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New York Times deixa nas entrelinhas que ‘houve golpe’ e aconselha programas sociais

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

sexta-feira 2 de setembro de 2016 | Edição do dia

O jornal norteamericano The New York Times (NYT) dedicou um editorial nesta quinta-feira, 1º, para “aconselhar sabiamente” o golpista Michel Temer após o impeachment de Dilma Rousseff. O jornal recomenda que Temer permita que as investigações sobre corrupção continuem e, mesmo com a necessidade de "cortes dolorosos" no País, seja cuidadoso ao repensar os programas sociais criados pelo PT e que levaram Dilma ao poder.

Esta preocupação do Times é generalizada nas finanças internacionais, mas foi o primeiro a vocalizá-la tão claramente. O imperialismo quer ajustes rápidos e mais duros do que o PT vinha fazendo, mas para isso não tem um homem com a legitimidade das urnas e cujo programa teve aprovação de massas. Pelo contrário, tem o estigma do golpe inscrito a fogo na testa, e implementará um programa político que foi derrotado nas eleições de 2014.

Nessa aritmética, o jornal ianque aconselha Temer a, ao mesmo tempo em que ataca mais duramente, mantenha uma espécie de “dilmismo, sem Dilma”, principalmente a remasterização dos programas sociais, e não seu abandono, como anunciou Temer sobre os cinco principais programas petistas dentre os quais o Bolsa Família.

Mas se o processo de impeachment “seguiu todo o protocolo constitucional”, por que a preocupação em manter programas do governo anterior? Não seria natural para a população aceitar um “vice” assumir depois do impeachment presidencial?

Nem o imperialismo conseguiu esconder que foi um golpe.

O NYT destaca que desde que Temer assumiu o cargo, em maio, a economia do Brasil "melhorou modestamente" em meio às expectativas do mercado por reformas, incluindo privatizações, e uma agenda de ajuste fiscal.

"Enquanto o equilíbrio do orçamento vai exigir cortes dolorosos, Temer deve ser judicioso ao reescalonar os programas sociais que deram popularidade ao Partido dos Trabalhadores", afirma o editorial. "Até que os brasileiros possam eleger um novo presidente em 2018, ele poderia honrar o processo democrático do País ao permanecer razoavelmente fiel em direção à plataforma que eles endossaram."

Já o The Wall Street Journal não se satisfez, apesar de defender o golpe institucional com todas as forças, com a declaração oficial de Temer “empresários e investidores de todo o mundo nossa disposição para proporcionar bons negócios, estabilidade política e segurança jurídica”. Diz em nota que "Temer não é neoliberal o suficiente".

O The Economist navega pelas mesmas preocupações do NYT acerca da popularidade do golpista. Mostra que parcela importante da população brasileira renunciou a planos privados de saúde pela austeridade da situação econômica e o alto desemprego, o que torna milhões de habitantes dependentes dos planos públicos que Temer quer cortar. Vai além de prediz que mesmo com os dois principais ataques propostos – congelamento por 20 anos dos gastos públicos, e a reforma do sistema de aposentadoria – o governo brasileiro só chegaria a ter um superávit primário em 2021, e a dívida pública alcançaria mais de 90% do PIB. Com isso, chega a aventar a analogia entre Temer e José Sarney. “O novo presidente tem apoio pouco maior que a destituída Dilma. Sua taxa de aprovação está abaixo de 20%, o PMDB está tão envolvido quanto o PT nos escândalos da Petrobrás. Metade dos brasileiros quer a chance de votar um novo presidente. [...] Esforçando-se em ser o próximo Itamar Franco, ele pode sofrer o destino de José Sarney, um vice-presidente foi inesperadamente promovido em 1985 depois do regime militar. Sarney propôs uma série de planos malfeitos de combate à inflação que apenas tornaram as coisas piores. O resultado da turbulência foi alavancar um político populista em 1989, Fernando Collor”.

Outras redes de imprensa anunciaram visões sobre a deposição.

A rede norte-americana CNN deu grande destaque à notícia em seu site e afirma que a votação desta quarta marcou o culminar de um “processo polêmico que se arrastou por meses”. Também afirma que a decisão é “um grande revés” para Dilma, mas "pode não ser o fim de sua carreira política".

O britânico “Guardian” afirma que Dilma enfrentou por mais de 10 meses esforços por seu impedimento por fornecer previamente fundos a programas sociais e por emitir decretos orçamentários sem a aprovação do Congresso antes de sua reeleição em 2014. “A oposição alegou que isso constituía um ‘crime de responsabilidade’. Rousseff nega e alega que as acusações – que nunca foram feitas a administrações anteriores que fizeram a mesma coisa – foram forjadas pelos adversários que eram incapazes de aceitar a vitória do Partido dos Trabalhadores”.

A revista alemã "Der Spiegel", em vez da queda de Dilma, destaca a ascensão de Michel Temer. "O homem das sombras assume", diz o título da reportagem. O texto conta que Temer, logo após ser efetivado na Presidência, pegará um avião para representar o Brasil na reunião do G20, na China. "Com isso, está decidida uma luta de poder sem precedentes no Brasil, e, dependendo da perspectiva, o país é comandado por um salvador ou por um traidor. A esquerda o xinga de golpista, por ter sido vice de Dilma e ter se voltado contra ela. Para os homens de negócios, que dele esperam que tire o país da crise, ele gera esperança", diz o texto.

Já na Cúpula do G20, para a qual Temer viajou ás pressas a fim de se atirar aos pés das potências pedindo que se lhe comprem o país todo, analistas da própria burguesia veem o decrescente peso político do Brasil nos assuntos mundiais. "Temer será recebido educadamente na cúpula do G-20, mas está claro para todos que ele é um ’pato manco’ [como são chamados nos EUA os presidentes em fim de mandato]. Ele disse que não vai concorrer [às eleições] em 2018, é visto como um zelador com mandato fraco", diz Riordan Roett, especialista em América Latina da Universidade Johns Hopkins. "Há muito para ser construído ou reconstruído após as próximas eleições. Temer pode ser capaz de avançar em mudanças microeconômicas, mas decisões estruturais profundas precisarão de um chefe do Executivo com mandato nacional."

Popularidade para não enfrentar a luta de classes

Os periódicos mundiais tratam de fazer política lançando hipóteses estratégicas ao provável novo governo. Seria Temer capaz de cumprir as funções aos quais está chamado? Como trataria as convulsões sociais mais que previsíveis na aplicação de ataques mais duros que os já implementados pelo PT, tendo o estigma do golpe estampado na testa?

O imperialismo e as altas finanças, sedentos por ataques e pela entrega dos recursos nacionais ao capital estrangeiro numa velocidade e intensidade maiores do que o PT já vinha fazendo, entendem que medidas impopulares não se farão sem forte resistência de massas. A burguesia está sem forças morais para disciplinar a luta de classes. O panorama estratégico para o qual se preparam no Brasil é que será difícil estabilizar a luta de classes com um PT enfraquecido e um bonapartismo débil de direita que não tem legitimidade nas urnas.

Os primeiros dias do golpe já mostram que o governo quer instalar nas ruas, mediante forte repressão policial e a utilização das Forças Armadas, a correlação conquistada no parlamento e no judiciário. Dificilmente conseguirá “pacificar juridicamente” o país quando iniciar os ataques mais estratégicos, como as reformas da previdência e trabalhista. Não por nada os editoriais financeiros acautelam-se dizendo que o impeachment está longe de resolver a crise política brasileira, país acometido pela crise orgânica e surgimento de novas formas de pensar em setores de massas.




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