirada de nós após a greve. Quais lições tirar e o que fazer?

segunda-feira 11 de abril de 2022 | Edição do dia

Foto: Gilson Carvalho/Sind-UTE/MG.

O governo segue intransigente contra as demandas da educação e se movimenta para ganhar tempo e a opinião pública a seu favor, mentindo que não há dinheiro para o reajuste enquanto busca impedir a derrubada do veto pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), com pressão política e distribuição de verbas secretas, assim como conseguiu forças dois anos atrás para a aprovação na ALMG da reforma da Previdência no estado. Ataca a greve com sua base na ALMG, com o Novo e o PSDB à frente, e a grande mídia acoberta as mentiras do governo estadual e busca jogar a população contra a nossa greve.

Ao lado do governo Zema estão grandes empresários que controlam a mídia, a mineração, o agronegócio e as grandes empresas do estado. Empresários como Salim Mattar, dono da Localiza, uma das maiores empresas de transportes do país, maior beneficiário da isenção fiscal de quase 1 bilhão de reais concedida a grandes empresas durante a nossa greve. Um governo de um patrão que serve a seus colegas de classe e fazem um verdadeiro balcão explícito e indecente de negócios a serviço das classes dominantes.

O governo também contou até aqui com a cumplicidade do judiciário para o descumprimento da lei do piso salarial nacional e para todo tipo de manobras com o orçamento estadual, enquanto esse poder autoritário ataca a greve com decisões judiciais em favor do governo. E mesmo se for derrubado o veto, o governo já sinalizou que recorrerá novamente ao judiciário para não pagar nosso reajuste salarial.

Por outro lado, sabemos que o governo enfrenta dificuldades para passar seus projetos mais duros de ajustes, como as privatizações e o Regime de Recuperação Fiscal, também pelo rechaço popular que há em medidas deste tipo, enquanto a população sofre com a piora de condições de vida, o aumento dos preços e a precarização dos serviços públicos.

Neste cenário que nossa greve chegou em uma encruzilhada: termos a derrubada do veto como uma vitória temporária mas que não garante que tenhamos o reajuste. Outro caminho seria termos tido uma greve que batalhasse para canalizar em nossa luta a insatisfação popular contra o governo, buscando garantir a vitória. Esse último caminho não foi trilhado pela direção do Sind-UTE/MG, responsável por nossa greve chegar nesse momento difícil. Mas que não é ainda impossível de ser revertido.

Como lições de nossas lutas anteriores, é sabido que em nossa greve de 2018 contra o governo de Fernando Pimentel (PT) conquistamos uma lei estadual que garante o pagamento do piso referente às 24 horas de nossa jornada. Porém essa lei nunca foi cumprida por nenhum governo, nem mesmo o petista. Se saímos da nossa greve nessas condições não teremos a garantia do reajuste salarial de 33% sobre os 10,06% e nem mesmo a garantia da anistia de nossa greve (ou seja, que haja o compromisso do governo em não cortar ponto e fazer retaliações aos grevistas).

Ou seja, uma política que na realidade mostra seu resultado na difícil situação atual, em que os rumos de nossa greve voltarão, na prática, para as mãos do judiciário. O que é ainda mais difícil sabendo que o judiciário sempre serviu à manutenção da desigualdade e da exploração, e desde 2016, com o golpe institucional e depois com a eleição de Bolsonaro em 2018, vem aumentando seu autoritarismo e os ataques contra os trabalhadores e o povo. É este judiciário que protege Zema e os poderosos, como a Vale que pode destruir e roubar nosso estado impunemente, e que já ataca nosso direito de greve desde seu início.

Ainda assim, a direção do Sind-UTE/MG aposta na pressão institucional e em uma conquista sem garantias. Gerando confiança que deputados que são de partidos do “Centrão”, uma casta política privilegiada e corrupta, que desde a ditadura militar faz dos direitos populares moedas de troca para seus privilégios, seriam aliados dos trabalhadores. Como exemplo, deputados do PSD do partido de Kalil, que usou a Guarda para espancar professoras da rede municipal em greve em BH. Beatriz Cerqueira chegou a nomear essa frente parlamentar pela derrubada do veto como um suposto “paredão progressista”, mas que envolve até mesmo deputados da bancada da bala e do PSL, que favorecem seus interesses reacionários junto às forças policiais e seus motins.

Ao contrário disto que é oferecido pelos parlamentares do PT e pela direção estadual do Sind-UTE/MG, a ideia de uma greve radical começa por “agarrar as coisas pela raiz”, como dizia Karl Marx. Por isso, nós do Nossa Classe e do Esquerda Diário viemos colocando propostas para fortalecer nossa greve com uma estratégia baseada na luta de classes, que seja radical em seus objetivos e combativa em seus métodos, confiando apenas na nossa força como classe trabalhadora, que pode parar toda a sociedade pelo seu papel na produção e na reprodução da vida, para derrotar nas ruas o governo Zema, o judiciário e os grandes empresários e poderosos que eles tão bem representam.

