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DEBATES NA ESQUERDA | MAIS: Piruetas teóricas para justificar o apoio às Diretas Já do PT

Debate com as recentes tentativas do companheiro Valério Arcary de tentar dar um verniz marxista para a adaptação política do MAIS à campanha petista por “Diretas Já”.

Edison UrbanoSão Paulo

quarta-feira 14 de junho de 2017 | Edição do dia

Manobrando com a realidade para justificar uma adaptação política?

Para tentar dar uma cobertura política mais radical para “sua” defesa das Diretas Já, o companheiro Valério precisa ocultar parte importante da realidade. Diz ele num de seus últimos artigos : Não, obstante, em nossa opinião, mesmo aqueles que pensam que já estamos em uma situação pré-revolucionária, deveriam valorizar mais a terceira. Ou seja, a unanimidade na classe dominante em defesa de uma eleição indireta, agora dissimulada como constitucional, ou a ausência de qualquer fração burguesa que defenda a antecipação de eleições.

Que tenha que fazer essa manobra mostra a fragilidade de sua posição. Ou não é errado dizer que nenhuma fração burguesa defende a antecipação das eleições, quando nada menos que a Folha de S.Paulo, partidos como o PSB, e a Rede, entre outros, o defendem abertamente?

A ideia de que as Diretas Já constituiriam a melhor via para o "enfrentamento direto" com o principal projeto da burguesia está baseada nessa inverdade, e conduz a outro problema: para os setores do regime que defendem as Diretas (incluindo os setores petistas), elas seriam apenas uma forma melhor de garantir as reformas, agora com a chancela das urnas.

Mas indo além, inclusive, da enumeração dos setores burgueses que já defendem as Diretas: Valério não é consequente com o grau de crise burguesa e a possibilidade de que, rapidamente, um setor majoritário passe a defender as Diretas como “última saída”. É o que aponta inclusive uma recente pesquisa Datafolha entre os congressistas. Assim como a Rede Globo era francamente apoiadora de Temer, e para surpresa geral “virou a casaca” do dia para noite.

Uma armadilha teórica para justificar a adaptação do MAIS ao petismo

Depois de criar um clima artificial em que a classe dominante estaria totalmente unificada em torno das eleições indiretas, e do outro pelas Diretas Já estaria apenas o movimento de massas, Valério passa a outro ponto central na armação "teórica" (retórica?) de seu argumento.

Para ele, o movimento contra as reformas pode até protagonizar novas ações de greve geral ou outras, porém pareceria fadado a não poder dar qualquer saída independente no plano político. O ceticismo de Valério vai tão longe, que ele iguala a possibilidade de que se desenvolva qualquer elemento de auto-organização na luta, com uma "ultra-propaganda", inofensiva portanto, sobre a revolução.

A proposta de comitês de base para que os próprios trabalhadores possam tomar em suas mãos a luta, tarefa cada vez mais urgente diante da disposição traidora das direções oficiais, não somente não é apoiada por Valério, como é por ele desqualificada, e jogada na vala comum dos argumentos ultra-esquerdistas.

Sem citar nomes ou organizações, Valério coloca sob esse rótulo os que acham que “a saída deve ser a luta direta (...)pelos Conselhos Populares, ou pelos Comités de base de luta contra as reformas, ou pelo poder popular”. Sim, por incrível que pareça, quem tiver disposição para ler o artigo do companheiro Valério, encontrará lá que a proposta imediata, tão necessária quanto factível, de organizar a luta pela base, é descrita como se fosse uma das "fórmulas de popularização da ditadura do proletariado". Tão baixo caímos, no afã de defender uma política indefensável do ponto de vista marxista.

