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MULHERES NEGRAS 2016 | Mulher negra: Precisamos falar sobre o direito à maternidade e à decidir sobre nossos corpos

Cristina SantosRecife | @crisantosss

terça-feira 26 de julho de 2016 | Edição do dia

Segundo a revista “Questões de Saúde Reprodutiva” (2015) as leis em vigor em relação ao aborto em diversos países foram concebidas durante o período colonial como herança de leis europeias do século XIX e na América Latina foram utilizadas como modelo para os códigos penais na primeira metade do século XX. Estas leis partiam do pressuposto que com a proibição, a prática do aborto seria coibida. No entanto, os dados comparativos referente a experiência em países onde o aborto é legalizado e nos países onde o aborto é ilegal mostram que este pressuposto é falso. Ainda segundo a revista “nos países onde o aborto é legalmente restrito, as mulheres abortam com mais frequência do que aquelas vivendo sob leis mais liberais. Sendo assim, ao que tudo indica as taxas de aborto estão relacionadas ao acesso e uso de métodos contraceptivos efetivos e não à restrição legislativa”.

No Brasil, podemos dizer que o principal ator em prol de manter o aborto na ilegalidade são os parlamentares ligados a bancada evangélica e a igreja católica, e portanto, a discussão não é feita de maneira séria mas cruzadas por dogmatismos e crenças religiosas.

Um estudo realizado em 2010 (Advocacy para o acesso ao aborto legal e seguro), cruzando os dados de mulheres que passaram por abortamentos e suas crenças religiosas, demonstrou que a crença destas mulheres refletia a composição do país, ou seja: maioria católicas, seguidas de protestantes e evangélicas e finalmente por mulheres de outras religiões ou sem religião. Isso coloca que é uma hipocrisia sem tamanho o Estado seguir aceitando a intervenção das distintas igrejas no direito elemental das mulheres em decidir e que o Movimento de Mulheres precisa levantar com todas as forças, junto com a bandeira pelo direito ao Aborto legal, seguro e gratuito, a necessidade imediata da separação da igreja e do Estado.

Precisamos deixar bem claro que o aborto não é uma questão religiosa e sim um problema de saúde pública. As consequências da ilegalidade variam, produzindo maiores riscos as mulheres negras, pobres, jovens, com baixa escolaridade e sem acesso aos serviços de saúde de qualidade. Na Bahia, os indicadores de mortalidade decorrentes de complicações gestacionais confirmam o caráter perverso da criminalização do aborto para as mulheres pobres e negras. Em Salvador, município com 82% da população feminina negra, o abortamento inseguro foi a principal causa de mortalidade decorrente de complicações gestacionais durante toda a década de 1990, diferentemente das demais capitais brasileiras, cuja primeira causa eram as hipertensões.

No que diz respeito aos direitos sexuais e reprodutivos de nós mulheres negras vemos que além das especificidades da reivindicação do direito ao aborto gratuito, legal e seguro, também encontramos as travas do Estado quando decidimos pela maternidade, já que isso implica no direito de não ser submetida às políticas públicas de controle de natalidade de viés eugenista, e no direito às condições básicas para garantir a mesma, como o acesso à educação de qualidade, creches nos locais de trabalho, saúde, pleno emprego, moradia etc. Estes são direitos negados a população pobre de conjunto, a qual é em sua maioria negra e que impacta diretamente no direito da mulher negra de ser mãe.

Práticas como a esterilização forçada foi amplamente utilizada no Brasil com o intuito de diminuir o contingente de negros e pobres. Segundo dados da Population Council, no ano de 1990, 69% das mulheres brasileiras utilizavam algum método contraceptivo e dentro deste total, 43,9% já estavam esterilizadas, se separarmos por região, os dados mostram que no Nordeste, região com grande contingente de população negra, em 1991 a esterilização já havia sido feita em 62,9% das mulheres que utilizavam algum método contraceptivo. Com estes dados alarmantes, no início da década de 90, organizações de mulheres negras de todo o país lançaram a campanha nacional contra a esterilização em massa, com o slogan “Esterilização de Mulheres Negras: Do Controle da Natalidade ao Genocídio do Povo Negro”, sob a liderança do Programa de Mulheres do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas do Rio de Janeiro, que denunciava o racismo das iniciativas de controle populacional e planejamento familiar. (Werneck, 2010).

Essa triste face do racismo escancarado do Estado brasileiro nos coloca que as demandas das mulheres negras precisam ser levantadas pelo conjunto da classe trabalhadora e do povo pobre. Precisamos lutar para acabar com esse sistema que oprime nossos corpos e mentes e assassina nossos filhos. Devemos lutar pelo direito elemental de decidir sobre nossos corpos, se ter ou não ter filhos e quando ter, pelo direito a trabalhar e estudar e as condições plenas para isso como por exemplo creches nas fábricas, escolas, universidades e escritórios, salário digno e acesso à educação e saúde de qualidade. Precisamos arrancar estas demandas através da luta contra o governo que administra os negócios do capitalismo, no caminho de construir um governo dos trabalhadores, onde possamos ser socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres.

Fontes:

WERNECK, Jurema. Ou belo ou o puro? Racismo, eugenia e novas (bio) tecnologias.UNFPA, 2010.

SOARES, Gilberta S.; GALLI, Maria Beatriz; VIANA, Ana Paula de A. L. Advocacy para o acesso ao aborto legal e seguro: semelhanças no impacto da ilegalidade na saúde das mulheres e nos serviços de saúde em Pernambuco, Bahia, Paraíba, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro.Recife: Grupo Curumim, 2010.

GOES, Emanuelle; MOORE, Hanna; FIGUEIREDO, Juliana. Mulheres negras, racismo e a (não) garantia dos direitos reprodutivos. Universidade Federal Rural de Pernambuco. 2014

Revista "Questões de Saúde Reprodutiva" - Grupo Curumin - http://www.grupocurumim.org.br/site/revista/qsr8.pdf




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