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COMITÊ NOBEL EM OSLO | Nobel da Paz aos confiscadores da revolução tunisiana

Em mais uma mostra de cinismo do Comitê Nobel em Oslo, o Quarteto do Diálogo Nacional Tunisiano foi premiado como Prêmio Nobel da Paz “por sua decisiva contribuição na criação de uma democracia plural”, ou seja, com os velhos representantes da ditadura de Ben Ali.

Juan ChingoParis | @JuanChingoFT

sábado 10 de outubro de 2015 | 01:16

Foto: EFE

O Quarteto de Diálogo Nacional é formado pela União Geral do Trabalho (UGTT), sindicato histórico da Tunísia e símbolo da independência; a Confederação da Indústria, do Comércio e do Artesanato; a Liga Tunisiana de Direitos Humanos (LTDH) e a Ordem dos Advogados. Seu papel foi fundamental, especialmente o do primeiro em desviar o processo revolucionário tunisiano no sentido de uma “contrarrevolução democrática”, um regime de fachada democrática, mas que mantém a continuidade do regime ditatorial tunisiano, parte de seu pessoal político como seu atual presidente, ex-ministro de Ben Ali, e especialmente seus interesses econômicos e a submissão ao imperialismo.

Os confiscadores da revolução

A Tunísia foi o berço da “primavera árabe” e, junto com o Egito, o país no qual a classe trabalhadora interveio com força mais ou menos organizada.

Após a derrubada de Ben Ali em janeiro de 2011, abriu-se uma etapa de uma grande instabilidade política, protestos e greves que colocaram fim ao governo transitório formado por figuras do velho regime. Em outubro do mesmo ano realizaram-se as eleições para a Assembleia Constituinte, que resultaram em um mapa político muito fragmentado, com uma relativa vantagem do partido islamita Ennahda, que formou o governo provisório junto aos três partidos majoritariamente laicos. Mas a situação seguiu sendo altamente instável com uma crescente polarização entre partidos laicos e islamitas, no marco de uma contínua deterioração das condições de vida das amplas massas populares.

Em fevereiro de 2013 foi assassinado o dirigente operário de esquerda Chokri Belaid. Esse crime político desatou uma onda de protestos, incluindo uma greve geral, e acelerou o enfrentamento entre setores laicos e islamitas.

Em julho do mesmo ano outro assassinato comoveu o país e polarizou ainda mais o enfrentamento, neste caso o antigo líder do partido opositor tunisiano Movimento do Povo, Mohamed Brahmi, também é assassinado. Ele havia sido eleito deputado em Sidi Buzid, o berço da revolução que levou à derrocada do regime de Ben Ali em janeiro de 2011 e que iniciou a primavera árabe. Imediatamente, como no início daquele ano, centenas de milhares de pessoas manifestaram-se no centro da capital sob o grito de “o povo quer a queda do Governo” e “hoje deve cair Ennahda”. Por sua vez, uma contramanifestação de vários milhares de pessoas, escoltadas pelas forças de segurança, percorreu a parte central da avenida de Burguiba em apoio ao Governo. Um dia de greve geral paralisou grande parte do país.

É neste marco nacional e dentro de um contexto regional bem tenso com o golpe de estado no Egito em julho de 2013, que as propostas de diálogo nacional lançadas já em fevereiro de 2012 pela UGTT, agora pegam. Com esta sua legitimidade local e também internacional, lançou a ideia de uma frente: é aí que entra o Quarteto de Diálogo Nacional.

Frente ao espectro de seguir a mesma sorte que seus homólogos egípcios da Irmandade Muçulmana e seu presidente Morsi, condenados ao cárcere e assassinados pelo golpe do general al-Sissi, os islamitas abdicaram do poder permitindo uma saída política. A nova constituição recém pôde aprovar-se em 2014. Nas eleições de outubro do ano passado triunfou um partido burguês liberal laico que afastou a Ennahda do poder. Finalmente, no início de 2015 formou-se um governo de coalizão entre laicos e islamitas moderados, encabeçado por um antigo funcionário do deposto Ben Ali.

Assim, a “reconciliação nacional” elogiada pela UGTT é – como disse a universitária tunisiana Hèla Yousfi, autora de um interessante livro sobre a UGTT – um consenso “...o que permitiu à antiga elite proveniente do RCD (o partido de Ben Ali) e à nova elite islâmica saída das urnas alcançar um compromisso político. A continuação deste processo é também a atual distribuição do poder entre Ennahda e o velho regime, que se produz às custas dos problemas sociais e econômicos que eram, no entanto, a origem da revolução”. Um confisco do processo revolucionário.

Os novos autoritários e liberticidas

Mas este desvio é só o começo do giro crescentemente autoritário ou bonapartista de regime, que aproveitando a onda de atentados terroristas que tem acontecido em seu território, os utiliza como desculpa para cortar os mínimos direitos democráticos que se viu obrigado a ceder como consequência da queda de Ben Ali e, sobretudo, para enfrentar de forma repressiva a volta da agitação social que de tempos em tempos e com claros picos sacode o país.

Assim, em julho o Parlamento tunisiano aprovou a nova lei antiterrorista, entre cujas medidas está a pena de morte para os delitos relacionados com terrorismo e a pena de prisão para as expressões de apoio ao terrorismo. Enquanto isso, permite às forças de segurança prender os suspeitos por até 15 dias sem acesso a um advogado ou comparecer ante a um juiz, além de permitir com maior facilidade grampear os telefones de pessoas investigadas. Várias organizações de defesa dos Direitos Humanos tem qualificados de “draconianas” algumas destas medidas e tem criticado a “vaga” definição de terrorismo, alertando de que podem levar a uma perda dos direitos democráticos.

Recentemente, tem avançado uma nova lei sobre a reconciliação econômica que deixa para trás as ações de justiça contra antigos ex-líderes da ditadura, tomadas durante o período transicional e oferece anistia para todos os funcionários estatais e empresários especuladores e corruptos do regime de Ben Ali, utilizando como pretexto que isso vai permitir a volta das inversões econômicas.

Por sua parte, o presidente da república é permitido repudiar na televisão o seu ministro da Justiça, que defende a descriminalização da homossexualidade, e foi aplaudido por Rached Guannouchi, o fundados de Ennahda. Tudo um símbolo.

É um proceso de “contrarrevolução democrática” que põe em perigo as mínimas conquistas democráticas alcançadas e, sobretudo, que volta a estabelecer um quadro econômico e de subordinação imperialista, o que caracterizou a Tunísia nas últimas décadas sob a ditadura de Ben Ali e que foram as razões estruturais pelas quais as massas insurrecionaram-se em 2011. O relançamento dos acordos de livre comércio com a União Europeia para transformar novamente a Tunísia em uma semicolônia com duplas correntes, eliminando todos vestígios de sua soberania nacional é a peça final.

Enfim, são todos esses retrocessos que o Comitê Nobel vem premiar, em especial o papel de conciliação de classes da direção da UGTT. Nada surpreendente vindo desta instituição que segue com sua trajetória reacionária, a mesma que no passado premiou Nelson Mandela e Frederik Willem de Klerk por haverem contribuído para salvar, sob outra fachada, o regime do apartheid e confiscar a revolução negra da década de 1980 na África do Sul ou, no ano seguinte, em 1994, premiou Yasir Arafat e os dirigentes sionistas Isaac Rabin e Shimon Peres, logo após as conversas de Madri que deram origem ao reconhecimento do líder palestino ao estado terrorista de Israel e à fórmula utópica de dois Estados para o conflito palestino-israelense.




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