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MOTINS POLICIAIS | No RJ aumento, em ES incriminação: duas políticas para a polícia seguir matando e reprimindo

Mais de 700 policiais já foram oficialmente acusados de revolta no ES, e o governo está só começando. No Rio de Janeiro, mesmo com o estado quebrado um aumento salarial foi concedido. São duas políticas diferentes, mas com o mesmo propósito: manter nas ruas os assassinos fardados que matam a juventude negra e reprimem protestos de trabalhadores.

sexta-feira 10 de fevereiro de 2017 | Edição do dia

A situação de caos nas ruas do Espírito Santo vem sendo fortemente noticiada, e já são mais de cem mortos desde que se iniciou o motim dos policiais no estado. A mídia patronal atribui todos os crimes, saques e assassinatos à atuação de "marginais" que, sem policiamento nas ruas, se sentem "livres" para praticar seus crimes. Contudo, algumas vozes já tem se levantado para alertar sobre a possibilidade de que grupos de extermínio criados na época da ditadura e formado pelos próprios policiais, como a Scuderie Le Coq, possam estar por trás das dezenas de mortos, em sua maioria jovens, negros e moradores da periferia - o mesmo perfil dos assassinatos praticados pela polícia quando está "no batente".

A tática inicial do governo do Espírito Santo foi, além de pedir para Temer o reforço da Força Nacional para o policiamento nas ruas, de negociar com os policiais amotinados por meio de reuniões com suas mulheres, que pediam a anistia de todos os envolvidos (a greve de militares é proibida por lei e passível de punição com prisão) e um aumento de 100% em plena crise.

Depois do fracasso das negociações, o governo, a partir dessa sexta-feira, 10, mudou sua postura "diplomática": já são 703 policiais indiciados por crime de revolta - que consiste em um motim de policiais armados - e o número irá aumentar. Em coletiva de imprensa feita pelo Secretário de Segurança Pública, André Garcia, e os comandantes da Polícia Militar, Coronel Nylton Rodrigues e o da Polícia Civil, Guilherme Daré, foi oficialmente anunciada a repressão aos amotinados. Também afirmaram que as mulheres que lideram o movimento serão responsabilizadas pelos custos do envio das Forças Armadas e da Força Nacional de Segurança para o estado. Além disso, eles cortarão o ponto de todos os policiais acusados a partir desse sábado, 11.

Rio de Janeiro e a solução "pacífica" do governo

Inspirados pelos colegas de farda da corporação no ES, os policiais do Rio de Janeiro decidiram também ameaçar o governo com um motim. Muitos dos policiais fluminenses estão com salários atrasados em decorrência da crise que atinge o estado, e não receberam décimo terceiro também. Os boatos que começaram a se espalhar na terça-feira já foram suficientes para que Pezão convocasse interlocutores do alto escalão da polícia para uma conversa e prometesse novamente um aumento escalonado de salários que havia sido acordado em 2014. Os boatos seguiram se espalhando pelas redes sociais e Whatsapp, com o intuito de disseminar o pânico no estado e aumentar a pressão sobre o governo.

Foto: Fernanda Rouvenat

Nessa sexta, 10, quatro batalhões foram visitados pelas mulheres dos policiais que "impediram" eles de sair dos quartéis com cirandas e bandeiras. A tática é utilizada para tentar impedir que os policiais sejam acusados de motim por paralisarem. Ainda estamos por ver os próximos capítulos do motim policial no Rio.

Duas políticas, um objetivo comum

Paulo Hartung, governador do Espírito Santo que está em licença médica, criticou publicamente a "fraqueza" de Pezão de ceder antes mesmo de negociar. O governador capixaba afirmou que não pretende ceder e que vai reestruturar a polícia do estado como resposta ao motim policial.

A postura "linha dura" de Hartung condiz mais com o que vem sendo bradado pela mídia patronal, como a Globo, que classifica os policiais paralisados como "chantagistas". Colunistas como Miriam Leitão aplaudem a "firmeza" de Hartung diante dos policiais.

