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Na sociedade em geral, e no próprio movimento LGBT há muita discussão da origem, causa ou construção da sexualidade. Na esquerda, é preciso defender que a homossexualidade é uma questão de decisão e construção, ainda que permeada por diversas variáveis

Adriano FavarinMembro do Conselho Diretor de Base do Sintusp

domingo 28 de junho de 2015 | 04:24

Seja da esquerda ou da direita. Entre o próprio movimento LGBT ou nas rodinhas de conversa entre amigos heterossexuais. Quando o tema da homossexualidade surge, as discussões passam sempre por entremeios como “eu até respeito, mas...” ou “tudo bem ser gay[1], mas precisa dar tanta pinta...”.

Nas rodas mais reacionárias, entre os que defendem o espancamento, isolamento e a distância, sempre aparece os que defendem que a homossexualidade é uma doença ou “trauma de infância”, alguns até chegam a acreditar sinceramente que, com essa posição, estaria desresponsabilizando o indivíduo de sua “condição” e, portanto, defendendo-o como ser humano (hétero, óbviamente!). Já nas rodas mais progressistas sempre surge alguém com a definição de que ‘gay nasce gay’, e a conclusão óbvia de que, por isso, merece respeito e ser tratado como qualquer outra pessoa ‘que não nasceu gay’, estes com certeza acreditam sinceramente nisso e, assim, também desresponsabilizam o indivíduo de sua “condição” e, portanto, acreditam que estão defendendo-o como ser humano.

Essas posições possuem reflexos diferentes na forma como propõe que a sociedade trate indivíduos homossexuais: os reacionários encaram a necessidade da intervenção do Estado para “curar” o indivíduo desta “condição” imposta a ele por “circunstâncias e traumas da vida”, os progressistas encaram a necessidade da intervenção do Estado para garantir aos homossexuais os mesmos direitos e deveres que qualquer cidadão que tenha “nascido” heterossexual. Essas duas posições se aproximam, porém, no que elas possuem de mais atrasado: a concepção de que a sexualidade humana seria algo inato, fruto externo da vontade do indivíduo e das pressões da sociedade, portanto, mesmo a concepção progressista termina sendo inofensiva ao status quo e à ordem social dominante.

Os discursos dominantes, diferenças e semelhanças

Temos, por um lado, uma situação nacional na qual vemos partidos e deputados declaradamente homofóbicos e fundamentalistas dirigirem o Congresso Nacional e adotarem o discurso da doença para propor medidas de lei como a “cura-gay”, a criminalização da heterofobia (sic!) e a obrigação que psicólogos revejam a posição adotada pelo Conselho Federal de Psicologia – em consonância com a Organização Mundial de Saúde – de “não colaborar com eventos e serviços que proponham a cura e o tratamento das homossexualidades”. Por outro lado, vemos a Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, realizar a maior Parada Gay do mundo no dia 07 de junho com o tema “Eu nasci assim, eu cresci assim, vou ser sempre assim: respeitem-me!”.

O discurso de “doença/ trauma”, predominante na direita, encobre a defesa de uma “natureza heterossexual” do ser humano, fazendo da heteronormatividade uma norma divina ou biológica, portanto inquestionável, e não uma construção social. O discurso de “nascimento”, porém, predominante em setores da esquerda moderada e até radical, exatamente com o intuito de se defender do discurso homofóbico da direita, termina reforçando uma “natureza binária” da sexualidade humana (hétero ou homossexual) – ainda normativa –, em estereótipos pré-definidos de maneira divina ou biológica, portanto, inquestionável, e não uma construção/(des)construção social.

A tese do “nascimento” vai apresentando falhas e perdendo credibilidade na medida em que mais pessoas tem assumido uma homossexualidade após passarem anos vivendo uma vida heterossexual. Ou então quando começam a surgir inúmeras formas de expressão de relações homossexuais e afetivas que não se enquadram rigidamente nos estereótipos de homossexualidade pré-determinados (heteroflex, highsexuais, g0ys, etc...)[2]. Infelizmente, a perda de credibilidade da tese do “nascimento”, vai abrindo espaço para o aumento das vozes que defendem a tese da “doença”, que utilizam os auto-denominados “ex-gays” (sic!) (pessoas que decidem assumir uma heterossexualidade após passarem anos vivendo uma vida homossexual) para corroborar suas teses. Sem entrar na reflexão das pressões sociais que movem as decisões individuais, como a própria vida concreta que desestimula a expressão da sexualidade e identidade de gênero não-heteronormativas, os defensores da tese do “nascimento” acusam de enrustidos e falsos os tais “ex-gays”. Já os defensores da tese da “doença” tentam apresentá-los como prova de que a homossexualidade seria uma ‘fase’, ‘doença passageira’ que pode (e deve) ser revertida!

Para combater essa falsa polarização: meu corpo, minhas regras, meu campo de batalha.

Faz falta na esquerda setores que propagandeiem sem medo que ter relações hetero ou homoafetivas é uma questão de decisão. No caso das relações homoafetivas, essa decisão se torna um ato político de enfrentamento com a ideologia social dominante heteronormativa. Obviamente que, tal qual “os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”[3], também o fazem na decisão da construção de sua sexualidade.

E essa construção passa por inúmeras e incontroláveis variáveis que se relacionam e influenciam, como o ambiente familiar mais ou menos opressor, o ambiente social mais ou menos progressista, as experiências infantis mais ou menos conscientes, as emoções traumáticas ou agradáveis e as respostas psicológicas do indivíduo sobre todos esses fatores, sua capacidade de absorver, reagir ou recalcar essas relações.

Todo esse acúmulo de informações e formações transmitidas pelo passado do próprio individuo direcionam a sua sexualidade na fase adulta. Mas o homem faz a sua própria história inclusive no âmbito sexual, e a decisão de seguir tal ou qual direcionamento, e de qual forma, assume então um caráter político.

A intenção desse artigo era abrir a reflexão sobre os problemas que o discurso de “nascimento” possui e como é urgente que ele seja abandonado pelo movimento LGBT e pela esquerda, tanto para poder combater os argumentos e a tese reacionária de “doença”, quanto para podermos superar a adaptação às instituições e ao Estado capitalista na qual o movimento LGBT se encontra após 30 anos de política econômica e ideológica do período neoliberal aplicado às “minorias”.

[1] Por incapacidade do autor em generalizar as especificidades lébicas e trans, o texto será escrito em diálogo com o hétero e homo cis-homem. Embora o autor acredite que a reflexão do artigo possa se aplicar, fazendo as devidas modificações, em diálogo com as demais identidades de gênero e sexualidades.

[2] Highsexual: categoria de homens que se identificam enquanto heterossexuais e possuem cotidianamente relações heterossexuais, mas que, sob efeito de certas drogas – no caso, a maconha –, se colocam abertos a experimentar relações homossexuais; G0ys: categoria de homens que se identificam enquanto heterossexuais, mas que sentem desejos e praticam relações afetivas com outros homens, excetuando penetração anal; Heteroflex: categoria de homens que se identificam enquanto heterossexuais, mas que praticam, esporadicamente, relações sexuais com outros homens, excetuando relações afetivas.

[3] Marx, Karl. Os 18 Brumários. Capítulo 1




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