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DESEMPREGO | Metade dos negros de Niterói e São Gonçalo estão desempregados

segunda-feira 23 de julho de 2018 | Edição do dia

Segundo pesquisa realizada por uma organização não governamental - BEM TV - em parceria com a UFRJ, um terço dos jovens de Niterói (32,7%) e São Gonçalo (34,7%) está desempregado e quase metade (46%) dos homens jovens autodeclarados pretos busca colocação profissional. Além disso, os negros (pretos e pardos) começam a trabalhar mais cedo e têm menor escolaridade.

O estudo visa entender a incidência do racismo sobre a empregabilidade da juventude nos dois municípios; apontou ainda que os homens apresentam maior taxa de ocupação no mercado do que as mulheres (35,6% contra 31%, em Niterói; e 34,8% contra 30,6%, em São Gonçalo), representando a maior parte dos jovens empregados no setor público e na iniciativa privada. Outro resultado foi a aferição de que o racismo é maior em Niterói, enquanto a discriminação de gênero ocorre mais na cidade vizinha. Foram entrevistados mil jovens em cada município, com idades entre 15 e 29 anos, entre maio de 2017 e maio deste ano. A margem de erro da pesquisa é de três pontos percentuais para mais ou para menos, com taxa de confiança de 95%.

Para entender o perfil dos entrevistados e os desafios que têm de enfrentar na busca por emprego, o questionário aplicado foi dividido em três partes: dados socioeconômicos, de inserção do jovem no mercado e da percepção do jovem sobre o racismo. Uma forma de aferição que revelou sobre como a sociedade enxerga a segregação racial.

Em entrevista a Fábio Guimarães, de O Globo, Rubens de Oliveira, 23 anos, que já trabalhou em telemarketing e como técnico químico e estuda estatística, ajudou na articulação da pesquisa e diz não ter se surpreendido com os dados.
"Outros estudos no Brasil e no mundo abordam a questão do racismo e da condição dos negros, por isso não me surpreendi com a disparidade. O Brasil é um dos países mais racistas do mundo e um lugar em que sempre houve a negação da problemática. A maioria das pessoas se preocupa em não parecer racista, mas estereotipa o negro. A verdade é que boa parte das pessoas que entrevistam candidatos para vagas de emprego nunca parou para pensar no racismo de verdade."

RACISMO INSTITUCIONAL

Oliveira chamou a atenção também à dificuldade dos indivíduos de reconhecerem a discriminação dentro do racismo institucional. A maioria das pessoas ouvidas respondeu que acredita que exista o racismo, mas não se reconhece no papel de agressor ou de vítima dele. Essa questão está atrelada ao mito da democracia racial. "Naturaliza-se que nas favelas a maioria das pessoas seja negra e nos bairros nobres da cidade, brancas" — argumenta Oliveira.

Márcia Correa e Castro, coordenadora da pesquisa, contou que a ideia de concorrer ao edital aberto pela União Europeia, que financiou o estudo, com a proposta de produzir dados que comprovassem a disparidade de oportunidades, veio depois da percepção do quão real é a discriminação.

"A Bem TV faz o encaminhamento de jovens para o mercado e tem um cadastro com mais de 1.600 pessoas. Em 2016, encaminhamos 941 candidatos e 142 acabaram empregados. Destes 142, 56% eram negros e 44%, brancos. Num primeiro momento você pode até olhar os números e dizer “empregamos mais negros”, mas o contexto não permite a comemoração. Isso porque dos 941 encaminhados, 713 eram negros. Percebemos que a empregabilidade dos brancos era muito maior — diz Márcia.

Ela relatou ainda um caso emblemático em que um candidato branco e outro negro foram concorrer a uma vaga. Embora o negro fosse muito mais bem preparado, quem acabou empregado foi o seu concorrente.

— Quando os encaminhamos, tínhamos noção de que um era muito melhor do que o outro. O candidato negro tinha experiência, sabia editar em vários softwares de vídeo, era articulado. O outro não tinha o mesmo nível de conhecimento e vivência. A única conclusão possível é que houve racismo — avalia a pesquisadora.

Para ela a preferência por candidatos brancos nunca é declarada abertamente pelos recrutadores, ficando sempre nas entre linhas, no entanto,
Gabriele Silva de Andrade, de 16 anos, assim como a maioria dos jovens negros viveu a discriminação no mercado de trabalho de forma nada sutil. Postulante a uma vaga de jovem aprendiz em um banco, ao entregar seu currículo à recrutadora já teve sua candidatura refutada de cara:

— Foi uma das piores experiências que eu tive na vida. A moça me olhou e disse, sem sequer olhar o meu currículo, que eu não tinha o perfil para atender o público. Falei que já tinha experiência como atendente, e ela respondeu que até poderia receber o meu currículo, mas que eu não seria chamada para a entrevista. Eu nem soube o que falar.