Valério reconhece que sua saída é por dentro do regime

Primeiro, com a palavra o companheiro Valério:

A defesa das Diretas Já é condenada como uma saída por dentro do regime. Sim, Diretas Já é uma reivindicação democrática, portanto, compatível com o regime. Mas acontece que somente em situações de crise revolucionária são possíveis saídas por fora do regime.
Nesse parágrafo se concentram tantas confusões, que poderia render bem um artigo inteiro. Para o bem ou para o mal, não dispomos de tanto tempo ou espaço. Vamos ao essencial:

O fato de que uma determinada reivindicação seja democrática, NÃO significa necessariamente que ela seja compatível com o regime atual.
E ainda menos se lembramos que vivemos num regime cuja “casca” democrática é tão fina quanto a do sistema brasileiro atual, parido por uma transição pactuada com a ditadura militar e que preservou os pilares fundamentais desse país injusto e desigual.

Se fôssemos enveredar pela discussão teórica séria, com base nos clássicos marxistas, a afirmação de Valério ficaria ainda mais "solta no ar". Bastaria recuperar qualquer exemplo da política de Trotski, e não apenas para países atrasados como a Rússia ou a China, mas também para países avançados como Inglaterra e França, e veremos que as bandeiras democráticas-radicais, parte do programa revolucionário, sempre foram usadas para se chocar com o regime "democrático" desses países, e não para dar saídas "por dentro deles". É diretamente falso que os marxistas só defendam isso "em situações de crise revolucionária". Pelo contrário, o papel dos revolucionários é justamente criar as condições mais favoráveis para que se abram as situações revolucionárias, defendendo uma política que aponte para esse fim, e não para a recomposição do regime apodrecido que existe.
Talvez tenhamos que dedicar uma futura nota somente a resgatar a verdade nesse tema tão importante, explorado em detalhe em artigo de Emilio Albamonte e Matias Maiello, do PTS.

O legítimo sentimento democrático das massas, e sua tradução oportunista

O MRT batalhou na linha de frente contra o golpe institucional, que “sequestrava” o direito democrático do voto popular, e o entregava para os parlamentares inimigos do povo e para os reacionários do poder judiciário.

Nos irmanamos completamente com cada trabalhador e cada jovem que se indigna com a tentativa de manter Temer no poder, ou de substituir Temer por outro dos seus, por via indireta (ou seja, pelas mãos do mesmo Congresso Nacional corrupto e dos mesmos juízes antipovo). Por isso estamos na primeira fileira do combate ao governo golpista e a qualquer proposta de eleição indireta do seu sucessor. E, sem deixar um instante de dialogar com os que querem restabelecer o direito do sufrágio, apresentamos uma proposta mais avançada, a única que poderia ser expressão política real do movimento de massas capaz de barrar definitivamente as reformas antipopulares: que tenhamos sim eleições, mas para os representantes populares em uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana, imposta pela mesma luta.

Já na leitura oportunista, basta “ser parte” do movimento, lutar sem bandeiras independentes, e.... Para alguns, isso se justificaria porque, de acordo com uma “teoria” mal ajambrada, basta seguir o movimento e a realidade por si só irá tomar um curso revolucionário... Para outros, uma grande maioria arriscamos dizer, é simplesmente porque não acreditam em revolução alguma, e se trata apenas de aproveitar o momento para obter visibilidade ou um lugar no regime.

Eleições gerais como diferenciação secundária com o PT...

Em seu artigo mais recente, Valério Arcary mostra mais uma vez que não apenas quer justificar a adaptação do MAIS à bandeira de Diretas Já, como além disso, mesmo num nível de propaganda, seu horizonte não ultrapassa a bandeira quase idêntica de “Eleições Gerais”: "A campanha pelas ‘Diretas, Já’, ainda que limitada, porque não incorpora a luta por eleições gerais, entre outros possíveis exemplos, facilita a luta pela derrubada de Temer."

Completando o raciocínio, diz Valério: A reivindicação das Diretas Já é um caminho tático, associada à defesa da dissolução do atual Congresso, portanto, de Eleições Gerais, na atual relação social e política de forças, para impedir o acordão e, por essa via, submetendo ao sufrágio universal a decisão de quem deve governar, derrotar as reformas.

