×

MONARQUISTAS | Monarquia brasileira: A defesa de uma farsa

Allan CostaMilitante do Grupo de Negros Quilombo Vermelho - Luta negra anticapitalista

quarta-feira 27 de abril de 2016 | Edição do dia

O cenário político brasileiro anda tão intenso e conturbado que tem permitido o aparecimento de todo tipo de esquisitice. Na última segunda-feira (25) a Folha de S. Paulo publicou uma matéria intitulada "Família imperial quer usar clima de divisão para restaurar a monarquia", onde trazia algumas declarações sobre Dom Bertrand de Orleáns e Bragança, um dos herdeiros da família real brasileira e trineto de Dom Pedro II. Figura constante nos últimos atos pelo impeachment, o herdeiro real é acompanhado por alguns convictos seguidores defensores do monarquismo. No Facebook, uma das páginas que defendem monarquismo brasileiro chega a ter mais de 4 mil membros que tem como interesses em comum, segundo o próprio Facebook, páginas como Revoltados Online e Jair Bolsonaro (apesar de se dizerem suprapartidários). Denunciam o comunismo do PT (!!!) e chegam a comparar imagens da Imperatriz D. Leopoldina com Dilma Rouseff, mostrando a beleza da imperatriz como argumento de superioridade da monarquia.

Para D. Bertrand "O Brasil está com saudade de um regime que faça à nação o que uma nação deve ser: uma grande família com destino comum a realizar." e diante da lama na política brasileira, completa: "Os brasileiros começam a se perguntar: ’Valeu a pena a República?". Para quem achava que as aspirações monarquistas haviam sido sepultadas naquele plebiscito de 1993, eis que surge esse verdadeiro zumbi político para devorar alguns cérebros desavisados sobre a história do Brasil.

O ideário ritual da monarquia

Entender o porque desse fenômeno de se reviver um anseio monarquista em pleno século XXI não é tão simples. As histórias de reis e rainhas, príncipes e princesas morando num palácio e rodeados de pomposos nobres e respeitosos criados povoam o imaginário ocidental. Apesar da revolução francesa cumprir o papel histórico de rompimento clássico ocidental com o antigo regime monarquista e inspirar levantes semelhantes pelo mundo do século XVIII e XIX, não é raro, mesmo em nosso atual 2016, que as colunas de jornais e sites dediquem algumas páginas ou minutos nos telejornais para comentar um ou outro assunto ligado às monarquias que ainda existem, como o casamento da princesa Diana com o príncipe Charles, na Inglaterra em 1981 (maior audiência numa transmissão de TV da história até então), ou todo tipo de futilidade que envolva mais uma gravidez de Kate Middleton, seu vestido ou anel de casamento, ou o recente aniversário da aparentemente inacabável Rainha Elizabeth II. Citando a historiadora Lilia Moritz Schwarcz em sua obra "De olho em D. Pedro II e seu reino tropical": "(...) se qualquer sistema político carrega consigo uma dimensão ritual e simbólica, é talvez,na monarquia que se concentram os mecanismos de efetivação desse gênero de poder".

A ideia de uma família real brasileira, que misture sua história e princípios com as origens da própria nação de modo a torná-la a herdeira do poder no pais é tão absurda quando colocada à luz da história quanto imaginar que algum hipotético descendente de Rômulo Augusto (último imperador romano em 476 d.C.) reivindicasse hoje os direitos de imperador sobre todos os territórios do império romano.
Dom Bertrand evoca a memória de uma família real bastante conveniente para sí própria, deixa de lado mais de um século de estudos sobre o período para se ater apenas às suas memórias e faz isso evocando-as como se fossem, elas sim, o retrato fiel de uma bonita história. Mais uma vez recorrendo à Lilia Moritz Schwarcz no mesmo livro já citado:"Estamos diante portanto, de uma seleção histórica de uma memória feita de lembranças, mas também de muito esquecimento.".

Existiu um Brasil próspero e feliz unido por uma família real?

Revolta dos malês, Bahia 1835

Certamente não! A história do primeiro e segundo reinado esteve repleta de movimentos de revolta que, podemos dizer, foram desde atritos entre interesses da elite, até insurreições de escravos e das camadas mais pobres do país. A monarquia Brasileira, que na verdade era uma continuidade direta da linhagem real portuguesa de D. João VI, quando passou de colônia à país independente em 1822, não o fez por um rompimento histórico, mas por uma continuidade nada sutil. A independência vem junto com um país fragmentado entre elites rurais que queriam manter-se unidas a Portugal por seus interesses econômicos e se recusavam a ter que reconhecer a corte do RJ, buscando restaurar o colonialismo. As aristocracias rurais continuaram a influenciar diretamente o poder da monarquia. A união do povo, proposta pela monarquia, na verdade, era a tentativa de conciliação entre dois setores diferentes das elites, a rural conservadora e a liberal, enquanto a monarquia se mantinha como poder moderador, e a imensa maioria da população brasileira não tinha nenhum direito à escolher seus representantes.