Edvan Miranda Santana, de 27 anos, é circense e eletrotécnico e percebe uma expulsão silenciosa dos negros de Niterói.

— Niterói é uma cidade embranquecida e que expulsa os negros pelo alto custo de vida. Já trabalhei em estaleiro, e é nítida a diferença de cargos entre brancos e negros. O negro é soldador, ocupa um cargo técnico, mas nunca é o gerente, mesmo quando tem a mesma formação do que um branco. Existe a ilusão de que o mercado funciona a partir do seu “gabarito”, mas ele funciona à base do networking. Quando que o negro tem a oportunidade de transitar nos mesmos lugares e com as mesmas pessoas que os brancos? — pergunta.

Para ele, o empresariado não se preocupa em promover a equidade de oportunidades.

— Quando botam o negro na publicidade é para se aproximar do público, mas fica só nisso.

Desempregado há dois anos, Wellington Barreto Bazílio, de 24, atualmente estuda para ingressar no curso de Design da UFF. Depois que foi dispensado de uma obra em que fazia instalação de esquadrias, passou a ter uma árdua rotina.

— Entreguei muito currículo, mas nada surgiu. Cansa sair cedo de casa, andar o dia todo no sol, bem vestido, e voltar sem resultados. As opções de trabalho para pessoas negras no mercado são limitadas — afirma.

A estudante alagoana Thays Ribeiro, de 25 anos, conta que uma recrutadora perguntou o motivo de ela não prender o cabelo, deixando-a sem reação.

— Já fui auxiliar de farmácia, vendedora, caixa, frentista e garçonete. Aqui no Rio já deixei vários currículos, mas não consigo emprego. A experiência em carteira não conta. Teve uma rua de Icaraí em que eu e um amigo fomos entregar currículo e não tivemos coragem de entrar porque todos os funcionários eram brancos. Nessa rua inteira, só tinha uma loja com funcionários pretos — relata.

Mesmo assim a Associação de Recursos Humanos nega racismo nas grandes empresas.
O presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos do Estado do Rio (ABRH-RJ), Paulo Sardinha, diz que garantir a igualdade de oportunidades é um dos grandes desafios do setor. Por isso, grandes indústrias e empresas adotam práticas avançadas de recursos humanos no recrutamento e seleção de pessoas de forma a promover a diversidade.

— As multinacionais costumam ter práticas avançadas para garantir a inclusão das minorias. Mas São Gonçalo e Niterói não têm grandes indústrias, não têm empresas tão bem estruturadas. Nessas áreas, os setores que empregam são o comércio e o de serviços, para o atendimento ao público. O baixo número de pessoas negras contratadas revela o racismo velado nas vagas para lidar com o público. Isso é um fato — argumenta.
O que ele não diz é que na verdade a maior parcela dos negros está nos cargos mais precários:
http://www.esquerdadiario.com.br/Negros-ganham-menos-55-5-que-brancos-reforma-trabalhista-deve-acentuar-o-racismo

Para garantir o ingresso de pessoas negras e também de mulheres e deficientes no mercado é fundamental que as empresas tenham a política clara de não discriminação.

— É importante que existam normas ou códigos escritos e trabalhados dentro das empresas que vetem o preconceito. Além disso, pode-se incentivar a preferência na contratação de empregados que pertençam a reconhecidas minorias, independentemente de cotas impostas por legislação — diz Sardinha, que reitera. — O racismo nunca é declarado.

Mas novamente ele ignora e não fala em igualdade salarial propositadamente, não se trata apenas de abrir mais vagas quando ainda assim vá descriminação salarial:
http://www.esquerdadiario.com.br/Segundo-pesquisa-renda-de-brancos-e-negros-so-seria-equiparada-no-Brasil-em-2089
http://www.esquerdadiario.com.br/Opressao-a-servico-da-superexploracao-mulheres-negras-ganham-40-menos-que-homens-brancos

A ABRH-RJ promovera nos dias 3 e 4 de outubro o Fórum da Diversidade, na sede da Firjan, no Centro do Rio, para discutir com profissionais o combate ao racismo e outras formas de discriminação:

— O índice de escolaridade é, infelizmente, uma barreira anterior ao recrutamento, e o da população negra é inferior ao da branca. Mas quando se tem oferta maior de negros, nada justifica que a empregabilidade de brancos seja muito mais elevada que o de negros. É uma relação direta quantitativa.

Essa observação é importante segundo o IBGE 47% dos jovens negros entre 18 e 24 anos ainda está no ensino médio.

O racismo não está velado no nosso país, está declarado, porém a burguesia com o mito da democracia racial tenta suavizar ou relativizar este fato.
Por isso, nos cabe não somente escancara-lo, mas acima de tudo combate-lo e, para isso, é necessário que nos organizemos e avancemos na luta pela igualdade salarial, igualdade de condições de trabalho e educação, pois são os capitalistas que impõe essa desigualdade para manter seus lucros.




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