Porém cada argumento utilizado para tentar justificar a consigna de Eleições Gerais como diferenciação do PT se mostra mais inócuo. Afinal, essa seria a grande discussão de estratégia com o PT? Que eles só querem novo presidente, e a esquerda deve querer isso e também "renovar" o Congresso?.
Com essa política o MAIS se afunda e se debate no pântano da política petista. Não existe um átomo de independência de classe nessa política.

De que adianta o companheiro Valério citar tanto Trotski, e não conseguir atinar que para o revolucionário russo a consigna democrática radical mais apropriada para este momento é a Constituinte? Depois de anos presos ao sectarismo burocrático do PSTU que levou à loucura pró-impeachment, os companheiros do MAIS agora dão passos largos ao oportunismo petista. Assim, batalharam para não acompanhar a maioria do PSTU em sua política de ser a quinta-roda do golpismo, mas com sua política atual terminarão sendo a quinta-roda da recomposição do regime democrático-burguês junto com PT, PCdoB e PSB como diz na nota assinada por todos estes, incluindo o MAIS: diretas já é a única saída pra estabilizar o regime. Ou seja, o MAIS já não tem mais nenhum pudor de dizer abertamente que as Diretas Já têm este objetivo, assinam um documento assim com partidos inclusive burgueses. Então, fica claro, que as citações de Trotski são palavras ao vento

...PSTU e MAIS: Juntos novamente?

É evidente que ambos apresentam um discurso teórico de aparência contraposta, o PSTU com uma linha sectária (“trabalhadores ao poder”) num momento em que não há condição para isso, e o MAIS com a linha oportunista, fundamentando teoricamente seu seguidismo ao movimento Diretas Já.

Como vimos, o MAIS chega até a negar de fato a auto-organização para poder se diferenciar do ultra-esquerdismo do PSTU. Contra os "conselhos populares" falam também contra os comitês de base. Mas depois de toda essa pirueta, acabam terminando de mãos dadas na resposta morenista adaptada à democracia burguesa, defendendo juntos, tanto MAIS como PSTU, "Eleições Gerais" como saída política; tal como fizeram no processo do Fora Collor, aliás, quando estavam todos unidos na Convergência Socialista, corrente do PT.

Em renovada e surpreendente capitulação ao petismo, uns com o discurso mais sectário e outros com o discurso abertamente oportunista, acabam sob o guarda-chuva petista das Diretas Já, em conexão com seu verniz levemente moderado e reformista, que são as "eleições gerais".

Por uma Assembleia Constituinte imposta pela luta para anular todas as reformas

Valério tenta dar lições ao conjunto da esquerda: "Por isso, uma esquerda radical, portanto, séria, não pode ser indiferente à luta pelas ‘Diretas, Já’."

O modo da esquerda revolucionária não ser indiferente à consigna de Diretas Já é mostrar como se trata de uma armadilha sob máscara "democrática", a forma que mais beneficia os planos do PT de sequestrar o ódio legitimo anti-Temer da população para assegurar governabilidade ao regime político burguês e aplicar as reformas à sua maneira; e não abraçá-lo cegamente como se fosse a única maneira de dialogar com a vontade de voto das massas.

Pelo contrário, nosso diálogo com o sentimento anti-golpe e anti-reformas das massas é claríssimo: eleição de representantes para uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana, que anule todas as reformas antipopulares, na qual batalharemos para opor um programa operário e popular de saída para a crise, frente às variantes capitalistas que querem descarregar a crise sobre nós.
Em suma, a duas semanas da terceira greve geral do ano, estamos diante de três respostas políticas para a crise: uma que seria um “golpe dentro do golpe” (as eleições indiretas); outra que, em sua forma mais abertamente moderada (Diretas Já) ou com uma cobertura mais “propagandística” (Eleições Gerais), confluem para a alternativa petista para a situação; e a terceira, independente, que parte de dialogar com o sentimento democrático, mas que busca irromper esse regime podre de 1988, que está caindo aos pedaços, e se expressa na bandeira de Constituinte Livre e Soberana.




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