Mas tanto Pezão quanto Hartung tem um objetivo em comum: voltar à situação de "normalidade" com o patrulhamento policial nas ruas.

A "normalização" das atividades policiais ajuda quem?

Aos que desejem comparar o motim policial contra os governos a uma greve de trabalhadores, como se fossem "irmãos na luta", queremos propor uma reflexão sobre o que é a "normalidade" do serviço que desejam Pezão e Hartung.

Ontem no Rio vimos uma expressiva mostra desse serviço: dezenas de trabalhadores feridos gravemente com balas de borracha, e outras ainda mais nocivas de material plástico perfurante. Um jovem estudante secundarista que protestava ao lado dos trabalhadores contra a privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgoto (CEDAE) teve seu abdômen perfurado por uma dessas balas, e passou por cirurgia. Outros tiveram fraturas e machucados de todo tipo. Os que deram "sorte" apenas sufocaram no gás lacrimogêneo disparado indiscriminadamente contra os manifestantes, e - ao contrário dos salários dos policiais - pago em dia pelo governo de Pezão.

Essa "normalidade" dos serviços prestados pela polícia ao governo é fundamental para aprovar os ataques contra os trabalhadores e a juventude que estão sendo votados na ALERJ, e talvez seja justamente por isso que Pezão cedeu tão rapidamente às chantagens dos policiais e quis impedir que o Rio se tornasse um novo Espírito Santo: sem a ajuda dos policiais, seria impossível privatizar a CEDAE e aprovar sua agenda de ataques a salários e direitos.

Outra "normalidade" que os governos precisam é da polícia patrulhando os morros cariocas, os morros e periferias capixabas. A polícia brasileira é das que mais mata em todo o mundo, e esse dado coincide com outro recorde: o Brasil é um dos países com maior desigualdade social do mundo. Onde os ricos são mais ricos, e os pobres são mais pobres. Em um lugar onde o desemprego está por toda a parte, em que não há escola, moradia, educação para todos, a indústria milionária do tráfico de drogas, ou até mesmo um furto ou um assalto, tornam-se não apenas uma alternativa melhor do que a mendicância – mas às vezes são a única alternativa. A violência dispara, e a polícia, mais uma vez, é a responsável por manter a “normalidade”: a normalidade de presídios superlotados, de assassinatos não explicados e não punidos dos “autos de resistência”, a normalidade da sustentação da riqueza dos patrões e da miséria dos trabalhadores, dos negros; tudo isso a custo de muita bala, para a qual os recursos nunca faltam, diferente do que acontece com os remédios nos hospitais públicos. O dinheiro que os governos gastam com os salários dos policiais, ou a ameaça de punição do Espírito Santo, estão ambos a serviço de manter essa “normalidade”.

No Rio, as polícias “de elite” como o BOPE, o Batalhão de Choque e os policiais das UPPs recebem mais do que os policiais comuns, justamente porque seu serviço “diferenciado” precisa se destacar para conter as contradições sociais alimentadas pelo governo. O choque massacra manifestações, o BOPE e as UPPs matam nas favelas; por seus “bons serviços”, recebem mais. Na década de 1990, uma política de estado que foi apelidada “bolsa faroeste” não deixava margem pra dúvida sobre o papel da polícia: cada ocorrência do policial envolvendo alguma morte significava um adicional no seu salário; para cada assassinato, um “bônus”.

Por isso, Hartung, Pezão, a Globo e toda a imprensa patronal estão de mãos dadas procurando alternativas para colocar a polícia de volta em ação sem ameaças de paralisação: seu serviço é essencial para manter o roubo dos políticos corruptos, as negociatas das empresas estrangeiras, a venda de nosso patrimônio como a CEDAE e os salários de fome que são pagos (quando são pagos!) aos trabalhadores. Qualquer “normalização” da atividade da polícia significa mais repressão para nós. Qualquer melhora nas suas condições de serviço significa uma melhora para matar e calar nosso descontentamento.




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