Para sair desta encruzilhada, temos que confiar na força de nossa greve. O que envolveria dar passos não dados até agora no sentido da auto-organização de trabalhadores pela base, buscando fortalecer os comandos de greve; pela unidade das greves em curso; pela unidade entre professores e ASB e a unidade entre efetivos e convocados/designados; e a aliança dos trabalhadores com a população, em uma luta comum por educação e transporte públicos e de qualidade.

Esta estratégia que defendemos é contraposta à estratégia eleitoral e institucional do PT e das direções políticas que conduziram nossa greve para esta encruzilhada, onde sua força não foi utilizada para garantir nossa conquista enquanto a greve estava mais forte. Isto se expressa, por exemplo, em comandos de greve regionais que não foram estabelecidos em subsedes com ampla composição de diretores estaduais do Sind-UTE/MG, como a maioria das regiões de BH. Por que a direção sindical não organizou estes espaços de base, em especial na capital do estado?

Se expressa também no ato de greve do dia 30/03, aprovado em nossa assembleia por proposta do Nossa Classe junto a correntes que atuam como oposição sindical à direção do Sind-UTE/MG, como PSTU e Combate Classista, posteriormente articulado junto aos professores em greve da rede municipal, ao Sind-Rede/BH e ao sindicato dos metroviários de BH. Este importante ato não foi construído pelas subsedes, e tampouco a CUT tomou essa data como um dia que poderia ser parte de um plano de lutas estadual contra os ataques de Zema e de Kalil, fortalecendo desta forma as categorias em greve. O resultado disso é a divisão de nossas lutas e o enfraquecimento de todas as categorias. A greve da rede municipal de BH acabou no dia 08/04, sem ter suas demandas atendidas sob nova ameaça de corte de ponto pela gestão Fuad/Kalil.

Esta política de divisão de nossas lutas também é operada nacionalmente, em que a CUT, CTB e a CNTE, por exemplo, que não construíram paralisações e nem ações de rua no dia de mobilização nacional da educação, 16/03, uma semana após o início de nossa forte greve. Mantendo novamente sua agenda eleitoral e sua trégua com o governo Bolsonaro.

No caso das greves de Minas Gerais, o seguimento da agenda eleitoral torna-se ainda mais gritante após a repressão de Kalil contra a greve na rede municipal. O PT se prepara para seguir estadualmente, junto com Kalil, suas alianças com a direita nacionalmente, como entre Lula e Alckmin. Vemos em nossa greve que a consequência disto não é o fortalecimento da luta contra a extrema direita, mas sim o enfraquecimento das greves em nome das saídas institucionais e de conciliação de classes, como únicas supostamente capazes de combater a extrema direita. Como já apontava o revolucionário Antonio Gramsci, de mal menor em mal menor se constrói um mal maior. Por isso não é possível ter ilusões neste projeto, mas sim batalhar para que os trabalhadores confiem em suas próprias forças!

De forma a superar saídas como os novos passos do projeto de conciliação de classes do PT, que já mostrou seus resultados com a aliança com Michel Temer e partidos da direita que, juntos ao judiciário, foram responsáveis pelo reacionário golpe institucional de 2016 e que teve como fruto o governo de extrema direita de Bolsonaro. Esse projeto petista que envolve a governabilidade junto à direita, no qual direitos mais elementares não são garantidos, sobretudo das mulheres, negros e negras. Ou seja, um projeto de conciliação de classes que fortalece a direita e enfraquece a luta de classes novamente. E que mesmo eventualmente ganhando as eleições de outubro terá que lidar com uma base forte e atuante da extrema direita fora do governo. Gerar confiança que pelas saídas institucionais, como na justiça ou nas eleições de outubro podemos garantir vitórias, é uma forma de manter nossa greve dentro do que é aceitável para as velhas direções políticas do PT e dentro do que é possível sermos novamente alvos dos ataques de Zema e do judiciário.

Contra as ilusões de conciliação com golpistas das instituições e da velha direita, viemos colocando uma série de propostas para que nossa greve pudesse tomar desde seu início um caráter radical de enfrentamento com Zema e seu governo que serve aos patrões. Propostas que viemos expressando em nossos materiais e nas assembleias de nossa categoria, como a de votar em todas as regiões de MG representantes por escolas, com 2 trabalhadores da educação por escolas parcialmente paralisadas e 3 por escolas totalmente paralisadas, de forma a expressar a força da greve para além da representação tradicional que compõe o atual Conselho Estadual, que muda de nome ao longo de greves para Comando Estadual, mas que não muda em nada sua composição para a definição dos rumos da greve. Ou seja, não expressa as centenas de novos ativistas entre trabalhadores que surgem nas greves e que renovam as forças de luta de nossa categoria.