A ideia de "um Brasil unido como uma família" ainda que fosse ideologicamente buscada pela monarquia para se legitimar, nunca se concretizou, entre as revoltas de norte a sul que eram constantes podemos citar a Confederação do Equador em 1824 em Pernambuco e a Guerra Cisplatina (1825-28), que culminou com a independência e formação do Uruguai. Outras revoltas foram claramente fruto da desigualdade social e a exploração do povo que era base de um sistema monárquico que lidava diretamente com um capitalismo nascente internacional. Com a abdicação de D. Pedro I ao trono (1831), sucedeu-se o chamado Período Regencial, entre o primeiro e o segundo reinado, que ficou conhecido por suas "rebeliões regenciais", muitas motivadas e alimentadas por aristocracias locais que se sentiam contrariadas pela monarquia, outras se deram pela insatisfação da população pobre e explorada frente à uma aristocracia que governava em interesse próprio e usava o povo como "massa de manobra", como ocorrido na Balaiada no Maranhão (1838). Um exemplo cabal desse momento é a Revolta dos Malês na Bahia em 1835, que foi antecipada por inúmeras insurreições de escravos nos anos anteriores. Negros que se revoltaram contra a escravidão e foram brutalmente reprimidos pela Guarda Nacional que prendeu, deportou, executou e afogou muitos dos insurretos. Outra importante insurreição se deu no Pará em 1835, conhecida como Cabanagem, quando a população tentou colocar no poder local um escolhido por eles mesmos e foram reprimidos fortemente pelo Governo Central, resultando em mais de 40 mil mortos! A essas insurreições regenciais ainda podemos acrescentar a Sabinada (Bahia - 1837) e o famoso levante Farroupilha (1835-1845).

O trisavô de Dom. Brertand, Dom Pedro II, subiu ao poder num momento onde o colonialismo deixava de ser como nos moldes dos séculos anteriores para ser um colonialismo econômico, onde os países agora independentes politicamente se mantinham ligados e totalmente dependentes economicamente aos países capitalistas industriais, principalmente a Inglaterra. Em 1848 a Revolução Praiera, com um conteúdo bastante progressista para a época e inspirada em ideais socialistas, foi levada à cabo por setores da população que eram contra a oligarquia agrária escravocrata. Foi duramente reprimida pelas tropas de D. Pedro II, seus líderes foram presos e adoeceram nos porões dos navios-prisões.

No final do séc. XIX a ideia de uma monarquia brasileira já não fazia nenhum sentido no contexto global, desde os eu descobrimento, olhando em perspectiva, o Brasil desempenhou um papel fundamental na formação do capitalismo mundial e deixou marcas no que somos até hoje. A unidade do estado nacional monárquico, que empalmava os interesses econômicos de uma minoria, foi parcamente conquistada à custo do sangue de muitas insurreições. Negar a história de conflitos do período da monarquia é negar o papel fundamental que a luta de classes teve nesse período. A exploração do trabalho escravo de milhões de negros, que engendrou o racismo como conhecemos na atualidade, havia sido um elo fundamental para a acumulação de capitais na europa, permitindo o desenvolvimento do capitalismo. A escravidão estava tão ligada à lógica de sustentação da monarquia que o Brasil foi um dos últimos países do mundo a abolir a escravidão em 1888, o que significou para a monarquia o fim do seu próprio reinado pouco mais de um ano depois. Uma república atenderia muito mais os interesses das elites liberais em consonância com o resto do mundo. A partir de então, coube aos republicanos que depuseram D.Pedro II a missão de construir um novo ideário nacional, novos heróis, novas tradições inventadas.

Voltando para os dias de hoje, o momento atual de instabilidade política no Brasil e a crise de representatividade das pessoas com os partidos políticos que marca o período desde junho de 2013, faz com que uma poderosa arma política seja utilizada: a História. Não que muitas pessoas levem à sério o apelo de retorno da realeza, mas por outro lado não é atoa aparecerem junto dos saudosos da ditadura militar brasileira dizendo: "no tempo da ditadura é que era bom...". Quando os porta vozes dessas sandices falam para um grande público que tem pouca significação de seu passado histórico através de ações midiáticas, temos fenômenos bizarros e odiosos como Bolsonaro. A insatisfação das massas, se não tem uma orientação clara de para onde seguir, pode ser cooptada pelos mais diferentes oportunistas, No caso da esquerda brasileira, diante dessa crise, fica clara necessidade urgente da construção de um partido independente da classe trabalhadora que possa levar à diante as demandas históricas dos trabalhadores contra todo tipo de retrocesso.




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias