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OPINIÃO | Não existe (ainda) crise orgânica da hegemonia burguesa no Brasil

terça-feira 15 de março de 2016 | 01:30

No dia 09 de março, os camaradas argentinos Fernando Rosso e Juan Del Masso publicaram nas "páginas" desse diário interessante artigo questionando se no Brasil, com todos os fatos políticos dos últimos dias e semanas, teria se aberto um período de crise orgânica da dominação burguesa. 

O conceito de crise orgânica foi formulado pelo revolucionário italiano Antônio Gramsci em seus célebres Cadernos do Cárcere, principalmente no décimo terceiro caderno intitulado notas sobre Maquiavel. Para entendermos se no Brasil hoje existe ou não uma crise orgânica da hegemonia burguesa temos, portanto, que compreender o que o revolucionário italiano queria expressar com esse conceito.

Utilizaremos para a compreensão desse conceito trecho dos cadernos utilizado pelos próprios camaradas argentinos:
 
“...seja porque a classe dirigente fracassou em alguma grande empresa política para a qual tenha solicitado ou imposto pela força o consenso das grandes massas (como a guerra), ou porque vastas massas (especialmente o campesinato e os intelectuais pequeno burgueses) tenham passado bruscamente da passividade política a uma certa atividade, e levantam reivindicações que em seu conjunto não orgânico constituem uma revolução. Fala-se de ‘crise de autoridade’, e isso é precisamente a crise de hegemonia, ou crise do Estado em seu conjunto”. Gramsci, Cadernos do Cárcere, caderno 13, Notas sobre Maquiavel, 23, grifos meus

Ou seja, o que expressa Gramsci nesse trecho como sendo a crise orgânica? Um momento em que por conta do fracasso de alguma grande ação para a qual a classe dominante tenha buscado consentimento ativo das classes subalternas se produza nessas um estado de atividade política, uma passagem brusca da passividade anterior para uma atividade cada vez mais independente, que leva cada vez mais rapidamente a uma ruptura com as superestruturas e instituições através das quais a classe dominante (aqui a burguesia) tinha até então construído sua hegemonia, o consentimento ativo, sua autoridade, sobre os dominados.

Esse momento político é particularmente perigoso pois, adenda no parágrafo subsequente o italiano, nem todas as classes tem a mesma capacidade de se reorientar nessa situação. As classes dirigentes tradicionais, com maior número de pessoal adestrado, podem se reorientar mais rapidamente que as classes subalternas. Se ainda assim não conseguem recompor sua dominação de forma orgânica, dentro do antigo aparato hegemônico, isso abre a possibilidade para saídas de força representadas por figuras carismáticas que instituam formas de dominação de tipo bonapartista ou cesarista.

Dessa forma, a crise orgânica da hegemonia burguesa representa um momento em que essa classe não pode mais dominar e forjar o consenso ativo à sua dominação a partir do antigo aparato institucional, hegemônico, superestrutural, que tinha construído. Essa crise vem acompanhada, em geral, por um momento de maior atividade de massas, o que abre espaço para saídas revolucionárias por parte das classes subalternas, ou para saídas contra-revolucionárias em caso da derrota das primeiras.

Assim, apesar de não ser claro no pensamento do italiano, penso que o conceito de crise orgânica está ligado ao de situação revolucionária ou pré-revolucionária, ou a de uma situação contra-revolucionária. A crise orgânica da hegemonia burguesa é assim representada concretamente pela crise do regime particular a partir do qual essa classe tinha instituído e legitimado sua dominação no momento anterior. Sua superação pressupõe, portanto, ou uma saída revolucionária ou a construção por parte dos dominantes de um novo aparato hegemônico, de novas instituições, de um novo regime, que substitua o anterior.

É possível, portanto, pensar em uma crise orgânica da hegemonia burguesa sem uma situação revolucionária ou mesmo pré-revolucionária? Sim, é possível que por conta da falta de quadros dirigentes, de uma história recente de acúmulo de derrotas, etc, as classes subalternas se coloquem em atividade de forma caótica, o que faça com que esse momento de maior ebulição e participação política sua seja manipulada à direita e se transforme diretamente numa situação contra-revolucionária.

O que temos que analisar para entendermos se existe ou não uma crise orgânica da hegemonia burguesa hoje no Brasil, portanto, é: as instituições, o regime, as formas super-estruturais através das quais a burguesia construiu sua hegemonia no último período são contestadas de conjunto? Há uma crise da autoridade do Estado e dessas instituições?

Ao se colocar a pergunta de forma clara, penso ser evidente que a resposta só pode ser não. O que não quer dizer que essas instituições e esse regime não tenham hoje grandes fissuras; um dos pilares do regime, inclusive, o PT, esse sim enfrenta no momento grave crise, que pode inclusive significar uma crise terminal para o partido, dependendo de como se desenvolva a operação Lava-Jato, o impeachment de Dilma Rousseff, a prisão ou não de Lula.

Mas da crise de um dos pilares do regime não podemos deduzir de forma mecânica a crise de todo o regime. Algumas de suas instituições e partidos, no imediato, saem fortalecidos, por exemplo. PSDB e judiciário, principalmente, tem se colocado como os representantes do republicanismo e da ética política, e no imediato seu discurso tem tido respaldo popular. O reconhecimento desses fatos, no entanto, não deve apagar que um possível impeachment aceleraria muito os tempos políticos e que essa legitimidade relativa ganha por esse atores pode erodir rapidamente, como um castelo de areia frente a uma forte onda.

O dia depois do impeachment  

As incógnitas para construirmos qualquer cenário estratégico para depois de um possível impeachment são muitas; Michel Temer terá seu mandato cassado também ou será presidente? Serão chamadas novas eleições? No caso de Temer continuar fará o PMDB uma aliança explicita de governo com PSDB? Cunha será cassado? O PT entrará em colapso ou continuará a existir como partido de oposição? Essas são só algumas das principais questões que poderiam ser levantadas frente a muitas outras que poderiam surgir.

No entanto, apesar das incógnitas serem muitas penso que algumas questões seriam mais possíveis de ser delineadas para pensarmos possíveis hipóteses.

Um governo mais claramente de direita (seja através de Temer ou de Aécio, ou qualquer outro eleito em novo pleito) seria pressionado a atacar mais diretamente os trabalhadores e setores pobres da população, com mais profundos e rápidos cortes nos direitos trabalhistas, cortes nos gastos com programas sociais, com saúde, educação, etc. Esse novo governo tenderia a ter muito menor legitimidade do que o governo anterior, posto o trauma social que é num país presidencialista afastar o chefe do executivo. Tenderia a haver uma resistência dos setores antes ligados ao PT (com o colapso ou não desse partido) contra esses ataques; a burocracia sindical petista e os movimentos sociais, apesar de enfraquecidos, não estariam enfraquecidos na mesma proporção que o PT, posto que conseguiram se diferenciar relativamente dos movimentos mais a direita do governo Dilma. Entre as classes médias, num primeiro momento, pelo menos, tenderia a se criar um caldo de cultura mais conservador, ou seja, como síntese de todos esses fatores a tendência seria um maior e mais profundo embate entre as classes com um governo mais frágil e menos legítimo. Aqui sim, com o impeachment se realizando, a tendência a uma crise orgânica da dominação burguesa se coloca como algo de uma probabilidade enorme.

Essa possível crise orgânica desembocaria numa situação revolucionária ou contra-revolucionária? Isso só poderá ser respondido na prática da luta concreta entre as classes e aqui ainda tratamos ainda apenas de hipóteses.


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