Uma organização de base desse tipo teria potencial de se efetivar ao longo de uma greve e seria sem dúvidas uma inovação de independência de classe na tradição de luta de nossa categoria. Esta que ergueu nosso sindicato na luta contra a ditadura militar e que teve uma de suas greves históricas no ano de 1979, que ficou conhecida como a greve das trabalhadoras sem rosto. Expressão usada na época pois os militares e a casta política temiam aquelas greves, em que os rostos de milhares de trabalhadoras da educação nas ruas, enfrentando a ditadura, mostravam a força dos trabalhadores e extrapolavam as amarras das direções tradicionais dos sindicatos da época atrelados à ditadura. E que mostravam parte da verdadeira força que faz as classes dominantes temerem: a da classe trabalhadora, que no caso de nossa categoria é também de maioria de mulheres e negros.

Essa organização de base, junto à decisão de derrotar Zema com a força da nossa greve, poderia ter organizado ações contundentes desde o começo da greve, como festivais populares e aulas públicas em defesa da educação e dos transportes públicos e das condições de vida de toda população, defendendo a necessidade do reajuste mensal dos salários conforme a inflação, para transformar a greve em uma causa popular, potencializando os apoios que já viemos recebendo para nossa greve.

Uma unidade das categorias em greve que poderia se ampliar para unificar com a juventude que sofre com o desemprego e a falta de qualquer perspectiva de futuro digno. Que sofre com a precariedade da educação pública e com as más condições de trabalho para os trabalhadores da educação, com a falta de merenda de qualidade nas escolas e com a falta de infraestrutura. É a serviço dessa unidade que nossas companheiras e companheiros da Juventude Faísca Revolucionária vieram apoiando nossa greve em todos momentos, organizando desde a UFMG o apoio de estudantes à greve e chamando as correntes de esquerda e direções estudantis a fazerem o mesmo nas universidades e escolas.

Tivemos na semana passada um exemplo do potencial desta organização de base com a proposta do comando de greve de Venda Nova, incorporada em nosso calendário de greve, do ato em frente à Localiza e contra as isenções fiscais aos grandes empresários no estado. Mas ainda precisamos ver todas as formas de expressar o que ainda temos de força para garantir a nossa vitória, sem uma mera expectativa passiva da justiça, avaliando o máximo de ações que podemos fazer nesse sentido.

Toda essa reflexão de balanço e perspectivas da nossa luta é para tirarmos a lição de que somente com a força da mobilização de trabalhadores junto à população que podemos derrotar Zema e todos os ataques dos governos e dos capitalistas. Uma batalha de classe contra os governos e capitalistas que exige das centrais sindicais, como a CUT e a CTB, romper com a paralisia e subordinação das lutas aos interesses eleitorais petistas. Subordinação que se expressou novamente nos atos nacionais Fora Bolsonaro de 09/04, que mais uma vez não foram construídos pelas centrais sindicais, de forma a enfraquecer as lutas e greve em curso e fortalecer sua agenda eleitoral.

Também buscamos fortalecer estas batalhas a partir da proposta de um polo de independência de classe, que atue em Minas Gerais e nacionalmente nas lutas e nas eleições com completa independência política do PT, e que seja uma alternativa ao projeto Lula-Alckmin nacionalmente e Lula-Kalil regionalmente. Um polo que tenha um programa para que os capitalistas paguem pela crise, e não um programa com os capitalistas, como faz a política de conciliação petista, que é seguida hoje pela maioria do PSOL. Um polo que atue na luta de classes, batalhando contra a paralisia das burocracias sindicais que dividem as nossas lutas e impedem que seja no terreno da luta o enfrentamento a Bolsonaro e Mourão. É batalhando por este conteúdo que estamos fazendo parte do Polo Socialista e Revolucionário, que realizou mais um debate em Minas Gerais em meio a nossas greves, discutindo junto a trabalhadores em greve os desafios da esquerda em nosso país, passos para a unidade das lutas e para a superação da direção histórica do reformismo petista sobre nossos sindicatos, de forma que os trabalhadores sejam sujeitos da política.

Passos assim envolvem a possibilidade de sairmos da encruzilhada atual de nossa greve e garantir nossas demandas. Propostas que apresentamos neste artigo novamente e pelas quais batalhamos ao longo de toda greve, que são uma contribuição para dar passos no sentido de superar a história de conciliação de classes petista e poder potencializar a nossa verdadeira força contra Zema e a extrema direita nas ruas, apostando na luta de classes, nos trabalhadores como sujeitos das decisões políticas e na combatividade e radicalidade de nossa classe em luta.




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