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MUSEU NACIONAL | "Lutar para que as futuras gerações tenham direito à memória": Trabalhadoras dos Arquivos na Unicamp

O Esquerda Diário conversou com 5 trabalhadoras da Unicamp, universidade onde estão localizados diversos arquivos de importância inestimável para a história e a cultura do país, como o Arquivo Edgard Leuenroth, o Centro de Memória da Unicamp, o Museu de Artes Visuais e o Centro de Documentação Cultural “Alexandre Eulalio”, que contam como viram o incêndio no Museu Nacional e qual a situação dos arquivos hoje.

sexta-feira 14 de setembro de 2018 | Edição do dia

O escandaloso incêndio do Museu Nacional do Rio de Janeiro escancarou todo o descaso e os ataques que vem sofrendo o conjunto da educação, sobretudo desde o golpe institucional de 2016 que aprofundaram os cortes que já vinham desde os governos do PT. Com a PEC do fim do mundo de Temer, são congelados investimentos em educação, que atingem em cheio a situação dos arquivos no nosso país. O Esquerda Diário conversou com 5 trabalhadoras da Unicamp, universidade onde está localizado diversos arquivos de importância inestimável para a história e a cultura do país, como o Arquivo Edgard Leuenroth, o Centro de Memória, o Museu de Artes Visuais e o Centro de Documentação Cultural “Alexandre Eulalio”, que contam como viram o incêndio e qual a situação dos arquivos hoje.

Maria Dutra - Trabalhadora do Arquivo Edgard Leuenroth

“A tragédia que se abateu sobre todos nós , a destruição do Museu Nacional, me provocou emoções que foram das lágrimas à indignação e revolta. Como sabemos, não foi uma fatalidade, não foi um incidente, isso é um projeto de país, um país, cuja memória precisa ser apagada, um país onde a cultura e educação precisam ser destruídas. E como destruí-las?? Simplesmente abandonando, sem investimento, um dia desaba só, e tudo fica como se fosse fatalidade.

Nos últimos anos vários prédios e acervos foram destruídos só pra lembrar alguns: Museu da Língua Portuguesa, Cinemateca Brasileira, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro entre outros. Afinal para que destinar recursos a um Museu que tem obras de Picasso?? A cultura e educação são perigosas, pode levar futuras gerações a pensar.

E como servidora pública, trabalhadora do maior centro de documentos sobre movimentos sociais do país, temo, temo pelo nosso acervo, temo por sentir que somos “espécie em extinção” , que seremos substituídos em curto espaço de tempo pelo trabalho precário, o que impossibilita o comprometimento com o que é público. Esse incêndio não destruiu somente a história do Brasil, mas da humanidade, nos restando apenas uma saída: lutar e lutar para que as futuras gerações tenham direito à memória ou restará só a barbárie.”

Roberta Botelho - Trabalhadora do Centro de Documentação Cultural “Alexandre Eulalio” - CEDAE

“Apesar do incêndio no Museu Nacional ter deixado a todos nós consternados e inconformados com a enorme dimensão da perda do Patrimônio cultural e científico do país, não podemos deixar de observar que essa catástrofe não é exatamente uma surpresa diante do projeto neoliberal que vem privilegiando o grande capital em detrimento do que é público e coletivo. Nos últimos anos, temos perdido uma grande parte dos nossos acervos por absoluto descaso e irresponsabilidade do poder público, que vem sistemática e deliberadamente, se empenhando no sucateamento das instituições de cultura e universidades públicas. Aqui mesmo no IEL, tivemos em 2013, um incêndio na biblioteca que queimou parte das suas instalações e uma parcela do acervo e até hoje segue sem reforma e funcionando de maneira improvisada. Nessa perspectiva, difunde-se a ideia de que os acervos são bens embalsamados, que devem ser preservados apenas como registros para a curiosidade pública, ignorando o valor cultural, científico, histórico e a dimensão do impacto que tem o seu desaparecimento para a sociedade.”

Alessandra Barbosa - Conservadora de Acervos do Centro de Memória - Unicamp

“O incêndio ocorrido no dia 2 de setembro no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, além de um trágico incidente, é fruto da desvalorização da ciência, da cultura e da educação que temos vivido no país, sobretudo nos últimos tempos. A queima de um acervo com 20 milhões de itens insubstituíveis, abrigados em uma instituição com 200 anos de história, reflete o descaso dos governantes e também da sociedade para com o patrimônio cultural e as instituições responsáveis pela guarda de acervos valiosos para nossa história, tornando-se um alerta para a situação não só dos museus, mas também de bibliotecas e arquivos públicos.

Estes equipamentos enfrentam diariamente os riscos de degradação de seus acervos, vivenciando problemas que vão além da ausência de sistemas de prevenção contra incêndios. Tratam-se de problemas estruturais como goteiras e infiltrações, infestação por insetos, como cupins e brocas, sistemas elétricos deteriorados e uma série de ocorrências que comprometem a manutenção e o funcionamento dessas instituições. Tais problemas são consequência da falta de investimentos na infraestrutura dos prédios, na especialização de mão de obra e no gerenciamento e prevenção dos agentes de riscos. O resultado dessa ausência de comprometimento com a cultura em nosso país é um museu devastado que esperamos, a despeito de sua possível reconstrução, não integre apenas estatísticas dentre tantas instituições vítimas de tal negligência.”

Marina Rebelo, trabalhadora do Arquivo Edgard Leuenroth

“Essa tragédia é a primeira das já anunciadas dificuldades que a PEC 55/16, conhecida como PEC do Fim do Mundo, trarão ao serviço público, em especial os voltados às áreas de cultura e educação, comumente desprivilegiadas na divisão de verbas públicas.

As instituições de memória ainda hoje no Brasil sobrevivem, em sua maioria, sem rubricas próprias, completamente dependentes dos cada vez menos frequentes editais públicos e de “passar o chapéu” junto aos poderes Executivos e Legislativos, com as emendas parlamentares. Gerir a Memória de um país é uma tarefa árdua que exige dos servidores e gestores não só a atenção e cuidados profissionais com os documentos e materiais históricos, mas uma contínua, incessante e por vezes inglória tarefa de explicar aos políticos e responsáveis pela verba pública o porque a memória é fundamental ao seu povo, e por que lembrar é um direito vital a uma nação.”

Castorina Madureira - Trabalhadora do Arquivo Edgard Leuenroth

"Trabalhar para preservar a memória e a história em nosso país que não investe em educação, não tem políticas públicas de preservação do patrimônio e incentivo a cultura, é desolador. O que dizer diante dessa tragédia que abateu em uma noite 200 anos de pesquisa e conhecimento do Museu Nacional, um dos mais importantes centros de ciência do mundo? Essa tragédia que já era esperada, sim, esperada! Porque em um país que não tem interesse em preservar sua memória, que despreza sua história cometendo os mesmos erros do passado, não poderia ter um fim diferente. Muitos neste país não têm a dimensão da perda irreparável que sofremos. Faz parte dos planos dos nossos governantes apagarem os rastros da memória, para, assim, perpetuarem a ignorância da nação."




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