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CORONAVÍRUS | Não estamos no mesmo barco: nenhuma unidade com os bilionários

Apesar de sua retórica de "estamos todos no mesmo barco", o governo mostra que claramente só tem em mente os interesses da classe capitalista. O governo acha difícil cultivar a unidade nacional em um país dividido e fragmentado. As potências imperialistas estão lutando para ver quem será o vencedor nesta crise. A pandemia expõe a verdadeira face do capitalismo, mas também o poder da classe trabalhadora.

terça-feira 14 de abril de 2020 | Edição do dia

O governo Trump passou da negação total da pandemia ao alerta de que os Estados Unidos haviam se tornado um de seus epicentros. O governo agora insiste que "estamos todos no mesmo barco". Mas a crise expôs a fragmentação social e política que é o produto de quatro anos do governo Trump, bem como de décadas de neoliberalismo e discurso globalizante. Nesse contexto, a capacidade de alcançar a unidade nacional diante da pandemia parece ser um desafio difícil, tanto para o governo quanto para sua oposição.

Crise global e fraqueza interna: o imperialismo dos EUA em apuros

Na frente externa, o declínio da hegemonia dos EUA se aprofundou, destacando a incapacidade dos Estados Unidos de obter uma resposta internacional coordenada em termos econômicos e sanitários. A política internacional errática de Trump esfriou as relações com a China, seus aliados do Oriente Médio e a União Européia. Empresas e analistas burgueses alertaram sobre a incapacidade da classe dominante em liderar a crise. Entre eles está o ex-secretário de Estado e estrategista Henry Kissinger, que alerta no Wall Street Journal que o mundo está enfrentando uma nova era e que os EUA devem liderar uma resposta internacional e unir um país dividido.

A preocupação com respostas puramente nacionais à crise econômica e de saúde e a necessidade de "salvaguardar a ordem mundial liberal" mostra o medo de um colapso da ordem capitalista, alimentado pela promessa de uma nova Grande Depressão. Por outro lado, como Janan Ganesh aponta no Financial Times, nem a China nem a Europa, que foram os primeiros epicentros da pandemia, foram capazes de liderar uma frente alternativa aos Estados Unidos. O curso do surto e as respostas de seus governos a ele também revelaram as desigualdades sociais e regionais internas nessas regiões. Enquanto isso, a única coisa que as potências imperialistas concordaram é sufocar os países mais pobres da América Latina, África e Oriente Médio com dívidas e sanções. Enquanto todo o planeta é afetado pelo vírus e pela irracionalidade do sistema capitalista, as tensões interestatais mostram a incapacidade de um sistema que priorize os lucros de uma minoria ao invés de bilhões de vidas para encontrar uma saída para a crise atual.

A hegemonia externa é tão necessária para a unidade nacional interna quanto o contrário. Se há algo que impulsionou as grandes empresas nacionais nas últimas décadas, é, como Perry Anderson explica em American Foreign Policy and Its Thinkers, a capacidade de fazer ambos os fatores coincidirem sob a ideia de uma ameaça externa, identificando os interesses da burguesia expansionista com os da nação e disciplinando os atritos externos com os setores burgueses mais isolacionistas, focados no mercado interno. Não é por acaso que a mídia e os oficiais se referem à unidade nacional alcançada com a Segunda Guerra ou após o 11 de setembro. O mantra de que "estamos todos no mesmo barco" é mais um desejo do que uma realidade, diante das divisões na classe dominante e da evidência das desigualdades regionais, sociais e raciais com o impacto da crise.

Nesse sentido, Trump enfrenta uma crise aberta na frente da saúde e o colapso da narrativa oficial que ele construiu em torno do crescimento da economia, que destacou a redução do desemprego e vitórias táticas na arena internacional, incluindo o início de um acordo com a China para acabar com a guerra comercial.

Agora tudo isso se acabou. Wall Street criticou o fato de muitas declarações do governo terem descartado o vírus a princípio, levando a uma desaceleração nos mercados (mesmo que especuladores e banqueiros tenham sido os primeiros a se beneficiar dos resgates, assim como as companhias de petróleo). Fracas tentativas de intervenção estatal, como a Defense Protection Act, pressionam grandes indústrias, como as indústrias automobilística e farmacêutica. Embora Trump tenha invocado essa medida, ele a colocou parcialmente em prática apenas para a produção ocasional de respiradores, testes e medicamentos. De maneira alguma isso resultou em um nível suficiente de centralização para enfrentar a expansão da COVID-19.

Em vez disso, o governo deve arbitrar entre esses setores industriais (os mais favorecidos durante a presidência de Trump por isenções fiscais e isenção de impostos) e aqueles que foram a base de sua vitória eleitoral - agricultores envolvidos no comércio interno, empresas manufatureiras, pequenas indústrias e também entre trabalhadores de colarinho azul que foram economicamente atingidos pela deterioração das áreas industriais. Os agricultores já começaram a mostrar sinais de descontentamento e pressão contra o governo. Na Califórnia, eles estão ameaçando demitir trabalhadores rurais. Outros agricultores jogaram leite e ovos em seus campos no Arizona, Wisconsin, Utah e Idaho, dizendo que não podem vendê-lo. Eles estão punindo trabalhadores e desperdiçando recursos, enquanto milhões de pessoas caem na pobreza e no desemprego como resultado da crise.

Trump, Cuomo e os governadores

Democratas e republicanos chegaram a acordos como o resgate de US$2 trilhões, que foi aprovado com o apoio de todo o espectro político, incluindo Bernie Sanders. O núcleo deste acordo é o resgate de grandes empresas e bancos, mas também inclui dinheiro para pequenas empresas e um único cheque de US$ 1.200 para maiores de 18 anos (excluindo uma grande quantidade de pessoas, como imigrantes sem documentos). Apesar desses acordos, as divisões entre a classe dominante estão se aprofundando.

A crise da saúde, em combinação com as desigualdades regionais e raciais, bem como o impacto da crise econômica na atividade produtiva e no emprego, agrava as tensões na superestrutura do país. Essas tensões envolvem tanto recursos quanto o gerenciamento da pandemia e a saída da crise em uma posição forte. Dentro dessa estrutura, Trump tomou uma série de medidas bonapartistas no campo institucional, como a remoção de Glenn Fine, diretor do Comitê de Responsabilidade por Respostas Pandêmicas, que anteriormente era encarregado de controlar o uso não discricionário de fundos de emergência. Ele também exigiu que a Organização Mundial da Saúde (OMS) investigasse a China e a responsabilizasse pela pandemia.

As medidas de Trump contradizem a narrativa que seu governo está tentando forçar, a saber, que o governo tem sido um bom timoneiro diante da pandemia. Mesmo com a hesitação de Trump em reconhecer a crise de saúde pública, as concessões que ele fez aos trabalhadores e pequenas empresas e a incapacidade do Partido Democrata de apresentar um forte candidato, Trump ainda mantém uma ampla base de apoio. No entanto, as eleições ainda estão muito longe, enquanto o país passa pelo auge da pandemia. A reeleição de Trump não é garantida, nem o consenso em torno do slogan "Estamos todos no mesmo barco". A unidade que Trump está reivindicando visa garantir os lucros dos bilionários e manter as desigualdades estruturais que estão levando a doenças e morte para milhões de trabalhadores e pobres, especialmente os mais vulneráveis, como negros e latinos.

Como alternativa à resposta em zigue-zague do governo federal, o governador de Nova York, Andrew Cuomo, emergiu como um forte líder. O democrata ganhou popularidade ao desafiar a falta de vontade de Trump em fornecer aos Estados recursos suficientes para combater o surto. Além disso, embora hoje o Estado de Nova York e, principalmente, a cidade de Nova York sejam o epicentro do coronavírus, Cuomo estabeleceu uma meta de retornar à atividade no início de maio. Cuomo está se posicionando como um líder capaz de gerenciar a crise e, assim, conter a raiva e o possível aprofundamento dos protestos que já estão sendo vistos entre os profissionais de saúde, trabalhadores de supermercados e de outros setores essenciais. Resta ver se esse capital político pode atuar a favor de Joe Biden, que esteve ausente em grande parte durante a pandemia. Hoje Cuomo tem uma imagem melhor que Biden, mas ele disse que não tem intenção de deixar o governo; além disso, para ser o candidato, ele teria que superar o obstáculo de ser indicado na CND sem ter participado das primárias. Algumas mídias são tão fanáticas por Cuomo que até o chamam de "presidente de fato". Tanto o governador de Nova York quanto Biden querem usar o discurso de unidade nacional para a vantagem do establishment democrata, mas não têm a intenção de tomar medidas mínimas e indispensáveis como intervir no sistema de saúde privado, proibir demissões ou fornecer proteção mínima para aqueles nas linhas de frente.

Para além de Sanders: a unidade dos trabalhadores de que precisamos

Bernie Sanders se juntou a este coro de unidade junto com o establishment que ele estava tão determinado a combater. O establishment conseguiu jogar sujo o suficiente para demolir a pré-candidatura do senador e agora ele desistiu da corrida para apoiar Biden, um amigo das empresas farmacêuticas. Sanders fez isso sem que sua proposta central do Medicare for All fosse aceita pelo partido como um todo. Sanders e seus partidários à esquerda falam sobre terem vencido a batalha ideológica, mas, embora milhões apoiem demandas como o Medicare for All, a estratégia de Sanders foi um fracasso. No final, sua estratégia de dentro para fora - mudar o Partido Democrata com a pressão popular nas ruas - acabou por não resultar nem dentro nem fora. Sanders também não está na corrida presidencial, nem o establishment aceitou suas ideias; Sanders não mobilizou e organizou a força de milhares de trabalhadores, estudantes, sindicatos e movimentos sociais que o apoiam para obter assistência médica gratuita em um momento em que literalmente é uma questão de vida ou morte para milhões de pessoas. Em vez disso, ele renovou o decadente Partido Democrata, fortalecendo a ideia de que nenhuma alternativa é possível fora dos partidos capitalistas.

Apesar da liderança de Sanders, o movimento em torno de suas ideias, formado por muitos jovens estudantes, professores, enfermeiros e ativistas sociais que se definem como socialistas, não necessariamente segue ordens. É encorajador que jovens socialistas do DSA tenham se manifestado contra o apoio a Joe Biden, e também é encorajador que as lutas tenham começado por profissionais de saúde, funcionários da Amazon, Whole Foods e Instacart [1]. Os trabalhadores da General Electric exigiram que convertessem a produção em suas fábricas para produzir respiradores. Não é apenas a hora de organizar solidariedade e resposta à pandemia, mas também de tirar uma conclusão política necessária: precisamos de nosso próprio partido, um partido da classe trabalhadora. Se essa pandemia provou alguma coisa, é que são os trabalhadores que sustentam a luta contra a pandemia - que estão cuidando, alimentando, produzindo e arriscando suas vidas.

O desemprego, o racismo, os preconceitos nacionalistas, a atomização dos sindicatos e o machismo ameaçam a unidade dos trabalhadores. A unidade de que precisamos não é a dos trabalhadores e estudantes por trás da burguesia e dos funcionários capitalistas, mas a unidade mais ampla e poderosa possível entre todos os trabalhadores. Para isso, também será necessário lutar para que os sindicatos sejam transformados em verdadeiras alavancas da organização independente da classe trabalhadora. Devemos almejar, não apenas sobreviver à pandemia, mas também criar nossa própria saída política, organizando a resposta a essa crise e reconfigurando a sociedade para a grande maioria.

[1] Whole Foods é uma rede de supermercados voltados para produtos naturais e orgânicos, e Instacart uma rede de entregas de produtos de mercado.




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